sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Condomínios com bicicletas, carros e até apartamentos compartilhados ganham força no mercado


A economia compartilhada ganha expressões cada vez mais inusitadas no mercado imobiliário. Com o objetivo de oferecer serviços com baixo custo operacional e bom apelo de venda, incorporadoras vêm abusando do conceito "share" nas áreas comuns de edifícios com unidades compactas, que hoje oferecem até apartamentos compartilhados. Algumas empresas vendem propriedades fracionadas e outras investem em itens curiosos como helicópteros "coletivos".

A Gafisa aposta nessa ideia em lançamentos com foco em investidores. O Smart Santa Cecília, lançado em setembro no Centro de São Paulo e apresentado como um "Home&Share", terá um aplicativo de smartphones que possibilitará aos moradores organizar o uso dos itens compartilhados. O condomínio, com studios e imóveis de um e dois dormitórios, terá três carros, dez bicicletas, duas bicicletas elétricas para uso coletivo, espaço de coworking, além de uma unidade mobiliada disponível para aluguel temporário - num mecanismo semelhante ao adotado em salões de festas.

"Os moradores podem fazer reservas pelo aplicativo, que funciona como uma rede social fechada. É possível mandar avisos para a portaria, fazer anúncios e entrar em contato com os vizinhos. E o morador pode verificar se um dos vizinhos tem interesse em dividir os serviços de um professor de inglês", exemplifica Octávio Noronha, gerente de Negócios da companhia, que já replicou o conceito em outros projetos paulistanos, caso do Smart Vila Madalena e do Vision Capote Valente, esperando elevar a velocidade de vendas das unidades. No residencial de Santa Cecília, a empresa não divulgou o desempenho comercial do produto, com imóveis partindo de R$ 198 mil, mas o executivo disse ter verificado bastante aceitação dos clientes.

Do ponto de vista jurídico, Noronha explica que a Gafisa descreve os serviços pay per use no memorial de incorporação e na minuta da convenção dos condomínios - onde são regrados, por exemplo, como será o fornecimento de bicicletas ou carros compartilhados -, mas detalhamentos como preços e regras cotidianas de utilização são deixados para depois da implantação. Na fase de uso, não existem problemas operacionais, segundo ele. "Os espaços compartilhados serão geridos pelo condomínio, e os serviços em geral não têm muita complexidade, são pay per use ou terceirizados. Apenas fomentamos que os proprietários pratiquem o compartilhamento."

Alta renda

O conceito "share" tem aderência maior em unidades compactas voltadas para as classes média e média alta. Porém, com as devidas adaptações, se encaixa em qualquer perfil, segundo os especialistas. Vários serviços, como o de limpeza de unidades, e espaços, caso de lavanderias e escritórios, já são comuns hoje em empreendimentos com imóveis compactos.

O compartilhamento é uma das bandeiras da Vitacon, incorporadora focada em investidores desde a fundação da empresa. Em 2009, ela já incluía nos seus projetos carro, bicicleta, lavanderia e áreas de trabalho compartilhadas. Foi evoluindo neste conceito, conforme a demanda, e hoje também oferece motos "coletivas", serviços de limpeza nos apartamentos, salas de jantar e ferramentas de uso esporádico, como furadeira, serrote, martelo e escada. Além disso, recentemente um apartamento mobiliado semelhante ao oferecido no residencial da Gafisa foi incluído no portfólio "share" da empresa.

"Temos parceiros que provêm os serviços. Selecionamos, homologamos e administramos de perto. Nunca tivemos problemas", aponta o presidente da Vitacon, Alexandre Lafer Frankel. Ele conta que, nos empreendimentos em operação, o conceito foi muito bem recebido pelos usuários e que a convivência gerou inclusive resultados inesperados, como networking entre os moradores. "Acreditamos bastante no conceito de as pessoas não possuírem (as coisas), mas utilizarem, sem necessariamente comprá-las. É um diferencial para o empreendimento que as pessoas vão valorizar cada vez mais."

Helicóptero

Com 90% de suas obras concluídas, o empreendimento de segunda residência Condomínio Alto da Serra, em Bom Jardim da Serra (SC), apostou no conceito "share", com uma visão criativa e focada em mobilidade. Em abril, adquiriu um helicóptero, que foi dividido em 30 cotas, das quais 23 foram vendidas até o início de outubro. O empreendimento possui 160 proprietários de um total de 226 lotes e, segundo Fernando Weber, diretor da Weber Empreendimentos, responsável pelo projeto, a ideia foi bem recebida. A cota é vendida por R$ 75 mil, sendo 20% de entrada e o restante parcelado em 100 vezes. O proprietário paga R$ 835 mensais, custo com todas as despesas fixas, e mais R$ 870 por hora de voo. A cota não impõe um limite de uso, mas prevê uma preferência de duas horas de voo por mês.

A administração é feita por uma empresa especializada em aeronaves compartilhadas, a Atmos. Weber diz que não obteve lucro no serviço, já que seu objetivo único é de valorizar o empreendimento, com terrenos de até 6 mil m2 e preços variando de R$ 200 mil a R$ 600 mil. "As vendas e a procura aumentaram bastante. Lançamos em abril e, nesse período, vendemos mais do que o dobro do ano passado todo, além de o empreendimento ter valorizado 15% desde abril" - o empresário pretende adquirir mais duas aeronaves e replicar o modelo em seus outros projetos na região. Apostando ainda mais na ideia de compartilhamento, destinou ainda 10% dos imóveis do condomínio Alto da Serra para serem vendidos em frações.

O cirurgião plástico Luciano Schutz é proprietário de uma fração do helicóptero. "Bancar sozinho um luxo desse não é nada fácil, assim compartilhado se torna acessível. Mais vale ser dono de parte do negócio do que meramente um usuário de locação, até porque, aqui na região, não é fácil ter para alugar. E foi montada toda uma estrutura no condomínio, com heliporto e hangar. É uma experiência nova e, até o momento, está funcionando bem."

Na prática

Em operação há 15 anos, o bairro planejado Pedra Branca Cidade Criativa, em Palhoça (SC), vive as experiências compartilhadas no seu dia a dia. Carros "coletivos" passaram a ser oferecidos no início do ano e, segundo o diretor-executivo do empreendimento, Marcelo Gomes, um imóvel e um espaço de coworking serão implantados. O gestor é um entusiasta do conceito "share" e prioriza contratos curtos com fornecedores para poder avaliar os serviços.

No caso do carro compartilhado, uma terceirizada mantém contato com os usuários. "O empreendimento apenas precisa disponibilizar uma vaga de fácil acesso para o veículo. Dependendo da demanda, cobramos um valor caução para, caso o empreendimento volte atrás, não perdermos recursos de trabalho", diz Brener Martins, representante da companhia Podshare. Até setembro, cada usuário pagava mensalidade de R$ 20 e uma taxa de R$ 18/h de uso. Agora, o contrato entre o residencial e a fornecedora passa por um ajuste, segundo Gomes, que garante a manutenção do serviço

Imóvel fracionado 

Voltado para segunda residência, o modelo de propriedade fracionada, na qual o próprio imóvel é compartilhado, opera no Brasil há aproximadamente cinco anos, quando foi adotado em projetos como Quintas do Sauípe (Odebrecht Realizações Imobiliárias) e Itacaré Paradise (Eko Construtora), ambos na Bahia, e o Aguativa Privilege (Grupo Neszlinger), no Paraná.

As unidades geralmente são vendidas em 12 frações, e cada usuário tem direito a utilizar os bens por quatro semanas ao ano. Dependendo da escolha da incorporadora, o comprador pode adquirir apenas o direito de uso do imóvel por um determinado período ou ter a escritura do bem. Nessa última alternativa, no entanto, a diretora da operadora RCI no Brasil, Maria Carolina Pinheiro, diz que nem todos os cartórios aceitam registrar escrituras com vários proprietários.

A Lei Geral do Turismo (11.771/2008) regulamenta a hospedagem em tempo compartilhado, mas o modelo fracionado não tem legislação específica, segundo Maria Carolina. Por isso as construtoras hoje se baseiam na Lei da Incorporação Imobiliária (4.591/64). "Estamos nos reunindo com os empreendedores para ver qual o melhor caminho a ser tomado."

O modelo começou a ser implantado seguindo tendência dos Estados Unidos de proporcionar uma casa de luxo por um preço acessível a um público maior. "Aplicamos no condomínio fechado Quintas do Sauípe e estamos bem satisfeitos com o resultado. Tínhamos 75% do empreendimento vendido e, em um momento de velocidade de vendas reduzida, sentimos a necessidade de implantação, em 2010, do sistema fracionado como uma solução comercial", revela Esteban de La Cruz, diretor na Odebrecht Realizações Imobiliárias.

"Os incorporadores que aderiram já estão no segundo, terceiro e quarto projeto, sinal de que obtiveram um bom ganho. Quem fez teve uma experiência positiva, principalmente as unidades mais simples, em que a fração gira em torno de R$ 40 mil", diz Maria Carolina. "Além de aumentar o número de possíveis clientes, o incorporador, ao fracionar, fatura mais no valor total da unidade", completa.

Para o professor do curso de pós-graduação em Negócios Imobiliários da Faap Ricardo Rocha Leal, este é um modelo que está em fase de teste, sendo prematura uma análise objetiva. "Não temos nenhuma avaliação sobre isso, se vai dar certo ou não, não existem indicadores e a prática é muito recente. Temos uma cultura patrimonialista, e o brasileiro também sempre teve dificuldade de dividir. Nosso mercado não é maduro o suficiente para dar esse passo. Precisa ainda de uma qualificação maior tanto do modelo, que ainda não possui regulamentação, quanto dos profissionais envolvidos."



Construção e Mercado, Edição 172, nov/2015