segunda-feira, 8 de julho de 2019

'Queremos tirar o governo da jogada'


O Banco Central prepara um choque de competição no mercado bancário brasileiro para baratear e expandir o acesso ao crédito no Brasil, afirmou, em entrevista ao Estadão/Broadcast, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Segundo ele, uma das medidas será facilitar o uso dos imóveis quitados como garantia de novos empréstimos, reduzindo o custo de financiamentos e estimulando a economia. "Queremos tirar o governo da jogada", afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A aprovação da reforma da Previdência na Comissão Especial na quinta-feira é movimento concreto para o Banco Central cortar os juros?

Em nenhum momento quisemos passar a informação de que era uma relação mecânica: se tem reforma, tem isso de juros; se não tem reforma, não tem. Nós avisamos que há três fatores (de risco): cenário externo, hiato do produto (diferença entre o PIB corrente e o PIB potencial) e reformas. Mudamos bastante a linguagem em relação aos três. O resultante disso foi uma linguagem final em que tentamos comunicar que estamos mais confortáveis com o cenário de inflação benigna. Se o passo de ontem (quinta-feira) foi importante? Foi uma primeira vitória. Mas nós do BC não temos a tarefa de especular como vai ser a tramitação. Temos de esperar.

Com a aprovação da reforma, uma agenda mais positiva passa no Congresso?

Passando a reforma, que é o tema mais polêmico, eu acredito que a facilidade deve aumentar para os outros temas que são mais relacionados à agenda positiva. Há a sensação de que estamos tomando as medidas certas. A equipe econômica tem outras agendas. A gente não para na reforma. O Banco Central pode contribuir na parte de democratização do crédito.

Qual o papel do crédito na retomada da economia?

O mercado é um dos canais onde ainda temos visto uma força. O crédito livre (sem juros subsidiados) está crescendo em torno de 11%. Pessoa física tem mostrado um crescimento mais saudável. Ele está funcionando bem.

O BC pode fazer mais?

Pode. Pode baixar o spread (a diferença do juro que o banca paga ao captar um recurso e o que ele cobra ao emprestá-lo), aumentar a inclusão. Importante é a parte do mercado imobiliário. O sistema de financiamento imobiliário é de uma mão. Você consegue financiar a sua casa, apesar das imperfeições que ainda existem. Mas quando se quer extrair valor da casa fazendo produtos que chamamos de "reverse mortgage" ("hipoteca reversa", empréstimo hipotecário tendo como garantia o imóvel, que permite ao mutuário acessar o valor livre da propriedade ), "home equity" (o cliente usa um imóvel quitado em seu nome como garantia para conseguir um empréstimo pessoal), essa via é interrompida. Em grande parte dos países, tem uma via de financiar a casa, adquirir o imóvel, e outra de extrair valor. É comum nos países mais avançados, onde o valor de propriedade subiu muito, uma pessoa no final da vida retirar o valor da propriedade. Temos várias linhas de aprimorar esse instrumento para que tenha um colateral (garantia) para baixar a taxa de juros.

De que forma?

Você tem uma dívida pequena hoje no banco e coloca a casa como garantia. Os juros deveriam baixar muito, porque é um colateral (garantia) valiosíssimo. Hoje, ainda tem impeditivos que fazem com que isso não aconteça. Os bancos europeus têm uma história mais antiga desse mercado, mas recentemente vimos plataformas que estão fazendo isso. Crédito com garantia de imóvel. Estamos querendo que o mercado de financiamento de casas tenha duas vias.

Mas essa modalidade de crédito já existe...

Sim, mas baixa muito pouco a taxa de juros, porque tem muitas imperfeições. Existe mas não existe, porque, se pegar o total, é irrelevante. Se hoje vou pegar um empréstimo de R$ 100 mil e colocar a minha casa como garantia, o meu custo de cartório é altíssimo, o IOF vale de um lado, mas não vale do outro. Alguém precisa fazer uma avaliação da casa que custa muito caro. São várias medidas a serem tomadas (ler mais nesta página).

Por que o BC tem olhado tanto agora para as medidas microeconômicas?

Essa agenda é muito importante. Tínhamos uma imperfeição na microeconomia muito grande. É difícil fazer negócio no Brasil. É difícil uma empresa pequena emitir capital, ter acesso ao mercado de capitais. Se a empresa quer fazer investimento de longo prazo, é difícil fazer o hedge (proteção financeira). Há várias imperfeições no mercado de fundos imobiliários, toda essa parte de acesso a funding (fontes de recursos), de inclusão financeira.

O Brasil convive com esse quadro há muito tempo... É verdade. Uma das formas que o governo achou de encobrir as imperfeições foi dar um dinheiro barato, abaixo do custo de oportunidade. Em algum momento, bateu no muro do fiscal e teve de retirar os incentivos. As imperfeições ficaram mais aparentes. Não tem mais o subsídio. E com os juros mais baixos fica mais fácil ver as imperfeições. A agenda importante é a BC+. Teremos várias medidas para corrigir essas imperfeições. Queremos tirar o governo da jogada.

O sr. conversou com os líderes dos partidos para definir uma agenda de projetos no Congresso. O que vem primeiro?

Temos uma gama de projetos bastante grande. Tivemos uma primeira reunião. Entendemos que a parte da simplificação cambial é importante, porque vai em linha com o movimento de abertura comercial. Essa é uma prioridade, como também o projeto de autonomia do BC, que separa o ciclo político do monetário.

O que é a simplificação cambial?

O sistema cambial tem várias imperfeições, como por exemplo, para fechar o câmbio tem de ser uma instituição financeira. É difícil mandar o dinheiro para fora. Essa primeira etapa, que acreditamos vai levar à conversibilidade (quando uma moeda é trocada livremente pela de  outro país), é de simplificação. Serão mudadas 40 regras. A conversibilidade é consequência. O mais importante é ter um sistema cambial mais barato e inclusivo, melhorando a parte de exportação, importação e para o investidor estrangeiro. Vai ajudar ao processo de abertura comercial.

"É difícil fazer negócio no Brasil. É difícil uma empresa pequena emitir capital, ter acesso ao mercado de capitais. Se a empresa quer fazer investimento de longo prazo, é difícil fazer o 'hedge'."

E a conta em dólar, que já foi anunciada, quando sai?

É uma consequência do processo final. Se temos uma moeda conversível, podemos ter conta não só em dólar, como em outras moedas. É um projeto de longo prazo dentro do meu mandato.
BC deve facilitar uso de imóvel como garantia de empréstimo

PERGUNTAS E RESPOSTAS:

O Banco Central quer incentivar o uso de imóveis quitados e com a documentação em dia como garantia para a tomada de empréstimos pessoais. A ideia é baratear e expandir o acesso ao crédito no País, segundo o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. "É comum nos países mais avançados, onde o valor do imóvel subiu muito, uma pessoa no fim da vida retirar valor da propriedade", disse em entrevista ao Estado. O banco quer atuar para reduzir a burocracia e os custos atrelados à operação, como taxas de avaliação de imóvel e seguros, hoje considerados muito altos. 

Nessa modalidade, chamada home equity e pouco usada no Brasil, além de taxas mais atrativas e juros mais baixos, é concedido prazo maior para o pagamento do empréstimo - o montante de crédito concedido varia de acordo com o valor do imóvel. E, diferentemente da hipoteca, que caiu em desuso no País, no home equity o imóvel fica sob posse do banco até que a dívida seja quitada. Além da concessão de crédito, Campos Neto afirmou ainda que o Banco Central deve agir na simplificação cambial. "É uma prioridade, como também o projeto de autonomia do BC, que separa o ciclo político do monetário."

Retomada

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz, em entrevista ao Estadão/Broadcast, que prepara pacote de medidas para destravar o crédito e reduzir o custo dos financiamentos no País, como forma de ajudar a reativar a economia.

Qual é a modalidade de crédito que o Banco Central quer incentivar?

Conhecida por home equity, a modalidade usa um imóvel como garantia do empréstimo. A destinação do financiamento pode ser as mais diversas: capital para abertura de um novo negócio, pagar faculdade, quitar dívida. Mas para usar o imóvel como garantia é preciso que ele esteja quitado e com a documentação em dia. De acordo com fontes do BC, cerca de 95% dos imóveis brasileiros são quitados.

Qual a vantagem desse sistema?

A modalidade de home equity é uma alternativa com taxas mais atrativas e juros mais baixos, além de ter prazo maior para o pagamento do empréstimo. O valor do empréstimo costuma ser limitado, de acordo com o valor do imóvel. As condições são mais vantajosas porque o imóvel é dado como garantia.

Esse tipo de empréstimo já existe no Brasil?

Já, mas não é muito comum, por causa de custos muito altos atrelados à operação. Dependendo do banco, antes de liberar essa linha de crédito, se exige uma avaliação do imóvel, verificação jurídica, seguros, registro do imóvel e tarifa de cadastro. Além disso, para financiar um imóvel, o cliente não paga Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas na operação de crédito que usa o imóvel como garantia (como o home equity), sim. Tudo isso pode ultrapassar R$ 2 mil.

De que forma isso pode ser incentivado pelo BC?

A instituição quer atuar para reduzir a burocracia e, assim, baratear os custos. Por exemplo: se o empréstimo que o cliente quer pegar for de um valor não muito alto, permitir que o terreno seja dado como garantia (o que dispensaria os custos de uma nova avaliação do imóvel). O Banco Central também quer criar um sistema simplificado que evite a necessidade de registros duplos do imóvel no cartório.

Essa modalidade não é uma hipoteca?

Não. Hipoteca e home equity são formas de empréstimo que usam o imóvel já quitado como garantia. A principal diferença é que, no home equity, o imóvel fica sob a posse do banco (alienação fiduciária), até que a dívida seja quitada. Na hipoteca, que praticamente caiu em desuso no Brasil, isso não acontecia. Isto é, a propriedade era mantida no nome do credor. Em caso de calote, o banco precisava entrar na Justiça para conseguir tomar o imóvel.



O Estado de S. Paulo, Adriana Fernandes e Fabrício de Castro, 06/jul