Compradores têm resistência a imóveis tombados, por desconhecerem os procedimentos para reformá-los e dar a eles uma finalidade de uso. Tal posição gera flutuação nos preços das unidades.
À venda por R$ 2 milhões, o casarão histórico onde morou Cândido Portinari, no Cosme Velho, Zona Sul da capital, assim como outros imóveis com valor simbólico agregado, esbarram em dificuldades de comercialização. O imóvel, onde Portinari viveu entre 1943 e 1950, está provisoriamente tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) desde 2011. Por conta da falta de conservação, partes do imponente casarão ameaçam ruir.
Membros da Associação de Moradores do Cosme Velho visitaram a unidade, em agosto deste ano, e verificaram que os cômodos da casa apresentam riscos de desabamento e no seu interior estruturas de metal foram instaladas para evitar este fim. A fachada, por sua vez, também está deteriorada, mas ainda tem possibilidade de restauro, conforme reportou a coluna de Ancelmo Gois (O Globo).
O casarão de Portinari, um dos maiores artistas plásticos do Brasil, também foi um importante centro de debates culturais, políticos e artísticos, por onde passaram Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Graciliano Ramos, entre outros nomes de grande relevância nacional.
Após o seu tombamento provisório, a casa, construída em 1938, foi doada ao Projeto Portinari para ser um centro cultural de memória ao artista. No entanto, ninguém se interessou pelo objetivo proposto, o que levou o imóvel a ser devolvido aos donos.
O local conta ainda com outro plus: um ateliê-galpão especialmente projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer para a confecção do painel “Tiradentes” (1949), que era grande demais para ser produzido dentro da casa. O imóvel, de dos andares, conta mais de 470 metros quadrados de área, oito quartos, duas salas e dois banheiros.
No dia 4 de setembro deste ano, o DIÁRIO DO RIO já havia publicado uma matéria falando sobre a importância do imóvel para a cultura carioca e seu paradoxal estado de abandono. Fechado há anos, o imóvel localizado na Rua do Cosme Velho, 343, o acumula dívidas de IPTU.
Em 2021, o jornal denunciou o mal estado de conservação do patrimônio histórico, cujas paredes ameaçavam desabar. Desde 2010,o filho do artista, João Cândido Portinari, administra o espaço e tenta, sem sucesso, fazer do local um museu. O objetivo não gerou interesse nas instâncias governamentais e na iniciativa privada.
Barão de Mauá
Em situação semelhante se encontra a casa onde viveu Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá. Tombada pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), a mansão foi avaliada em R$ 4,2 milhões, em 2023; agora, está à venda por R$ 2,5 milhões, o que representa uma queda de 40% no seu valor. O imóvel tem área completa e quintal com 1,5 mil metros quadrados, e pertence a uma rede hoteleira.
Ouvido pelo jornal O Globo, o diretor da Sérgio Castro Imóveis, Cláudio André de Castro atribuiu a baixa nos preços à resistência de alguns compradores a imóveis tombados, por desconhecerem os procedimentos para reformá-los e dar a eles uma finalidade de uso.
“São imóveis históricos, culturalmente importantes, onde residiram pessoas ilustres, mas que têm uma característica diferente do habitual. Eles precisam de muita obra e muito restauro. Com isso, têm um público para adquirir. Todo mundo quer uma casa histórica restaurada. Nós vendemos diversas arrumadas, sobrados em perfeito estado na Praça XV, em Santa Teresa… Vendemos sempre. Mas esses imóveis precisam de restauro, então são para um público restrito porque o custo da obra, ainda mais quando os bens são tutelados pelos órgãos de patrimônio, é um bastante alto,” explicou o empresário, responsável pela venda dos dois casarões.
Na década de 1940, funcionou no local a Pensão Mauá, iniciativa da pintora Djanira cuja ideia era atrair a nata da intelectualidade brasileira. Pelo local, passaram escritores e artistas brasileiros, entre eles Manuel Bandeira, Carlos Scliar e Milton da Costa.
Em matéria publicada em 3 de outubro de 2023, o DIÁRIO DO RIO já havia destacado a importância da construção, assim como a sua má conservação. Apesar de contar com a sua fachada completamente preservada, as laterais foram descaracterizadas pelas ações dos vários ocupantes do imóvel ao longo do tempo. A mansão, localizada no charmoso bairro de Santa Teresa, no Centro, guarda a memória de grandes personagens da história do Rio e do Brasil, tendo no Barão de Mauá, certamente, o seu maior expoente.
Cláudio André de Castro acrescentou que, apesar de no passado terem abrigado personagens ilustres e, por isso contarem com um valor histórico e cultural inestimáveis, as construções tendem a serem transformadas em imóveis com perfil comercial:
“Sobre a casa do Barão, em Santa Teresa, temos um estudo feito por um dos clientes para transformá-la num espaço gastronômico com diversos restaurantes utilizando não só a linda casa como o jardim, as árvores centenárias… Um dos interessados viu e se interessou por um projeto parecido com o do restaurante Figueira Rubaiyat, em São Paulo, famoso pela linda árvore. São imóveis que estão com um valor barato,” disse Castro ao Globo.
Em área protegida
Outro imóvel importante à venda na cidade é a casa onde Vinicius de Moraes viveu a sua adolescência e parte da vida adulta. O imóvel, localizado na Rua das Acácias, na Gávea, Zona Sul da cidade, foi avaliado em R$ 3,9 milhões. Ao contrário das demais construções, o preço da unidade permanece estável.
Construída em 1930 e comprada, em 1960, por Laetitia Cruz de Moraes Vasconcellos, irmã do poetinha – que lá viveu até 102 anos -, a casa conta com dois andares, cinco quartos e um quintal. Além disso, o imóvel está localizado em uma área de proteção ambiental, o que inviabiliza a construção de prédios na região.
A casa onde Vinicius de Moraes nasceu, entretanto, teve um fim diferente. Situado na Rua Lopes Quintas 114, no Jardim Botânico, também na Zona Sul, o imóvel deu lugar há alguns anos a um edifício residencial.
Diário do Rio, 30/set