terça-feira, 6 de novembro de 2018

O céu é o limite: altíssimo luxo no Rio


Carros como Porsche e Ferrari decorando a sala, adegas que valem mais do que um apartamento na orla de Copacabana, obras de arte no banheiro, lustres franceses, "quarto do pânico", além de cinema, boate, salão de beleza, pet shop e octógono particulares. Ou, quem sabe, uma ilha para chamar de sua na região dos Lagos.
Assim é o mundo dos imóveis que custam mais de R$ 30 milhões. A despeito da crise, esse mercado de altíssimo luxo cresceu cerca de 20% nos últimos dois anos. O setor sentiu apenas a brisa dos tempos mais difíceis no Brasil. Não que tenha faltado dinheiro, mas a incerteza econômica-política fez com que até estes compradores milionários botassem o pé no freio. Agora há um reaquecimento.

- O mercado de alto luxo vai muito bem. Os compradores deste tipo de imóvel não dependem de crédito, já que possuem um patrimônio consolidado. E, segundo eles, os imóveis continuam sendo um investimento seguro mesmo em épocas de crise - afirma o consultor executivo da Precisão Vendas, Marcel Galper.
Ele diz que existe uma perspectiva otimista com relação ao crescimento desta demanda, em face às mudanças que se anunciam no país.
ÁREA VIP
Tal aquecimento tem motivado imobiliárias a abrir frentes exclusivas para atender ao público milionário. Neste ano, as empresas Brasil Brokers, Precisão Vendas e Lopes criaram setores que negociam apenas unidades de alto padrão no Rio - com imóveis a partir de R$ 3 milhões. A expectativa é de que esse nicho cresça ainda mais. Para o início do ano que vem, por exemplo, a Lopes Alto Padrão, lançada online, prevê abrir uma loja "de verdade" no Leblon.

- Há alguns anos que temos uma demanda dos franqueados para fazer esta segmentação, porque o consumidor do alto luxo tem necessidades distintas. E tem a questão da segurança. Eles querem mais restrição no acesso de corretores e possíveis compradores à sua casa - explica o diretor-executivo da Rede Lopes, Matheus Fabricio.
Geralmente, quem pode bancar um imóvel tão caro são grandes empresários, esportistas, fazendeiros, investidores, CEOs de empresas estrangeiras e artistas. Quem paga não tem pressa: espera pelo melhor imóvel, na localização mais privilegiada (de preferência com vista para o mar ou para o Cristo).
Pamela Ferreira, executiva de vendas e marketing estratégico da Unique, braço da Brasil Brokers, reforça que o peso de diamante em residências milionárias é a localização, sendo os bairros mais almejados Leblon, Ipanema e Lagoa. Joá e São Conrado não são mais tão valorizados quanto antes. Além disso, a assinatura de um arquiteto de renome faz a diferença. -As incorporadoras já viram que isso agrega valor ao imóvel e estão investindo. Hoje, os queridinhos do mercado são Miguel Pinto Guimarães e Philippe Starck - conta Pamela.
Ela diz que outra característica é a individualidade:

- O morador, geralmente, quer fazer tudo do jeito dele. Ou já compra com tudo dentro, ou derruba e refaz do zero.
A área útil desses imóveis começa em 300m³, podendo chegar em alguns casos a 700m³. A localização e a personalidade foram os dois fatores que mais pesaram na escolha da empresária Marise Campos ao comprar sua casa no Leblon, há cinco anos. No terreno, ela refez toda a estrutura em estilo neoclássico, que adora. A suntuosa mansão tem piscina, horta e até um atelier de costura, além de uma área social ampla, palco de festas para a alta sociedade carioca.

- A localização é tudo. Estou perto do agito e, ao mesmo tempo, tenho uma casa em meio a paz e sossego. Consigo ouvir o canto dos pássaros - conta ela.
Mas o tamanho tem seus inconvenientes: quando os filhos cresceram e foram embora, a casa ficou grande demais para Marise e o marido, que agora pretendem vender o imóvel.
TÊTE-À-TÊTE
Esse segmento é tão restrito quanto a descrição com que as transações acontecem. Os compradores em potencial se conhecem (ou, ao menos, sabem quem é quem), assim como os corretores especializados que atendem ao limitado público. Aqui, menos é mais. Para garantir a segurança, os corretores fazem um levantamento minucioso antes de levar qualquer interessado para conhecer os imóveis. É quase tudo no tête-à-tête. Se uma mansão representa status dentro da "roda", fora dela, não aparece em sites comuns.
Marcello Romero, CEO do Sothebys International Realty no Rio, especializada em imóveis de luxo, concorda que a segurança é um dos itens mais valorizados na compra de casas milionárias. Mas acrescenta que esse público também está muito ligado na tecnologia a serviço do conforto.

- São moradores que têm recursos para suprir seus desejos e são muito bem informados das novidades. Além disso, querem imprimir o seu lifestyle - afirma Romero. Entre os mimos tecnológicos, há cabideiros para manter as toalhas de banho aquecidas, espelhos que não embaçam e que mostram as principais notícias do dia.
Outra característica bem comum nas residências milionárias são "cômodos diferenciados", tanto para a família quanto na área de serviço.
Residências que custam mais de R$ 30 milhões requerem infraestrutura à altura de seu preço. Os moradores destes imóveis tão raros no Rio investem em um tipo de conforto que vai além do que se vê habitualmente até em apartamentos de alto padrão, como os de R$ 3 milhões. Entre os itens que compõem residências assim, há portas internas blindadas, jacuzzis gigantes e mais de uma cozinha. Um casal de proprietários pode dispor de banheiros separados: um para ele, outro para ela. Às vezes, há um quarto para cada um. - Em geral, essas casas também têm grande infraestrutura para receber convidados - conta Pamela Ferreira, da Unique/Brasil Brokers.
Casas tão grandes requerem um time de empregados em sua manutenção. Geralmente, há elevadores, escadas e acessos paralelos aos sociais para que o serviço seja feito com descrição. Também é usual ter um alojamento onde os funcionários podem dormir. Em alguns casos, essa ala é praticamente um imóvel inteiro, com sala, quartos, cozinha e medidas de até 80m².
Contudo, para Marcello Romero, da Sothebys International Realty no Rio, a tendência é de racionalização, até mesmo nos imóveis luxuosíssimos.

- Não há mais a necessidade de os funcionários dormirem na casa. Hoje, os moradores não querem mais ostentar o serviço e prezam muito mais a privacidade. Não querem tanto entra e sai em casa, a todo instante - explica Romero.
Diante de tantas peculiaridades, Matheus Fabricio, da Rede Lopes, lembra que na compra e venda de imóveis acima dos R$ 30 milhões não existe pressa. - Em uma casa dessas a negociação pode demorar em torno de um ano, enquanto imóveis menores, em torno de 90 dias.


O Globo, Raphaela Ribas, 04/nov