terça-feira, 2 de abril de 2019

Média e alta renda crescem, mas margem preocupa


O segmento de incorporação de imóveis para as rendas média e alta viveu, no ano passado, seu ponto de inflexão, com destaque para a retomada, no quarto trimestre, do crescimento de lançamentos e vendas e para o aumento da velocidade de comercialização. A tendência, segundo analistas ouvidos pelo Valor, é que a expansão seja mantida em 2019, considerando-se o cenário de juros mais baixos, crédito disponível e distratos regulamentados. Cyrela, EZTec e Even Construtora e Incorporadora já sinalizaram que as vendas estão melhores, neste início de 2019.
Em relação ao segmento de baixa renda, a expectativa é de crescimento mais modesto, e o mercado continua a monitorar os direcionamentos de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Tesouro Nacional para o programa Minha Casa, Minha Vida.
No ano passado, as incorporadoras de capital aberto lançaram R$ 17,35 bilhões, com alta de 26,5% na comparação anual. As vendas líquidas aumentaram 19%, para R$ 17,61 bilhões. Os números consolidam as prévias operacionais da CR2, Cyrela, Direcional Engenharia, Even, EZTec, Gafisa, Helbor, MRV Engenharia, PDG Realty, RNI Negócios Imobiliários, Tecnisa, Tenda, Trisul e Viver Incorporadora. Sem considerar Cyrela, que não informou distratos, as rescisões de vendas caíram 17,3%, para R$ 3,664 bilhões.
A expansão do Valor Geral de Vendas (VGV) lançado foi de 47,7%, no quarto trimestre, para R$ 6,827 bilhões, e o crescimento das vendas chegou a 26,3%, para R$ 5,68 bilhões. Sem incluir Cyrela, os distratos tiveram queda de 16,2%, para R$ 849,3 milhões. De outubro a dezembro, o setor lançou 39,4% do que foi apresentado no acumulado do ano. As vendas do trimestre responderam por 32,3% do total.
Ao comentar os resultados da EZTec, o diretor financeiro e de relações com investidores da companhia, Emílio Fugazza, contou que as vendas brutas semanais da incorporadora estão semelhantes às do "boom imobiliário" em 2010 e 2011. "O ânimo em relação a lançamentos está bastante forte", disse Fugazza na divulgação do balanço.
Em teleconferência com analistas e investidores, o copresidente da Cyrela Raphael Horn afirmou que a tendência de recuperação das vendas de imóveis observada no fim de 2018 se manteve no início deste ano. Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores da Even, Vinícius Mastrorosa, as vendas da incorporadora estão melhores do que as do começo do ano passado.
"As empresas de média e alta renda estão conseguindo recuperar um pouco do tempo perdido nos últimos anos", diz o analista de mercado imobiliário do Santander, Renan Manda. Do lado operacional, ressalta Manda, houve melhora relevante relacionada ao aumento da confiança e à definição eleitoral, mas ainda demora para isso se refletir, em termos financeiros, nos resultados das companhias em decorrência da contabilidade do setor.
No ano passado, o prejuízo líquido consolidado das incorporadoras listadas em bolsa aumentou 42,7%, para R$ 1,992 bilhão. As maiores perdas foram registradas por PDG (R$ 838,9 milhões), Rossi (R$ 614 milhões) e Gafisa (R$ 419,5 milhões). A receita líquida consolidada aumentou 7,8%, para R$ 16,221 bilhões. A margem bruta média cresceu de 21,7% para 25,1%. A alavancagem do setor medida por dívida líquida sobre patrimônio líquido ficou em 53,5%, acima dos 50,3% do fim de 2017.
No quarto trimestre, as incorporadoras tiveram prejuízo líquido de R$ 497,4 milhões, ante lucro líquido de R$ 781,5 milhões de outubro a dezembro de 2017. Juntas, Gafisa, Rossi e PDG responderam pela perda de R$ 640,1 milhões. O prejuízo da Gafisa - o maior do setor no trimestre - foi de R$ 297 milhões. Houve expansão de 24,5% na receita do setor, para R$ 5,067 bilhões. A margem bruta setorial passou de 18,4% para 27,1%.
Um analista setorial avalia que as margens das incorporadoras de média e alta renda ainda são um ponto de atenção. Segundo ele, apesar das boas expectativas para os próximos trimestres em relação a lançamentos e vendas, contingências, provisões e baixas contábeis ainda terão impacto nos resultados das companhias. Cyrela, Even e Gafisa estão entre as incorporadoras que fizeram baixas contábeis e provisões para contingências e distratos no quarto trimestre.
Nos últimos anos, o segmento de baixa renda foi o menos impactado por distratos e restrições de financiamento, mas o mercado está atento à possibilidade de mudanças das regras de liberação de recursos do FGTS que afetem vendas de imóveis e repasses dos recebíveis dos clientes das incorporadoras para os bancos.
"É esperado algum ajuste no FGTS, provavelmente no segundo semestre. Se a remuneração da conta do trabalhador no FGTS melhora, o subsídio do Minha Casa é reduzido", diz outro profissional que acompanha o mercado, acrescentando que a questão é saber como as incorporadoras de capital aberto serão impactadas.
Na avaliação do Bradesco BBI, potenciais mudanças no FGTS não devem resultar na interrupção da liberação de recursos, e cortes graduais de subsídios devem possibilitar que incorporadoras de baixa renda mais eficientes, que possuem menores custos, continuem a ganhar mercado. Em relatório assinado pelo analista Luiz Mauricio Garcia, o Bradesco BBI diz que continua a ver fortes pilares que dão sustentação a uma suave transição do programa habitacional.
Em janeiro e parte de fevereiro, houve mais dificuldade nos repasses dos recebíveis dos clientes para os bancos por parte das incorporadoras de baixa renda devido a impactos da mudança de governo, como a incorporação do Ministério das Cidades pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. "No ano, a situação tende a se normalizar. As empresas entendem que isso é temporário", diz o analista do Santander.


Valor Econômico, Chiara Quintão, 02/abr