Um cenário paradisíaco à beira-mar; a calmaria interrompida por uma ressaca e, depois, pelo barulho de máquinas trabalhando freneticamente, todos os dias. As cenas dignas de filme e os momentos de tensão não saem da memória de moradores e comerciantes da Praia da Macumba. Há dois meses, um novo desmoronamento do calçadão mudou a paisagem e a rotina da região. Obras emergenciais de contenção começaram logo depois, em 17 de outubro, e têm previsão de durar 120 dias, ao custo de R$ 14,5 milhões. O trabalho é para evitar novos deslizamentos no local e estabilizar o terreno. Mas tem caráter provisório.
Os moradores clamam por uma solução definitiva, mas ela deve demorar. Isto porque o município pediu ao professor de Engenharia Costeira e Oceanográfica Paulo Rosman, da Coppe/ UFRJ, para traçar as diretrizes do trabalho. Autor de um estudo sobre a Macumba realizado em 2000, também sob encomenda da prefeitura, ele, porém, já avisou que será preciso atualizar o projeto, considerando as ações naturais e humanas dos últimos 17 anos, bem como o impacto dos sete desmoronamentos ocorridos no local desde 2005.
- O projeto feito entre 1999 e 2000 foi para as condições daquela época. De lá para cá, a natureza fez muitas coisas, e a prefeitura também. A mudança climática elevou o o nível do mar. O estoque de areia mudou. E houve um significativo aumento de benfeitorias urbanas. A via que passava por lá na época (do primeiro estudo) era estreita - exemplifica Rosman, em referência à construção do calçadão e da ciclovia. - É preciso fazer um novo levantamento de topografia do fundo, ver o que de fato foi alterado. Hoje, ferramentas computacionais permitem que se tenha mais refinamento, para um estudo ainda mais detalhado.
Os moradores da Macumba puderam assistir à mais recente destruição, iniciada em setembro, de camarote, da janela de seus apartamentos. Pedaços da mureta de proteção jogados na estreita faixa de areia são uma das consequências do avanço do mar. À medida que novos trechos do calçadão iam desmoronando, mais gente abandonava suas casas. A advogada Cristiane Fernandes optou por tirar a mãe de seu apartamento num dos prédios da orla.
- Nós víamos o buraco aumentar, aproximando-se cada vez mais dos prédios. Até que os quiosques começaram a ser engolidos. Antes disso, a areia foi sumindo, demorando cerca de 20 dias até chegar ao calçadão. Chamávamos a Defesa Civil constantemente. Só no meu prédio houve umas oito vistorias. Eles vinham e emitiam laudos. Estamos brigando para que o projeto do professor Rosman seja aplicado. Queremos uma solução definitiva - conta Cristiane.
Entre as revindicações feitas pelos residentes estão o replantio da vegetação de restinga e a construção de uma guia-corrente (uma espécie de quebra-mar) no Canal de Sernambetiba, assoreado como consequência do movimento do mar. A faixa estreita na praia dificulta o processo de estabilização do terreno. A equipe responsável pela recuperação do local tem criado obstáculos com a própria areia, para evitar que o mar molhe o local das obras. Presidente da Associação dos Moradores do Recreio dos Bandeirantes (Amor), Simone Kopezynski diz que os problemas se agravaram logo após a conclusão do projeto Eco Orla, em 2005.
- Precisamos que a obra definitiva seja feita. Desde a obra (Eco Orla), vimos afundamentos de calçada, rachaduras e outros eventos importantes. Logo depois da inauguração, o calçadão teve que ser interditado. A draga que retirava a areia deslocada para o Canal de Sernambetiba deveria levá-la de volta para a praia, mas isso não acontecia - garante Simone.
Rosman compara o último desmoronamento ao ocorrido em 1999, que levou a prefeitura a solicitar o estudo à Coppe/UFRJ. O plano era ampliar a faixa de areia. Porém, no decorrer dos últimos anos, construções foram tomando o lugar da praia.
- Todos os movimentos feitos do ano 2000 para cá foram no sentido de piorar a situação. Diminuir o estoque de areia é ter a audácia de chamar o mar para perto de você. O problema se manifestou diversas vezes. No relatório estava escrito que isso aconteceria, e ainda assim construíram a ciclovia e o calçadão. Após as obras, demorou apenas 15 dias para que houvesse problemas - salienta o professor, afirmando que o plano emergencial é necessário neste momento. - O projeto que estão fazendo agora é adequado. Existem várias soluções possíveis, e esta está correta.
Os desmoronamentos tiverem impacto financeiro também. Proprietários de imóveis na Macumba viram locatários abandonarem os apartamentos e cancelarem seus contratos com medo de permanecer no local.
- Não queremos ciclovia ou calçadão, nada disso. As pessoas não estão conseguindo alugar ou vender os imóveis. Eu não sei se confio em ficar aqui sem que se execute o projeto definitivo - diz Cristiane. A ocupação residencial na Praia da Macumba pode ser comparada à de outros bairros da cidade, e, segundo o professor Paulo Rosman, do ponto de vista da engenharia, não apresenta um problema para o meio ambiente: a ampliação da faixa de areia será suficiente pra prevenir novos desmoronamentos, afirma. Em lugares como Barra, Ipanema e Leblon, a orla carioca também teve a faixa dinâmica - área afetada em períodos de ressaca e recomposta quando o mar recua - ocupada por vias. Rosman compara a solução que propõe ao projeto desenvolvido em Copacabana na década de 1960.
- Há 50 anos, entrava água na garagem dos prédios, chegando até a Rua Barata Ribeiro. Isso aconteceu durante uns 20 anos. Depois que o mar chegou para trás, com a ampliação da praia, nunca mais houve problema. A lógica pode ser a mesma na Praia da Macumba, guardadas as proporções - diz o professor.
Síndico do condomínio Villagio Aquafina, Piero Carbone acompanha as mudanças frequentes na paisagem da Macumba. O residencial, último na Estrada do Pontal, também sofreu as consequências do movimento das marés. Uma delas foi a interdição de um portão que dava acesso direto à praia, o que abalou a rotina e, em alguns casos, as finanças dos proprietários. No mês passado, contratos de aluguel foram cancelados, placas de venda acabaram retiradas (pela desistência temporária dos donos de tentar vender seus imóveis) e gente que estava prestes a se mudar para lá desistiu dos planos, conta Carbone.
- Normalmente, desmorona alguma coisa no comecinho da praia; esse é um movimento que todo ano acontece. Aí a prefeitura vem e conserta. Este ano, a ressaca entrou mais cedo e persistiu por mais tempo, retirando mais areia da frente dos condomínios o que acabou deixando a base da mureta de proteção do nosso terreno exposta. Como o mar continuou avançando, nós nos desesperamos - conta Carbone, que se dividia entre acalmar os vizinhos e buscar soluções junto aos órgãos competentes. - O portão está interditado desde outubro, porque fica à beira do mar. Muitas pessoas estavam assustadas, só no mês passado cinco famílias foram embora. A procura está menor, e o preço dos apartamentos caiu.
Segundo o secretário de Conservação e Meio Ambiente, Jorge Felippe Neto, apesar de o prazo para a conclusão das obras emergenciais ser de 120 dias, a prefeitura espera terminar em 90 dias. A liberação da pista da Estrada do Pontal para veículos está prevista para este mês, após o término do reforço, com enroncamento sintético e estaqueamento.
Embora não haja previsão para o início do projeto que deve acabar definitivamente com os desmoronamentos, o secretário afirma que as medidas tomadas nesta fase servirão para as etapas futuras.
- O professor Rosman nos deu uma perspectiva, e estamos estudando. Há desde possibilidades como um recife artificial até quebra-mar com guia-corrente e engorda da areia. O interesse da secretaria é fazer a obra o mais rápido possível, mas tem a questão orçamentária - diz Neto, afirmando acompanhar as variações no local. - Faremos um monitoramento constante para que a situação não se agrave, caso haja alguma intempérie.
Roseni Carvalho Gomes, proprietária de um apartamento no condomínio Golden Beach, diz que está de olho no trabalho.
- Estou com medo de pararem a obra emergencial por algum motivo. Não quero beleza; quero segurança. Se for preciso acabar com a ciclovia, que acabem. A luta vai continuar até fazerem a obra definitiva - afirma.
O professor Paulo Rosman alerta que, mesmo após o fim da obra, será preciso cuidar da manutenção da região.