Empresas investem em mecanização das obras para reduzir prazos e atrair novas gerações.
A industrialização tem chegado aos poucos aos canteiros de obra e começa a atrair construtoras que buscam maior produtividade e rapidez para entrega de seus lançamentos. Com a falta de mão de obra, sobretudo da nova geração, que já não está mais disposta a ficar debaixo de sol ou chuva em um trabalho considerado, muitas vezes, insalubre, a mecanização é a forma que a indústria tem encontrado para atrair trabalhadores qualificados para o setor, que foi o terceiro maior empregador em 2023, atrás de serviço e comércio.
Com 37 andares e 130 metros de altura, o edifício Skyline Tower, entregue no fim do ano passado, em Balneário Camboriú (SC), teve processos industrializados para dar mais agilidade à obra. O empreendimento não teve reboco feito à mão nas paredes internas e externas. Em seu lugar, foi usado o “drywall”, estrutura com camadas de gesso e papel acartonado, em todas as divisões dos apartamentos. O material também serviu para dar acabamento a outras paredes, no lugar do reboco, conta André Bigarella, diretor de engenharia da incorporadora FG.
A fachada foi revestida por um sistema não aderido, chamado de fachada ventilada. São peças que já chegam prontas para serem encaixadas - mais similar às “peles de vidro” que revestem edifícios de escritório, mas com porcelanato. A piscina também não foi feita na obra, já chegou pronta de fábrica.
Com isso, foi possível reduzir em 35% o número de trabalhadores no canteiro e encurtar o tempo de obra em 18 meses, diz Bigarella. Também houve 20% menos geração de resíduos. A empresa quer elevar esse patamar para 50% em outro prédio que está construindo na mesma cidade, o Boreal Tower.
Bigarella conta que a FG deve começar a usar banheiros pré-fabricados, montados fora da obra e encaixados à estrutura do prédio. “Não chegam 100% prontos, mas vamos reduzir diversas etapas construtivas”, diz. “A construção civil ficou bastante atrasada no Brasil, a industrialização é o caminho para quem precisa de produtividade”.
Na Tecverde, construtora especializada em estrutura de madeira (“wood frame”), cerca de 85% do trabalho é feito na fábrica, em Araucária (PR). Isso diminui a rotatividade dos funcionários, conta Ronaldo Passeri, presidente da companhia. Também acelera o tempo de obra.
A Tecverde foi contratada pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) para construir 518 moradias em São Sebastião (SP) para os afetados pelas chuvas no início do ano passado. A empresa começou a fabricar partes das moradias em abril e iniciou a montagem, no canteiro, em junho. Em novembro, só faltavam os acabamentos.
A Tecverde afirma levar, em média, 17% do tempo de uma obra tradicional para terminar um projeto. As moradias - divididas em 30 prédios e 38 casas - serão entregues na próxima segunda-feira (dia 19).
Após essa experiência, a CDHU lançou um edital para contratar outras 15 mil moradias que usem “métodos construtivos mais rápidos e sustentáveis”.
A Tecverde afirma ser possível construir quatro vezes mais em uma fábrica, com a mesma quantidade de trabalhadores dos métodos tradicionais. Mesmo assim, entidades e empresas consultadas afirmam que ter mais processos fabris na construção civil não vai diminuir sua característica de ser geradora de empregos - programas que estimulam obras, como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida, também visam a criação de vagas.
A expectativa do setor é que a industrialização, vista como uma forma de aumentar a produtividade, mas pouco viável por ser mais cara, possa voltar a atrair mão de obra para o setor.
Hoje, há no país 2,6 milhões de pessoas empregadas na construção civil, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), alta de 6,6% sobre 2022. Foi o terceiro setor que mais empregou no ano passado, atrás de serviços e comércio. Mas não tem sido fácil encontrar trabalhadores, que estão mais caros e com rotatividade alta, relatam empresários.
“Tem muita coisa lançada, muito projeto na rua, você acaba concorrendo com todo mundo”, diz João Antônio Mattei, diretor-geral da BN Engenharia, que faz obras para habitação e infraestrutura.
Essa competição vem aparecendo na inflação do preço da mão de obra, que subiu 6,24% nos últimos 12 meses, segundo o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), feito pela FGV. É o dobro do aumento geral do índice, que reúne indicadores sobre mão de obra e materiais, equipamentos e serviços.
Construtoras afirmam que têm lutado para conseguir atrair as novas gerações, enquanto seus trabalhadores envelhecem. “Tenho mestre [de obras] com 70 anos, não tem reposição”, afirma Mattei. “Temos carpinteiro ganhando R$ 14 mil, mas o filho dele não quer ser carpinteiro”.
O salário médio no setor é de R$ 2.230, de acordo com o Caged. Uma posição inicial no ramo, de servente de pedreiro, tem remuneração média de R$ 8,49 por hora, segundo o Boletim Econômico do Sinduscon-SP, de janeiro, um salário mínimo.
Para Yorki Estefan, presidente do Sinduscon-SP, sindicato dos construtores, o setor tem falhado em conseguir se mostrar atrativa aos mais novos, embora já haja tecnologia sendo usada nos canteiros. Um dos problemas é o ambiente das obras, ainda “agressivo”. É preciso industrializar mais os processos, afirma, para mudar essa realidade.
A construção civil ficou bastante atrasada no Brasil, a industrialização é o caminho para a produtividade” — André Bigarella
Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), concorda. “O setor, da maneira como atua hoje, com processo artesanal e muitas etapas debaixo de sol e chuva, tem pouca atratividade para os jovens”.
Além de atrair quem não sonha em trabalhar em canteiro, a industrialização traz outros benefícios.
Já há processos aplicados em larga escala no mercado, como kits para instalações hidráulicas, elétricas e para portas. São usados principalmente no segmento econômico, que tem margens apertadas e sempre busca redução de custo. “Antes, para colocar porta precisava do marceneiro, depois alguém para colocar a fechadura, outro para pintar. Hoje ela vem montada e pintada”, diz Estefan.
Correia, da Cbic, também cita como viáveis o uso de pistolas para pintura, máquinas que aplicam reboco, maior disseminação de paredes de concreto e do uso de “wood frame” e de estruturas feitas em aço (“steel frame”).
Para Correia, dois fatores impediam o avanço da industrialização das obras: a mão de obra abundante e barata, que desincentivava investimentos em melhoria de produtividade, e a maior tributação para o que fosse feito fora do canteiro.
“Para fazer no canteiro uma estrutura moldada de concreto, é um valor. Se moldar do outro lado da rua e transportar, paga como produto industrializado, não tem cabimento”, reforça Estefan.
Ambos podem estar com os dias contados. A oferta de trabalhadores não é mais tão abundante e a tendência é de piora, seja pela atratividade do setor, seja pela própria pirâmide etária da população. Já a questão dos impostos pode ser resolvida na reforma tributária, afirmam os presidentes das entidades.
Correia explica que a tributação atual sobre a obra industrializada é cumulativa. “Com a reforma, o imposto que você paga no início da cadeia pode ser abatido nas fases subsequentes”, diz.
Para Rodrigo Navarro, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), haverá equalização entre a tributação para obras industrializadas e tradicionais. “Uma era encarada como serviço, tinha ISS, e a outra como indústria, com ICMS e IPI. Com isso, você tolhia a inovação”.
Passeri, da Tecverde, diz que ainda é cedo para afirmar que a construção industrializada será beneficiada, mas o prospecto é positivo. Ele participou de aquisições de empresas de “wood frame” na Europa e no Reino Unido. “Nos países com sistema tributário similar ao que tentamos implementar aqui, a industrialização ganha competitividade”.
Para Estefan, há demanda suficiente por obras para haver mais canteiros, com menos trabalhadores em cada um. “Mesmo com a taxa de juros ainda alta, temos acrescentado postos de trabalho a cada ano. Se o país tiver normalidade econômica e juros compatíveis com investimento, teremos que colocar muito mais gente nos canteiros”. O déficit habitacional calculado pela Fundação João Pinheiro é de 6 milhões de casas.
Valor Econômico, 05/jun