sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Os Jogos e a economia criativa


O legado da Rio 2016 certamente será objeto de muitos estudos e textos de especialistas, sob diversos pontos de vista: da economia, da cidadania, da mobilidade, do urbanismo, entre outros. Mas há uma conquista que se evidencia na maneira com que os moradores ocuparam a cidade, com a revitalização do Centro e da Zona Portuária: o Rio se reencontra com a sua história, com a sua cultura e com o jeito de ser carioca. E é muito importante entender o significado deste resgate na hora de construir um projeto para o Rio depois da Olimpíada. A cultura é um valor econômico.

Já há algum tempo, a ONU entende que as novas tecnologias e a organização da sociedade do conhecimento em rede geram oportunidades para atividades derivadas da cultura, como produção audiovisual, música, artes, gastronomia, moda, design, games e softwares. É a chamada economia criativa, baseada na inovação e na criação de valor, tendo cultura e criatividade como matéria-prima. O setor, segundo a Firjan, já representa 2,6 % do PIB nacional e gera empregos num ritmo acima da média da economia tradicional.

Nesse sentido, as obras na região nos deram muito mais que a Orla Conde, o VLT , o Boulervard Olímpico e museus. Reviraram pedras e entulhos que escondiam uma parte importante da formação do Rio. Resgataram elementos culturais que podem trazer mais valor para a cidade. Não são apenas marcos históricos, monumentos recuperados. Mas a expressão da nossa cultura, das nossas origens. Talvez por isso tenham sido tão rapidamente incorporados à vida da cidade. O samba voltou com força à Pedra do Sal, a feijoada é celebrada nos bares da região, o lugar ganhou cores da África.

Por que parece tão importante destacar estas manifestações, entre tantas atrações que a cidade oferece? O Rio se tornou uma cidade internacional e muitas de suas características foram sendo desfiguradas por uma estética e costumes padronizados. Sumiram muitos restaurantes portugueses, edifícios espelhados ocuparam o lugar de prédios históricos, e a música internacional dominou muitas de nossas casas de espetáculos. Nada contra. Mas os turistas, nestes tempos de mundo globalizado, visitam cidades em busca de conexões vivas com a arte, a música, a gastronomia, a história do lugar. Desejam trocar experiências reais com o povo e a cultura da cidade.

Neste ponto, é importante ressaltar que a cultura ajuda o turismo, e o turismo é um forte indutor para o crescimento da economia do Rio. O turismo vai além dos nossos cartões postais: Corcovado, Pão de Açúcar, praias lindas e Maracanã. A cidade apresenta a opção de um turismo mais qualificado, de maior permanência e envolvimento, o turismo de convivência. E isto nem toda cidade pode oferecer: a roda de samba, a celebração do pôr do sol no Arpoador, a dança do passinho, a comida de botequim, o altinho na praia. Esse cardápio da diversidade cultural foi ampliado com a redescoberta da área portuária. E crescerá com a requalificação de espaços urbanos e a recuperação de prédios públicos históricos.

Na sociedade em rede, em que se estabelecem novas conexões na forma de abordar questões antigas, o Rio se apresenta como lugar propício ao desenvolvimento desta nova economia, que se vale da cultura e do conhecimento para conectar o local com o global. Para transformar cultura em valor. Bairros recriados, VLT ligando passado e futuro, coletivos, escritórios compartilhados, hostels, ciclovias, eventos financiados por crowdfunding... Sem dúvida, a economia criativa é um caminho para o novo Rio, que renasceu com a Olimpíada. Um Rio melhor. Aqui e agora.



O Globo, Sandra Saches, 16/set