quarta-feira, 14 de março de 2018

A violência pesa na conta


O consumidor do Rio de Janeiro terá de lidar com aumentos na conta de luz bem acima da inflação a partir de amanhã. Por determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os clientes da Light irão arcar com um reajuste médio de 9,09% nas tarifas residenciais. O reajuste para os consumidores residenciais da Enel Rio (antiga Ampla) será ainda maior, de 21,46%. Ambos estão muito acima da inflação de 2017, que foi de 2,95%. Falta de chuvas no ano passado e aumento de encargos sociais contribuíram para o aumento. A crise na segurança pública no estado também foi levada em conta pelo órgão ao definir os percentuais de alta, principalmente no caso da Enel.

Para compor a nova tarifa da Enel, que atende a 66 municípios fluminenses, a agência reguladora deu mais peso para o problema da segurança pública. A Aneel levou em consideração riscos que a empresa enfrenta em áreas conflagradas e onde há furto de energia. Como os técnicos não conseguem entrar nesses lugares, a empresa fica impossibilitada de fazer cortes e cobrar dívidas. Os custos da criminalidade foram citados pelas duas distribuidoras de energia do estado na reunião com a Aneel.

Na apresentação, as empresas argumentaram que a intervenção federal ajudará a mensurar o tempo que levam para restabelecer a luz em áreas dominadas por grupos armados. Dessa forma, a agência poderá ter uma noção melhor de como a violência prejudica os índices de qualidade das distribuidoras, como número e duração das interrupções. As companhias também mencionaram o alto volume de furtos de energia com "gatos".

- As empresas tentaram mostrar para a Aneel a complexidade do Rio para que o órgão regulador não puna a concessionária porque ela demorou a restabelecer a energia em áreas de risco - disse uma fonte que acompanhou as discussões.

NOVA METODOLOGIA PARA FURTOS E INADIMPLÊNCIA

O caso é tão grave que a autarquia decidiu rever sua metodologia de cálculo de perdas com furtos, inadimplência e indicadores de qualidade na hora de definir as tarifas. As mudanças vão valer a partir das revisões tarifárias de 2019.

No caso da Light, os gastos decorrentes dos problemas de segurança pública entraram no reajuste, mas com menor peso. A empresa tem um problema considerado crônico, que sempre é incorporado nas tarifas: o furto de energia na área de concessão da distribuidora corresponde a cerca de 40%, o equivalente ao consumo do Espírito Santo durante um ano. Segundo integrantes do governo, contudo, a empresa não apresentou números tão expressivos quanto os da Enel em relação à violência.

A conta da Enel subirá muito mais do que a da Light porque a Aneel decidiu aplicar um reajuste de 8 pontos percentuais no valor que precisa ser pago à distribuidora como forma de compensá-la pelos investimentos feitos em melhoria dos serviços nos últimos anos. Tudo isso fez com que a tarifa desse um salto. O repasse faz parte da revisão tarifária que ocorre a cada cinco anos. O da Light foi em 2017.

Além da segurança, a falta de chuvas e o aumento nos subsídios fizeram a conta de luz disparar. Neste ano, todo o país pagará mais de R$ 16 bilhões em encargos. O dinheiro é usado pelo governo para bancar programas como o Luz Para Todos, diminuir o valor das contas para famílias de baixa renda e comprar combustível para gerar energia em regiões isoladas do país (como na Amazônia). Isso representa cerca de 2,5 pontos percentuais nas altas das distribuidoras. Os encargos são garantidos em lei e, sozinha, a agência reguladora diz que não pode fazer nada para evitar as altas.

O resultado da falta de chuvas e a baixa histórica no nível dos reservatórios das hidrelétricas no ano passado também vão para as tarifas. Apesar de os consumidores terem pago um adicional nas contas por meio das bandeiras tarifárias, o montante não foi suficiente e deixou um passivo para 2018 superior a R$ 4 bilhões. Como o Brasil é muito dependente de usinas hidrelétricas, quando chove menos é preciso ligar usinas térmicas para garantir o suprimento. Além de mais poluentes, são mais caras.

- Cerca de 75% do preço das tarifas são encargos, custo da energia e tributos. O consumidor deve usar energia o mais racionalmente possível. Mas é importante resolver a questão do novo marco regulatório, que está em discussão no setor e no Congresso. O setor elétrico precisa mudar - avalia Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ.

Também impacta as faturas o repasse aos consumidores de custos com o pagamento de indenizações multibilionárias a empresas de transmissão de energia pela renovação antecipada de seus contratos de concessão em 2013, durante o governo Dilma Rousseff. As compensações às elétricas haviam sido prometidas pela União às empresas por investimentos feitos por elas e ainda não reembolsados. Essa conta vai perseguir os brasileiros por mais seis anos, pelo menos. Existe ainda o peso da carga tributária, uma vez que o ICMS no Rio é o maior do país para o setor de energia: 25%.

O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, demonstrou preocupação com os aumentos:

- Tem que haver uma discussão do nível da tarifa. O grande impacto é oriundo de encargos setoriais. Essa questão precisa ser debatida. A tarifa ultrapassa os índices que medem a inflação no período. E aqui é tarifa, porque, quando adiciona os tributos, o preço final pago aumenta. É um valor bastante significativo.

Para Lucas Rodrigues, analista de mercado da Safira Energia, os reajustes elevados mostram mesmo a necessidade de rever a metodologia. Segundo ele, sem um novo marco regulatório, as tarifas devem continuar a subir acima da inflação.

Em nota, a Light disse que teve um dos menores reajustes aprovados pela Aneel, em relação aos valores que estão sendo concedidos às grandes distribuidoras este ano e destacou que tem feito investimentos em sua rede. A Enel ressaltou que passa por revisão tarifária: "Outro fator que influenciou a revisão foi o investimento realizado pela Enel Distribuição Rio nos últimos cinco anos para melhorar a qualidade do serviço, principalmente, por meio da digitalização da rede, com a instalação de sistemas de automação controlados remotamente".

REAJUSTE DEVE FAZER INFLAÇÃO NO RIO SUBIR

A alta nas tarifas da Light e para os clientes da Enel (antiga Ampla) vai fazer a inflação no Rio subir 0,52 ponto percentual este ano. O impacto ficará concentrado entre março e abril, já que o reajuste começa a valer na próxima quinta-feira. Esse aumento pode fazer a inflação do Rio subir de 0,3% para 0,5% em março.

A energia pesa muito no orçamento doméstico, em comparação com o aluguel e a gasolina. Por isso, alta superior a 20% vai deixar as contas das famílias e empresas mais apertadas. Se for confirmada a recomendação da Aneel de aumentar a tarifa da Cemig, maior distribuidora do país, em 22,63%, a inflação nacional pode terminar o ano em 3,8%, ainda abaixo do centro da meta de inflação de 4,5%.

- Com a atividade retomando, pode haver algum repasse para os preços dos serviços. Estou prevendo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 3,6% este ano, que pode subir para 3,8% com essas altas - afirma André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Braz observa que esse será o segundo ano seguido de reajuste perto de 10% nas contas de luz, apesar de a inflação em 2017 ter ficado em 2,95% e de as projeções apontarem menos de 4% este ano. No ano passado, os fluminenses pagaram 12,04% a mais na conta de luz, acima dos 10,35% da média nacional. As previsões, antes de a Aneel começar a divulgar as revisões tarifárias, eram de alta média de 9%.

Segundo Maria Andrea Parente, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as revisões tarifárias surpreenderam, mas não há risco de o IPCA ultrapassar 4,5%:

- Os agentes vão testar até onde podem repassar para não assustar o consumidor, que está voltando. Ainda não é um cenário que se consegue repassar custos facilmente para o consumidor.



O Globo, Economia, 14/mar