terça-feira, 13 de março de 2018

Impacto negativo de R$ 46 bi


Além de não conseguir aprovar a reforma da Previdência este ano, o país ainda deve lidar com um efeito negativo adicional nos cofres públicos, como resultado da última alteração no regime de aposentadorias, realizada durante o governo de Dilma Rousseff. A mudança permitiu que trabalhadores do setor privado tivessem direito ao benefício integral ao completarem a fórmula 85/95 - que prevê a soma de idade e tempo de contribuição para mulheres e homens. Em dois anos, isso teve impacto negativo de R$ 2 bilhões, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados da Secretaria de Previdência aos quais O GLOBO teve acesso. Mas a previsão é de um efeito muito maior para as contas públicas. Nesse período de dois anos, 257 mil pessoas se aposentaram ao completar esses requisitos. Considerando que vão viver por cerca de 30 anos, o gasto projetado para o regime previdenciário será de R$ 46 bilhões.

A conta tende a aumentar já que, como o atual governo não conseguiu aprovar a reforma da Previdência, muita gente vai continuar a se aposentar pela norma vigente.

Até 2015, vigorava no país o chamado fator previdenciário - mecanismo que mordia entre 30% e 40% do valor da aposentadoria de quem se aposentava ainda jovem. No entanto, depois de perder uma queda de braço com o Congresso Nacional, o governo teve de flexibilizar essa regra e passou a permitir um benefício maior sem exigir dos segurados muito mais tempo na ativa.

Tudo começou com uma medida provisória (MP) editada por Dilma em dezembro de 2014, num dos primeiros atos de ajuste fiscal do segundo mandato, que buscava endurecer as regras para o pagamento de pensões. O governo, no entanto, levou uma rasteira dos parlamentares, que aproveitaram para incluir no texto mudanças no fator previdenciário, criando a fórmula 85/95. 

'FOI MAIS UMA CONTRARREFORMA', DIZ CAETANO

Para evitar um estrago maior para as contas públicas diante do potencial do fator previdenciário - que gerou uma economia de R$ 75 bilhões entre 2000 e 2014, a ex-presidente vetou o artigo e adotou uma fórmula móvel, começando por 85/ 95 até chegar em 90/100 em dez anos. A solução, contudo, anulou até mesmo a economia de R$ 300 milhões que havia sido gerada com a mudança nas pensões, que deixaram de ser vitalícias e passaram a ser condicionadas à idade da viúva ou do viúvo. A MP também previa redução no valor da pensão, mas o governo não conseguiu aprovar este item, e o benefício continua integral.

O impacto das últimas mudanças na Previdência foi calculado por pesquisadores do Ipea num texto que está prestes a ser publicado. Na visão dos autores, Rogerio Nagamine Costanzi, Alexandre Zioli Fernandes e Graziela Ansilieiro, o impacto da mudança no fator previdenciário surpreende e agrava o problema da sustentabilidade da Previdência.

- O impacto de longo prazo total vai crescer de forma expressiva enquanto a regra estiver vigente - disse Costanzi.

A reforma da Previdência enviada pelo presidente Michel Temer ao Congresso em dezembro de 2016 prevê o fim do fator previdenciário e da fórmula 85/95, com a fixação de idade mínima para aposentadoria. Mas, fragilizado politicamente e sem votos, o governo abandonou a ideia e passou a priorizar uma agenda de segurança pública, iniciada pela intervenção federal no Rio.

Segundo o secretário de Previdência, Marcelo Caetano, os dados revelam que é preciso cuidado em relação a mudanças na aposentadoria:

- Foi mais uma contrarreforma do que uma reforma. O impacto do fator 85/95 foi muito mais expressivo que a alteração na pensão por morte.

Para o secretário de Previdência, os números mostram, ainda, que os mecanismos criados para estimular as pessoas a permanecerem mais tempo na ativa não estão surtindo os efeitos esperados. Para ele, por isso, é preciso aprovar uma reforma ampla, que tenha como pilar idade mínima e maior igualdade entre os regimes dos setores público e privado.

Por isso, disse Caetano, embora seja possível acabar com o fator 85/95 por MP ou projeto de lei, fixando nova fórmula de cálculo do valor do benefício, o atual governo não pretende adotar esse plano. Mudanças nas aposentadorias dos servidores só podem ser feitas por meio de emendas constitucionais.



O Globo, Geralda Doca, 13/mar