quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Prefeitura quer flexibilizar regras para imóveis tombados


Em nova polêmica urbanística, a prefeitura quer mudar as regras de proteção a imóveis de interesse histórico ou cultural que fazem parte da memória de bairros da Zona Sul, da Grande Tijuca, da região do Centro, de Santa Cruze de Marechal Hermes. Se for aprovado por vereadores, um projeto de lei enviado à Câmara Municipal permitirá que os espaços internos dessas construções sejam reorganizados. Pela proposta, edificações tombadas (que, pela legislação atual, devem ter suas características originais preservadas) poderão ganhar microapartamentos, sem regras de área mínima.

Ainda de acordo com o projeto, os prédios de pé direito alto, inclusive aqueles preservados por uma lei que exige a manutenção de suas fachadas originais, poderão ter espaços internos reaproveitados para a construção de andares intermediários. A prefeitura também quer permitira transformação de porões e sótão sem moradias. Hoje, muitos desses imóveis fazem parte de Áreas de Preservação do Ambiente Cultural (Apacs).

Outro artigo do texto que será analisado por vereadores libera mudanças na estrutura de imóveis de boa parte do Rio, inclusive quase toda a Zona Sul (exceto São Conrado e Jardim Botânico). Uma casa que não é tombada poderia virar mais de uma residência. Ou seja, se houver espaço, o proprietário pode repartir a área edificada e ainda fazer construções no terreno. Apesar de essa medida favorecer um adensamento, a prefeitura não prevê, no texto, mais vagas de garagem. Se for aprovada, essa parte do projeto abre caminho para uma mudança de perfil de bairros onde casas ainda dominam a paisagem, como Urca e Grajaú.

INICIATIVA É CRITICADA

Listadas no Projeto de Lei Complementar 136/2019, que já começou a tramitar, as mudanças dividem opiniões, assim como as outras propostas da prefeitura que estão sob análise do Legislativo ou de órgãos do próprio município. A relação inclui a liberação de loteamentos em encostas até o limite da chamada Cota Cem (onde começam as áreas de preservação ambiental), o aumento de gabaritos em São Conrado e no Joá e novas permissões para apart-hotéis. Como nos demais casos, o mercado imobiliário carioca elogia a iniciativa; já urbanistas e associações de moradores a criticam.

- Ter regras menos rígidas para um reaproveitamento de imóveis tombados é uma coisa. Alguma flexibilização caberia, por exemplo, para ajudar na manutenção do casario do Centro, de Santa Teresa ou do Alto da Boa Vista. Outra coisa é propor uma espécie de lei do vale-tudo para edificações preservadas por lei e até para as que não são tombadas - disse o arquiteto Washington Fajardo, ex-presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, órgão da prefeitura voltado à preservação das características culturais e ambientais da cidade.

Ex-secretária municipal de Urbanismo, Andrea Redondo concordou com Fajardo, criticando a proposta de uma legislação única para todo o município:

- As regras relativas aos imóveis tombados devem ser estabelecidas bairro a bairro, de acordo com as peculiaridades de cada um.

Crítico das Apacs, por considerá-las um entrave para um melhor aproveitamento de antigos imóveis, o presidente da Associação Amigos do Leblon e Adjacências, Augusto Boisson, também reclamou do projeto. Uma de suas queixas é direcionada ao artigo que deixa em aberto a possibilidade de órgãos de preservação dispensarem a exigência de uma área mínima para apartamentos. Pelo Código de Obras do Rio, nenhum pode ter menos de 25 metros quadrados.

Na Zona Sul, pela legislação atual, são necessários 35 para a legalização de uma moradia.
- Permitir novos apartamentos sem uma área mínima cria o risco de prédios tombados serem transformados em cabeças de porco - afirmou Boisson.

O projeto ainda foi criticado pelo presidente da Associação de Moradores da Urca, Pedro Ferraz. Segundo ele, o bairro, que, em 1978, foi o primeiro do Rio a contar com regras urbanísticas baseadas em um perfil, não tem infraestrutura para ter mais moradores.

- A rede de esgotos é antiga, o fornecimento de água continua sendo irregular enfrentamos problemas de trânsito. Imagine o que acontecerá se a proposta for aprovada. Não dá para tratar a Urca da mesma maneira que Vicente de Carvalho ou Jacarepaguá, são realidades distintas - argumentou Ferraz.

APOIO DO MERCADO

Hoje, mudanças nas regras para imóveis tombados são avaliadas caso a caso pela Câmara Municipal. Isso aconteceu com um casario do Largo do Boticário, no Cosme Velho, uma área exclusivamente residencial. No ano passado, vereadores permitiram seu uso comercial para viabilizar a transformação do conjunto de edificações em um hotel, que ainda está em obras.

- A cidade é viva. A legislação precisa ser a mais flexível possível para permitir um melhor aproveitamento das construções, evitando, assim, sua degradação - disse o empresário Cláudio Castro, da Sérgio de Castro Imóveis.

Foi a empresa de Castro que negociou o casario do Largo do Boticário para uma rede hoteleira. Ele tenta compradores para outras edificações tombadas, como o Solar dos Abacaxis, também no Cosme Velho. Com valor de mercado de R$ 4 milhões, o imóvel está cedido até janeiro de 2020 a um grupo de artistas plásticos que sonha com a abertura de uma galeria de arte no local.

Vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Afonso Kuernz elogia o projeto da prefeitura:

- A iniciativa do município busca a revitalização de muitos imóveis abandonados. Bairros como o Alto da Boa Vista e o Joá têm vários casarões subutilizados, por conta da legislação atual.

Em nota, a Secretaria municipal de Urbanismo afirmou que não há risco de as mudanças propostas levarem à degradação dos imóveis e confirmou que a exigência de uma área mínima para novos apartamentos pode ser dispensada "em casos específicos, desde que não comprometa a segurança, a habitabilidade, a higiene e os critérios do órgão de tutela".

A secretaria acrescentou que avalia a possibilidade de discutir o projeto em audiências públicas. E, em relação à dispensa de novas vagas de garagem em imóveis da Zona Sul que podem passar por transformações, o órgão destacou que a região conta com abundante oferta de transportes públicos.



O Globo, Luiz Ernesto Magalhães, 13/nov