quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Cenário mais verde


Se há algo do qual o morador da Barra se ressente em relação à Olimpíada é a ausência de um verdadeiro legado ambiental, principalmente pelo abandono da tentativa de despoluição do complexo lagunar da Baixada de Jacarepaguá. Pelo menos, neste fim de ano algumas ações recuperam a expectativa de se ver a preservação da natureza da região. Um dos projetos mais aguardados nos últimos anos, o Corredor Verde na Alameda Sandra Alvim parece que, finalmente, sairá do papel. Há também os trabalhos no parque Fazenda da Restinga, atrás do Downtown, nos canteiros da orla do Recreio, na Avenida Salvador Allende e no cercamento do condomínio Barra Bonita.

Atualmente, a Alameda Sandra Alvim é um espaço abandonado do Recreio. No lugar de uma via, há uma porção de gramado sem conservação entrecortada pelas ruas Desembargador Paulo Alonso, Almirante Ary Rongel e São Francisco de Assis, entre as avenidas das Américas e a Genaro de Carvalho, na altura do Parque Natural Chico Mendes. Moradores relatam o clima de insegurança e assaltos na área.

Com o Corredor Verde, a Secretaria municipal de Meio Ambiente (Smac) tentará inibir o processo de degradação dos ecossistemas da região e valorizar a memória de restinga do espaço. O objetivo final é ligar unidades de conservação, como o Parque Chico Mendes, o Parque de Marapendi e o Parque da Prainha, com vias verdes em meio à malha urbana.

Entre as medidas previstas para a alameda estão o cercamento do Canal das Taxas com moirões de eucalipto ou alambrados; o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica, como restinga e manguezal; o controle da expansão de espécies exóticas invasoras, como a leucena; o cercamento de ruas com limite no canal e lotes públicos ameaçados por lixões e aterros irregulares; as campanhas educativas de conscientização ambiental da área e a criação de totens para pouso de espécies polinizadoras, em especial aves.

Segundo Elaine Barbosa, coordenadora de Áreas Verdes da Smac, a proposta promove o "essencial": estímulo à integração com o meio ambiente e preservação da natureza.

- A alameda é uma área de potencial ambiental e interliga unidades de conservação e demais fragmentos florestais nativos, sobreviventes na malha urbana, a fim de preservar as espécies de fauna e flora e reverter o processo de degradação do ecossistema local - diz.

Do que previa o projeto, foram iniciadas a distribuição de folhetos pela região e a capina das áreas onde serão feitas calçadas para melhorar a acessibilidade. Não há previsão para conclusão. O biólogo Marcelo Mello, que faz parte do comitê do conselho consultivo da Área de Proteção Ambiental (APA) Marapendi, defende a ideia. Ele diz que esse tipo de ação é importante para tentar frear a especulação imobiliária.

- É muito difícil implantar projetos assim, porque os interesses imobiliários estão ligados a interesses políticos. Muitas áreas verdes da cidade estão sendo ocupadas por prédios e avenidas, e acabam causando degradação ambiental. Com o corredor, a área seria preservada e reflorestada, permitindo a circulação de animais terrestres e trazendo equilíbrio ecológico. O objetivo é reduzir a fragmentação dos ecossistemas, acelerar a recuperação das áreas e propiciar o fluxo gênico, ou seja, a transferência genética da fauna e da flora - explica Mello, que cita o exemplo de aves que transportam pólen.

Alguns moradores, porém, são céticos. O designer Renan Slosaki diz que o Corredor Verde pode aumentar a criminalidade, dada a pouca iluminação. Há cerca de um ano, ele desenvolveu um projeto para a alameda, em que seriam construídas quadras poliesportivas, ciclovia e locais de convivência. Sua proposta, entretanto, não encontrou financiadores nem recebeu apoio do poder público, uma vez que o projeto da secretaria era mais antigo. 

- Os moradores não foram consultados. Falta transperência. Com o Corredor Verde, as atividades ilegais aumentariam consideravelmente, pois os bandidos gostam de andar pelas sombras e em locais com muitas árvores e pouca iluminação - afirma o designer, para quem as prioridades ambientais da região deveriam ser o combate ao despejo irregular de esgoto e ao descarte inadequado de lixo.

ARBORIZAÇÃO E REPLANTIO DE RESTINGA

Para o biólogo Marcelo Mello, o principal problema das ações ambientais na cidade é a falta de gestão e continuidade dos projetos. Num momento de transição de prefeitura, esse aspecto merece ainda mais atenção.

- Muitas vezes os projetos são lançados, mas não há continuidade. É comum faltar fiscalização e manutenção - diz Mello.

A vegetação da praia é um exemplo do que diz o biólogo. Há alguns anos, a prefeitura realizou o replantio de restinga da cidade, incluindo a orla do Recreio e da Barra. Nos últimos tempos, porém, os canteiros apresentavam sinais de depredação. Em muitos casos, as cercas eram derrubadas por barraqueiros, às vezes até por falta de conhecimento, para abertura de passagens e transporte de mercadorias.

Recentemente, a Secretaria de Meio Ambiente realizou o replantio em uma área de mil metros quadrados na Praia do Recreio. No local foram plantadas cinco mil mudas de 16 espécies nativas de restinga, com destaque para o guriri (Allagoptera arenaria), cacto raquetinha (Opuntia monacantha), feijão-da-praia (Canavalia rosea), perpétua (Blutaparon portulacoides), capotiraguá (Alternanthera littoralis), comandaíba (Sophora tomentosa), rabo-de-arara (Schwartzia brasiliensis), clúsia (Clusia fluminensis) e bromélias (Neoregelia cruenta e Bromelia antiacantha). Algumas mudas receberam estrutura de proteção contra o vento para facilitar o crescimento, e as novas cercas foram instaladas com aço inoxidável. Além da flora, o trabalho preserva a fauna da região. Espécies como lagartinho-branco-da-praia e borboleta-da-praia se beneficiam do projeto.

Marcelo Mello destaca também a importância do replantio para conter a erosão da areia e a invasão do mar no calçadão:

- Se houver uma grande ressaca, as áreas reflorestadas da orla, que formam um cordão verde arenoso, não permitirão que a onda chegue à rua. Elas promovem uma barreira natural.

Outros trabalhos iniciados recentemente pela prefeitura foram a arborização da Avenida Salvador Allende e o cercamento natural no condomínio Barra Bonita. No caso da Salvador Allende, a ação faz parte do projeto do BRT Transolímpica. A via foi duplicada e em seu canteiro central foram plantadas 1.544 árvores e replantadas outras 517. Moradores da região celebram o novo cenário do local.

- É uma ação importante, tanto visualmente, porque deixa o lugar mais bonito, quanto para a saúde, pelos benefícios de aumentar a área verde. Inclusive, no início fiquei com medo de não arborizarem o trecho ao lado do meu condomínio, o Minha Praia, porque começaram o trabalho no outro lado da Salvador Allende e pararam. Mas agora começaram a plantar aqui também - diz Thaísa Martins.

Alguns trabalhos começam a dar resultado. Outro projeto em curso da Smac, em parceria com o shopping Città America, é o Parque Fazenda da Restinga, apelidado de Terra das Borboletas. Nos mesmos moldes do Corredor Verde, o mote é a restauração do ecossistema degradado, com o resgate do ambiente natural original no espaço de 40 mil metros quadrados. 

O parque foi criado em 2000, com projeto do paisagista Fernando Chacel, por meio de medidas compensatórias, e até 2010 esteve sob responsabilidade do Città America, que o havia adotado. Depois desse período, o local se deteriorou, e a proliferação de árvores exóticas, em especial as leucenas, ameaçava as espécies nativas. Além do replantio das espécies originais, técnicos da secretaria estão recuperando as trilhas e uma torre de observação que fica no local. A ideia é que a área seja uma rota de passeio para moradores e turistas. Nos fundos do Città e do Downtown, o parque tem um deque com uma bela vista para a Lagoa da Tijuca.

Para Marcelo Mello, essas ações são um suspiro depois de um período de "devastação ambiental", como ele classifica as obras para a Olimpíada.

- Não teve legado ambiental nenhum. O que teve foi a destruição de várias áreas verdes e a remoção de muitas árvores. Espero que façam projetos de recuperação, porque isso proporciona o aumento da biodiversidade da área - diz ele.



O Globo-Barra, Lucas Altino, 29/dez