A crise vivida por estados e cidades em todo o Brasil passa longe do município do Rio. Uma avaliação do desempenho fiscal da prefeitura, feita pela Fundação Getulio Vargas, revela que a capital investiu, nos últimos oito anos, R$ 38 bilhões. Um fôlego que superou os investimentos feitos por todos os outros municípios e estados do país. A cidade, que sediou as Olimpíadas e a Copa, aplicou, no ano passado, 20% de sua receita corrente líquida em obras e na ampliação da rede de serviços, em especial na saúde. Além disso, reduziu gastos com pessoal e o peso da dívida pública. Em caixa, o prefeito Eduardo Paes deixa R$ 1,9 bilhão para quitar restos a pagar de R$ 1,7 bilhão. Um oásis em meio à precária situação de caixa que atinge o estado.
As contas no azul são atestadas por José Roberto Afonso, economista da FGV e coordenador do estudo:
- A situação do Rio é uma ilha de tranquilidade num mar revolto que são hoje as contas públicas. É excepcionalmente boa, porque atende a todos os limites e regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) - avalia Afonso.
O diferencial, de acordo com o estudo, foi obtido graças a uma gestão fiscal rígida e a busca de alternativas de receita. A opção por parcerias público-privadas (PPPs) - responsáveis pelo Porto Maravilha, VLT e Parque Olímpico - foi outra forma encontrada para realizar transformações urbanas profundas, sem depender de recursos próprios. Dos R$ 38 bilhões investidos, R$ 29,8 bilhões saíram do tesouro. O resto foi investimento privado.
De acordo com Paes, uma das razões para o município ter ficado imune à crise nacional foi o fato de ter aumentado sua arrecadação própria sem elevar impostos. Isso foi feito, por exemplo, com a venda de imóveis públicos, o recadastramento do IPTU e a renegociação de dívidas ativas. O prefeito diz que ter assumido seu primeiro mandato em 2009, quando o Brasil vivia os efeitos de uma crise mundial, o ajudou na tarefa de reduzir gastos.
- A crise é boa para cortar custos - afirma Paes. - O que aconteceu este ano foi uma queda na arrecadação de ICMS, ISS. A economia está em crise. A gente buscou alternativas para substituir essas receitas. Buscamos o tempo todo outros caminhos para a receita não cair.
Quando o prefeito assumiu o cargo, as despesas de pessoal correspondiam a 52% da receita corrente líquida do município. Em seu primeiro ano, essa relação caiu para 50% e depois para 43%. O percentual se manteve estável por três anos. Paes conta que, após os protestos para impedir o aumento da tarifa dos ônibus, em 2013, que acabou dando origem a reivindicações de servidores - como professores e garis - por melhores salários, a prefeitura teve de ceder às pressões, elevando os gastos com pessoal, hoje em 48% da receita. Ainda assim, abaixo dos 54% estabelecidos pela LRF.
SEM RISCO PARA OS SALÁRIOS
De acordo com Afonso, o esforço para aumentar sua arrecadação permitiu ao Rio não ficar tão dependente das transferências constitucionais. O economista destaca que, entre as receitas próprias, a de aplicações financeiras evidencia a bem-sucedida gestão financeira da cidade. De janeiro a agosto deste ano, elas renderam quase quatro vezes mais (2,4%) do que as da União, dos estados e dos municípios fluminenses e de São Paulo juntas (0,7%).
O estudo de 300 páginas - elaborado por uma equipe de 12 especialistas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre)/FGV, que investigou a fundo todas as contas da prefeitura - destaca que "a cidade promoveu um monumental esforço de investimento, sem precedentes na sua história recente e na de outros governos brasileiros. Em grande parte para a realização da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016." Afirma ainda que tal esforço não ameaçou o controle atual do endividamento, nem criou riscos preocupantes para o futuro.
- A prefeitura não tem o menor risco de não pagar salário, de não bancar custeio. Nós demos aumento aos servidores, pagamos o 13º, e no dia 2 de janeiro o salário de dezembro estará na conta - garante Paes.
Pelo estudo, o endividamento da prefeitura está bem abaixo dos limites legais. A dívida consolidada líquida, que, em 2008, representava 82% da receita corrente líquida, até outubro deste ano caíra para 51% (totaliza hoje R$ 10,7 bilhões). Essa relação é bem menor do que o teto de 120% fixado pela LRF.
Em relação aos empréstimos, as contas a serem pagas ao longo do governo Crivella já estão feitas. Em valores atuais, serão R$ 810 milhões em 2017, R$ 785 milhões em 2018, R$ 734 milhões no ano seguinte e R$ 676 milhões em 2020.
"O crescimento das despesas permanentes, de pessoal, custeio e com serviço da dívida foi suportado por rigoroso crescimento da receita própria, gerando a poupança necessária à sustentação de parte de investimentos necessários. O destaque foram projetos de mobilidade urbana", concluem os avaliadores.
Eles também destacam que a estratégia fiscal do Rio foi bem diferente da que predominou entre governos estaduais na primeira metade desta década: "A prefeitura gerou e acumulou poupança própria por anos e ainda tomou financiamentos bancários com taxas baixas e prazos muito longos, aplicando em investimentos".
PPPS FIRMADAS NO RIO
VLT: A implantação do sistema custou mais de R$ 1,1 bilhão, com recursos do PAC da Mobilidade (R$ 532 milhões) e de uma PPP (R$ 625 milhões). O contrato prevê um subsídio da prefeitura de cerca de R$ 5,9 milhões por mês (valores de 2012) pelo prazo de 22 anos e seis meses.
PARQUE OLÍMPICO: A iniciativa privada arcou com os custos da demolição do antigo autódromo e a urbanização da área para receber o Parque Olímpico. A contrapartida da prefeitura incluiu o repasse de parte de terrenos na área. A parceria foi estimada em R$ 1,3 bilhão.
PORTO MARAVILHA: Com R$ 8 bilhões em recursos privados, a parceria, que vai até 2026, permitiu tirar do papel um amplo plano de revitalização da Zona Portuária, que incluiu a reurbanização da região e a demolição do Elevado do Perimetral. Até o fim do contrato, a manutenção da área também fica com a iniciativa privada.