segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Regularizar imóveis em favelas ajuda a combater violência


O debate sobre como enfrentar a violência, intensificado neste início de ano marcado por crimes chocantes, trata do combate ao tráfico de armas, da vigilância das fronteiras e da legislação antidrogas. Mas há um aspecto que precisa ser enfatizado, se o objetivo é tomar medidas de efeito duradouro, em vez de apagar incêndios: o efetivo controle territorial das cidades pelo Estado.

A desordem urbana - associada a camelôs, trânsito confuso ou poluição visual - tem implicações muito graves na sociedade brasileira. É a expressão da ausência do Estado em grandes áreas, onde o vácuo de poder abriu espaço para que grupos criminosos controlem não só o comércio e o transporte, mas também os imóveis ou, na melhor das hipóteses, sejam entraves para sua legalização.

Dramático, porque a regulamentação da posse em favelas não só estende o domínio da lei a toda a cidade, como dá condição para que haja desenvolvimento. Com a propriedade garantida pelo Estado, ganha-se não apenas a moradia, mas a possibilidade de obter financiamento por meio de hipotecas. Abre-se a possibilidade de novos negócios, conforme destaca o economista peruano Hernando de Soto, que defende a ideia de que o título de propriedade é o primeiro passo para o progresso econômico. Um dono de imóvel pode tocar um restaurante, uma oficina ou um salão de beleza, empreendimentos já comuns em favelas.

Há desejo e hábito de empreender, mas, para prosperar, a iniciativa depende de o poder público fazer a sua parte. Tanto no reconhecimento da propriedade quanto para exercer efetivamente o monopólio da violência, um pilar do próprio conceito de Estado.

Nesse sentido, é bem-vinda a medida provisória 759, que tem o objetivo de regularizar a propriedade em favelas, que precisam mais do que ocupação policial para se integrarem efetivamente ao espaço urbano e à economia formal das cidades.

Novos negócios em comunidades geram emprego e renda, aumentando as possibilidades de se integrar ao mercado de trabalho formal. Nesse sentido, se contrapõem ao tráfico. Não porque a pobreza e o desemprego necessariamente criem bandidos, mas porque em ambiente onde não se transige com a desordem a possibilidade de o crime prosperar é menor. Lembre-se da política de tolerância zero, em Nova York, que reduziu homicídios e outros crimes graves ao combater com firmeza pequenos delitos e resolver problemas do cotidiano (alguns relacionados à desordem urbana).

Portanto, que as iniciativas para garantir direitos de moradores de favelas não se restrinjam às indiscutíveis áreas de saúde e educação - que discursos populistas não esquecem -, mas incluam a propriedade. Para que eles superem a exclusão sem paternalismo, e sim com desenvolvimento econômico.



O Globo, Editorial, 05/fev