A forte recessão econômica, com a volta do desemprego e a elevação dos juros, teve um efeito desastroso no crédito imobiliário. Em dois anos, o volume de empréstimos e financiamento concedidos para a construção e compra de imóveis com recursos da poupança registrou uma queda acumulada de 83%. Mas, apesar das estatísticas negativas, a ligeira melhora na confiança do País nos últimos meses trouxe um pouco mais de ânimo para o setor - que espera leve reação a partir do segundo semestre.
Nos dois primeiros meses do ano, no entanto, o resultado não foi animador. Em janeiro e fevereiro, os valores financiados ficaram 7% abaixo dos registrados em igual período do ano passado e o número de unidades, 10%, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). "Em geral, o cenário é de otimismo, mas isso ainda não se refletiu, na economia real, em vendas maiores", afirmou o presidente da entidade, Gilberto Duarte de Abreu.
Essa também é a percepção da agência de classificação de risco Fitch Ratings, em relatório sobre as incorporadoras brasileiras. Para a agência, o setor deverá continuar pressionado pelas condições macroeconômicas instáveis, com o endividamento das famílias, desemprego e taxas de juros altas. "Os desembolsos de crédito imobiliário podem apresentar ligeira evolução em 2017 frente à fraca base de 2016. Iniciativas como a redução das taxas de juros e elevação do teto de financiamento com recursos do FGTS podem apoiar a lenta recuperação", diz a agência.
Pelo menos uma dessas sugestões deverá ser seguida pelo Banco Central (BC), que vem sinalizando aceleração no corte dos juros. Hoje a Selic está em 12,25% ao ano, mas a expectativa do mercado é a de que o Banco Central intensifique os cortes nos próximos meses para ajudar na retomada da economia. Para a reunião deste mês, por exemplo, já há quem aposte numa queda de 1 ponto porcentual, para 11,25% ao ano.
Outro aspecto positivo, afirma o presidente da Abecip, é que, ao contrário do que ocorreu nos últimos dois anos, hoje os bancos estão mais abertos à concessão de crédito para a compra da casa própria. "As instituições não estão mais tão exigentes como antes. Estão voltando ao nível pré-crise, pois estão olhando para um Brasil lá na frente", afirma Abreu. O problema é que, desta vez, quem não tem procurado crédito é o consumidor.
Exemplo disso é que no Bradesco a contratação de empréstimos nos três primeiros meses de 2017 ficou abaixo da previsão. O banco esperava conceder R$ 1,4 bilhão para os clientes pessoa física e só conseguiu R$ 1,2 bilhão; para as empresas a situação foi igual. A projeção era financiar R$ 700 milhões e liberou R$ 600 milhões.
"Ficamos decepcionados, mas mantemos a expectativa de emprestar R$ 11 bilhões para o setor neste ano - volume 5% superior ao de 2016 (cuja base é baixa", afirma o superintendente executivo de crédito imobiliário do Bradesco, Romero Albuquerque.
Para a Fitch, a retomada do crédito, mesmo com a melhora de algumas condicionantes, não é imediata. "Há um intervalo médio de seis meses entre a melhora na disponibilidade de crédito e o reflexo positivo na demanda por imóveis, o que limitará a recuperação de vendas em 2017", destaca a agência em seu relatório.
O superintendente de Negócios Imobiliários do Santander, Fabrízio Ianelli, corrobora essa tese. Ele destaca que, embora o cenário seja diferente do ocorrido em 2016, as mudanças na demanda não foram significativas nos primeiros meses deste ano. "Apesar de os bancos estarem menos exigentes, isso não se transformou em novas contratações", afirma o executivo. "Por outro lado, dá mais ânimo para o mercado."
Ele afirma que o aumento dos distratos ainda é um problema que influencia na concessão de crédito novo. Mas, na avaliação do executivo do Santander, a partir do ano que vem, quando começam as entregas de imóveis vendidos em 2015, esse indicador deve cair. "Isso porque quem comprou imóvel nesse período já estava ciente da situação do País."
Essa também é a previsão da Fitch Ratings. Neste ano, segundo a agência, os números continuarão sendo pressionados pelas entregas de imóveis vendidos antes da deterioração econômica, que soma algo em torno de R$ 17 bilhões.
O vice-presidente de Imobiliário do Sindicato da Construção (Sinduscon-SP), Odair Senra, diz que o setor está sendo muito afetado pelos distratos, pois fere os princípios do negócio. Mas ele acredita que a partir do segundo semestre as perspectivas tendem a melhorar.
"Trabalhamos com a expectativa de novos lançamentos no segundo semestre e a preparação das empresa para compra de terrenos. Quem tem projetos no Plano Diretor anterior vai lançar ou vai perder, pois os alvarás caducam", diz ele.
Ianelli, do Santander, diz que o banco está se preparando para esse movimento. "Acreditamos num novo ciclo de crescimento do segmento, mas não teremos aqueles rompantes que vimos no passado recente. Não haverá aquela pujança. Será um crescimento sem exageros."