segunda-feira, 10 de abril de 2017

Redução nos juros pode estimular apetite por imóveis


Na próxima quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, anuncia sua decisão sobre a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 12,25% ao ano. A expectativa do mercado é de um corte de um ponto percentual, com mais reduções ao longo do ano - o consenso entre os economistas é que a taxa encerrará 2017 em 8,75%. Isso significa que a renda fixa perderá atratividade, e o brasileiro que quiser rendimentos maiores para suas aplicações terá de correr riscos. As opções clássicas são aplicar em ações, abrir um negócio ou investir em imóveis, apostando na alta dos preços - movimento comum quando os juros básicos da economia caem.

O investimento em imóveis reflete o perfil conservador da grande maioria dos brasileiros. Afinal, a trajetória de queda da Selic deve pôr fim à era do rendimento acima de 1% mensal na renda fixa. Um título pós-fixado que acompanha a Selic, por exemplo, pagava mais de 1,1% ao mês quando os juros básicos eram de 14,25% ao ano, entre julho de 2015 e outubro de 2016. No patamar atual, de 12,25%, a rentabilidade mensal por um período de 12 meses já seria pouco abaixo de 1%. Com novas reduções da Selic, o 1% mensal ficará ainda mais distante.

- Baixar de 1% ao mês é quebrar uma barreira psicológica do brasileiro, que vai ter de assumir mais risco - prevê o economista e consultor Luiz Gustavo Medina. - Acabou a moleza de retorno sem risco.

Ele acredita que esse movimento de retorno para os imóveis deve resultar na elevação dos preços do setor já no início do ano que vem.

O servidor Rodolfo Marcílio Teixeira, de 40 anos, já é dono de um imóvel alugado e pretende comprar outro. Preocupado com a reforma da Previdência, ele quer garantir um complemento para sua renda no futuro.

- É uma forma alternativa de aposentadoria privada. Sou muito conservador para o mercado financeiro - admite Teixeira.

E é justamente o perfil conservador dos investidores brasileiros que está fazendo o setor imobiliário esperar um movimento maior a partir do fim deste ano. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, lembra ainda que os juros menores favorecem o financiamento da casa própria.

Além disso, com a queda do rendimento da renda fixa, pode haver uma migração para a caderneta de poupança, cujos recursos são usados pelos bancos para o financiamento habitacional. Ou seja, a partir do segundo semestre, deve sobrar recursos para esse tipo de crédito.

MERCADO IMOBILIÁRIO COM DESCONTOS MENORES

No entanto, em análise recente sobre o mercado imobiliário, o banco americano JPMorgan avalia que o ainda elevado estoque de imóveis à venda na carteira das construtoras pode continuar segurando os preços. O banco destaca que, desde o início de 2015, as vendas de imóveis têm sido feitas com significativos descontos em relação ao preço original anunciado. No auge, os descontos chegaram a 9,2% entre junho e agosto de 2016. Em dezembro do ano passado, a média era de 8,7%.

"Além disso, 76% das vendas envolveram algum nível de desconto, também um número recorde em 2016. Na nossa opinião, os descontos devem se estabilizar em 2017, pois é esperada uma melhora da economia brasileira no segundo semestre. No entanto, o nível de estoques continua em torno de 24 a 36 meses (ou seja, as construtoras têm em carteira imóveis que levarão até três anos para vender), o que deve evitar uma significativa redução no nível de descontos."

O relatório mostra que, segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), havia em 2016 cerca de 122 mil unidades no estoque das construtoras, o equivalente a 40 meses de venda, considerando o ritmo médio de transações nos 12 meses anteriores. Em 2015, o estoque era de 14 meses.

Os preços dos imóveis caíram 10% em 2015 e 6% em 2016, já descontada a inflação. Mas, no fim do ano passado, em termos nominais, os preços já apresentavam estabilidade, segundo o levantamento FipeZap.

Martins, da Cbic, no entanto, argumenta que tem havido poucos lançamentos e que, mesmo se o mercado mantiver o baixo ritmo atual de vendas, faltarão unidades novas daqui a um ou dois anos. Com a falta de oferta e demanda em alta, o metro quadrado deverá ficar mais caro. - Não será aquele aumento de preços do boom anterior. E quem demorar um pouquinho não vai comprar o imóvel que quer - diz Martins, em uma mistura de previsão e torcida.

Além de imóveis, outra estratégia de maior risco para garantir um rendimento mais robusto é investir no próprio negócio. O publicitário Rodrigo Amorim juntou as duas ideias para lançar um aplicativo, que ele pretende transformar no Uber do mercado imobiliário. Amorim e seu sócio Flávio Freitas investiram R$ 500 mil do próprio bolso para criar o Rentiis, cuja proposta é unir proprietários e locatários, sem intermediários. Com a promessa de substituir o custo das imobiliárias de 18% para uma comissão de 2%, ele já conseguiu 400 imóveis cadastrados antes mesmo de lançar o produto.

- A crise financeira deixou explícita a oportunidade - garante o empresário.

NEGÓCIO PRÓPRIO: HORIZONTE NÃO É CONFORTÁVEL

Na visão de Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), ainda deve demorar para os empreendedores brasileiros terem coragem de investir em meio à crise, como Amorim.

- Isso é um processo. Não é a partir de agora que o brasileiro vai sair da renda fixa e vai empreender. Pode ir antes para a Bolsa de Valores, fundos imobiliários ou de agronegócios - frisa o economista. - Negócio próprio, neste momento, ainda não tem um horizonte muito confortável.

Outro mercado que costuma subir num cenário de juros baixos, a Bolsa acumula alta de 7,25% este ano, após avanço de 38,9% em 2016. Especialistas ressaltam, porém, que é preciso paciência para investir na Bolsa pois, devido à volatilidade, a aplicação só compensa a longo prazo.



O Globo, Gabriela Valente, 10/abr