segunda-feira, 16 de julho de 2018

Segurança não tem idade


Só quem tem na família um idoso que sofreu fratura após cair dentro de casa sabe o problema que isso é. Além da dor e, muitas vezes, da internação hospitalar, a recuperação costuma ser lenta e sofrida para o morador - que ainda precisa lidar com o constante medo de cair novamente.

Por isso, casas onde residem idosos requerem algumas adaptações específicas, que são fundamentais não apenas para a segurança, mas também para o conforto.

As mudanças não precisam ser necessariamente complexas ou caras. Evitar degraus e não ter tapetes ou móveis baixos com quinas pontiagudas são alguns deles.

Se puder acrescentar também recursos como barras de apoio no banheiro, ao lado do vaso sanitário e no chuveiro, e sensores de luz no caminho do quarto para o banheiro, melhor ainda. Já se for construir uma nova casa ou fazer uma grande reforma, é bom pensar a longo prazo.

- Quem já passou dos 50 anos e quer trocar de casa já deve procurar um imóvel preferencialmente sem escadas. A prevenção é o melhor a ser feito. O morador nunca acha que vai acontecer com ele, mas depois da queda é muito pior - alerta o professor de geriatria da faculdade da Medicina da USP Alexandre Leopold Busse. Além destas soluções, ele destaca a necessidade de uma iluminação adequada, principalmente no quarto e no caminho para o banheiro:

- O interruptor deve estar acessível e é bom ter um abajur perto da cama. Outro recurso relevante é ter uma luz de emergência, caso ocorra um blecaute no condomínio. Já tive pacientes que sofreram queda nessa situação.

NINGUÉM ASSUME A IDADE

Segundo a arquiteta Cristina Bezamat, apesar de os cuidados serem simples, alguns moradores idosos se irritam com a sugestão de instalar certos itens, pois ainda não se julgam com dificuldades ou limitações. Aí, acabam fazendo as adaptações somente após algum acidente.

- O importante é que o idoso se sinta confortável e adaptado sem se sentir tolhido. Ao reformar uma casa para uma pessoa idosa devemos ter em mente a dificuldade no seu deslocamento, a eventual perda de equilíbrio e a fragilidade. Temos que criar circulações mais largas para o uso de cadeiras de rodas e retirar todos os tapetes. Além disso, as maçanetas ou puxadores não podem ser pontudos - diz Cristina.

Assim como o professor e a arquiteta, o engenheiro civil e designer de interiores Luciano Costa também chama a atenção para a prevenção simples, ainda que o morador se ache distante da "melhor idade".

Ele, que reforma instituições de caridade em Belo Horizonte (sendo uma dessas um lar para idosas), reforça que a circulação é muito importante no envelhecer e quanto menos objetos de decoração pela casa, mais seguro o idoso fica.

A arquiteta Luciana Machado ressalta, ainda, que para facilitar a circulação de um morador de idade mais avançada, o ideal é que a largura das portas seja superior a 70 centímetros, pois deve-se considerar a necessidade da cadeira de rodas futuramente.

Na reforma de uma casa que a arquiteta está fazendo agora para um morador com mais de 70 anos, algumas medidas estão sendo tomadas. Serão aplicados um piso antiderrapante e corrimãos nos dois lados da escada.

- Neste projeto, as escadas fazem parte da estrutura e não era possível tirá-las. Então as fiz mais baixas e com as quinas arredondadas. E no banheiro haverá barras e o vaso sanitário será mais alto, para diminuir o esforço do morador ao se sentar e levantar - explica Luciana.

A arquiteta Lucilla Pessoa de Queiroz acrescenta que é sempre preciso ter em mente um piso mais uniforme, sem desníveis, para uma melhor circulação. Em um de seus projetos para atender uma casa com idoso, ela pôs barras de apoio e piso especial na área do chuveiro, além de uma cadeira plástica retrátil caso ele precise se sentar para tomar banho.

- As adaptações podem ser simples, rápidas e baratas. A grande questão numa adaptação é que, para o formato ideal de acessibilidade, demandase bastante espaço livre. Por isso, não é simples fazê-lo em qualquer imóvel. É preciso fazer um bom estudo para pôr em pratica uma residência acessível. O arquiteto Thoni Litsz ressalta que, em casas com idosos, é melhor deixar os acessos livres e sem muitos móveis. - Além disso, o vaso sanitário deve ser totalmente desobstruído para dar acesso à cadeira de rodas ao lado e, ao mesmo tempo, não

pode ter armário embaixo da pia, para facilitar as manobras da cadeira dentro do banheiro - diz.

FACILIDADES FORA DE CASA

A adaptação das áreas sociais é outro entrave para a segurança e o conforto dos idosos nos imóveis. Para o professor Alexandre Busse, os cuidados com a segurança de idosos dentro de casa avançou nos últimos anos, mas ainda está muito aquém do ideal.

- Existem campanhas e há vários profissionais especializados orientando idosos sobre esses cuidados e sobre as consequências das quedas, assim como adultos presenciando estas situações.

As adaptações para garantir o conforto e a segurança dos idosos em suas casas, porém, tem outro entrave. Apesar de a lei garantir acessibilidade para todos, muitos vizinhos não querem instalar rampas de acesso, seja pelos custos, pelo transtorno da obra ou por pura falta de empatia.

- Já vi este tipo de situação em alguns prédios onde tive que construir a rampa. Alguns acham um exagero instalar em todos os acessos, pois julgam suficiente uma rampa na entrada de serviço - conta a arquiteta Luciana Machado.

Luciano lembra que, por mais que os moradores do prédio não tenham nenhuma dificuldade de acesso, podem precisar disso na hora de receber um parente ou um amigo.

- Por isso a necessidade. E é lei, logo, tem que ser cumprida.

Além de ser lei e fruto do bom senso, vale lembrar: todos vão envelhecer e estarão sujeitos a precisar de facilidades para entrar em casa.

Aarquiteta Lucilla Pessoa de Queiroz explica que a Lei de Acessibilidade, em vigor desde 2004, determina que é obrigatória a acessibilidade em todas as partes de uso comum ou abertas ao público nas construções de uso privado multifamiliar. Nos edifícios antigos, é preciso fazer a adaptação - mesmo que seja difícil em alguns casos. Nos novos, o projeto já tem que ser feito respeitando a lei:

- O piso deve ser regular, firme e antiderrapante. Os portões devem ser mais largos e a inclinação das rampas precisa ter um ângulo de fácil acesso, pois se o espaço for curto, esta inclinação pode ficar inviável.

Ela esclarece que as condições de acessibilidade são regidas pela norma NBR 9050, onde estão todas as regras e dimensionamentos de rampas.

A arquiteta Cristina Bezamat acrescenta que outra dificuldade para os idosos são os entulhos deixados pelos moradores nas vias de acesso aos condomínios, tornando o caminho cheio de obstáculos para eles.

Por outro lado, ela afirma que os novos edifícios residenciais já têm espaços pensados para a mobilidade dos moradores em todas as fases da vida.

O diretor comercial da Jeronimo da Veiga, Maurício Santos, concorda com esta percepção. E conta que os projetos da construtora já são feitos exatamente desta forma.

- Entendemos que uma casa é um bem de longo prazo, por isso já prevemos as alterações. Entre as opções estão o alargamento das portas e dos corredores, a posição de pias e vasos no banheiro que permitam um giro de 360° em possível uso de cadeira de rodas e o nivelamento do box - afirma ele.



O Globo, Raphaela Ribas, 15/jul