Campos Neto participou de evento sobre a regulamentação de criptoativos. Ele disse discordar de modelo de regulação 'forte' e se mostrou preocupado com concentração do mercado.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse nesta sexta-feira (12) que a regulamentação do mercado de criptoativos não deve ser feita "com mão pesada".
Campos Neto disse discordar do formato de regulação mais rigoroso do mercado de criptoativos – modelo que vem sendo defendido por outros países. Para ele, a regulamentação de criptomoedas deve ter a transparência como objetivo e não levar em conta a possibilidade de o produto gerar perdas ao investidor.
Os criptoativos são bens virtuais, protegidos por criptografia, com registros exclusivamente digitais — ou seja, não são ativos físicos. As operações podem ser feitas entre pessoas físicas ou empresas, sem a necessidade de passar por uma instituição financeira.
Entre os criptoativos, estão, por exemplo, as criptomoedas, como o Bitcoin. A categoria também envolve outros produtos, como tokens (contratos que representam a custódia de algum ativo) e stabelcoins (moedas vinculadas a outros ativos, como o dólar por exemplo), entre outros.
"Somos um pouco dissidentes. Boa parte dos banqueiros centrais pensam em regular com mão pesada. Eu entendo, mas não concordo. Acho que esse talvez seja um erro. A gente não deveria deixar para trás os avanços tecnológicos, que estão vindo junto", declarou, em evento transmitido pela internet.
Campos Neto, do BC, citou o argumento dos defensores de uma regulação mais forte de que esse mercado teria virado um "cassino", ou que pessoas teriam perdido muito dinheiro com criptoativos nos últimos anos. Ele observou que as empresas de tecnologia também registraram perdas semelhantes.
"A gente quer ter certeza que as pessoas saibam o que estão comprando. A tarefa do regulador é da transparência, e não deveria entrar no campo 'se o produto é bom ou não'. As pessoas, diante da informação, é que têm de tomar a decisão. Tem de ter transparência como são criados, negociados, e na forma como são transacionados. É o caminho onde a gente quer ir", declarou.
No Brasil, o Senado aprovou em abril um projeto que regulamenta operações com moedas virtuais no Brasil. Para ter validade, porém, ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados.
O texto diz que, para atuar no país, as empresas que prestam serviços usando ativos virtuais terão de obter autorização do governo e coibir práticas como a lavagem de dinheiro.
Pela proposta, um órgão será escolhido pelo Executivo para fiscalizar o funcionamento dessas prestadoras e disciplinar quais tipos de moedas serão reguladas.
Campos Neto se mostrou preocupado com a concentração do mercado de criptoativos. Segundo ele, 80% dos valores são custodiados (mantidos) por quatro empresas, em servidores centralizados – sujeitos a invasões.
Ele também informou que 20% a 30% das transações são realizadas por duas plataformas. "Esse é um ponto que regulador deve se preocupar, ao invés de ficar pensando se as pessoas perderam dinheiro", declarou.
Segundo dados do BC, a importação de criptoativos disparou nos últimos anos e bateu recorde histórico no ano passado, ao somar US$ 6 bilhões. Em 2021, um quinto da população (22%) utilizou criptomoedas ativamente por meio de investimentos próprios ou por transações comerciais.
Evoluções tecnológicas
Em evento transmitido pela internet, o presidente do BC também falou sobre as inovações tecnológicas no sistema financeiro.
Ele disse acreditar que, no futuro, um único aplicativo reunirá as informações bancárias que hoje estão dispersas por várias instituições financeiras sobre depósitos, crédito e investimentos dos clientes.
"Em algum momento, a pessoa vai pegar seu celular, abrir, e vai ter um integrador [de produtos financeiros de vários bancos]. Ninguém vai ter cinco aplicativos de bancos. Esse integrador vai montar toda sua vida financeira virtual [criptoativos] e física em um mesmo lugar", afirmou.
Campos Neto explicou que esse aplicativo unificado, em conjunto com a evolução do PIX, sistema do BC que permite a transferência de recursos em tempo real 24 horas por dia, poderá, futuramente, eliminar a necessidade de se ter cartão de crédito. "Eu acredito que [o cartão de crédito] vai deixar de existir em algum momento", acrescentou.
Segundo o presidente do BC, algumas instituições financeiras já estão começando a usar o PIX para operações de crédito. Nesse caso, os recursos são sacados da conta corrente no momento autorizado pelo cliente, até mesmo com parcelamento, mas o valor autorizado está ligado ao limite do cartão.
Alexandro Martello, G1, 12/ago