sexta-feira, 17 de março de 2023

Após quebra de dois bancos, First Republic recebe socorro de credores nos EUA; entenda o caso

Economistas ouvidos pelo g1 indicam que problema não é sistêmico e destacam que exposição dos bancos às altas taxas de juros potencializou quebra do Silicon Valley Bank, o que contaminou outras instituições.

Mais um banco norte-americano enfrenta problemas de liquidez em meio à crise de confiança que atinge o setor desde a última semana. O First Republic Bank, um banco médio da Califórnia, sentiu fortemente os impactos do mercado e viu suas ações derreterem nos últimos dias, o que ligou o sinal de alerta.

Os riscos de quebra e a possível contaminação do sistema bancário fez os principais credores dos Estados Unidos se movimentarem e, após negociações, anunciarem um depósito de US$ 30 bilhões em reforço às finanças da instituição. O grupo conta com 11 grandes bancos, incluindo o JPMorgan Chase & Co, Morgan Stanley e Goldman Sachs.


A crise do First Republic se intensificou no último fim de semana, com a retirada em massa de recursos por seus clientes após as notícias de quebra do Silicon Valley Bank (SVB), na sexta-feira (10) e do Signature Bank, no domingo (12).

Dois bancos falidos e um pedindo socorro: o que está acontecendo com o sistema bancário norte-americano?

Para especialistas ouvidos pelo g1 os indícios não são de um problema sistemático ou estrutural, mas de uma "contaminação" temporária após a quebra do SVB, que faliu diante de uma estratégia equivocada de manter exposição à alta taxa de juros norte-americana. (veja mais abaixo a ordem dos fatos)

Para André Galhardo, economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, a crise é "conjuntural", e foi puxada justamente pela quebra do Silicon Valley Bank.

Os problemas do Silicon Valley Bank têm origem, entre outros fatores, no aumento da taxa de juros dos EUA – atualmente na faixa de 4,5% a 4,75% ao ano –, que fez o valor dos títulos do governo americano cair. A situação afetou diretamente o SVB, em uma sequência de fatos:

Com a alta de juros, clientes do SVB, que são majoritariamente startups e empresas de tecnologia, perderam financiamento com a migração de investidores de aplicações de risco para títulos mais seguros;

- Os clientes, então, recorreram a reservas no SVB para se financiar;

- A instituição tinha um grande volume de dinheiro investido em títulos do governo, com previsão de resgate no longo prazo, e que desvalorizaram no mercado também pela subida de juros;

- Para recompor o caixa, o banco teve que resgatar antecipadamente esses recursos, acumulando perdas;

- Um pedido de financiamento por parte do banco gerou pânico no mercado;

- Consequentemente, clientes fizeram resgates em massa, o que quebrou a instituição.

Galhardo explica que a quebra do SVB contaminou o mercado com receios de que episódios parecidos se repitam. "O temor de que essa onda de falência quebre mais instituições acaba criando uma corrida aos bancos. Então, eles estão expostos ao que chamamos de 'efeito manada'."

Secretária do Tesouro tenta acalmar os ânimos no Senado

O sistema financeiro norte-americano foi abordado pela secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, durante reunião do Comitê de Finanças do Senado, nesta quinta-feira (16).

Em seu discurso, ela defendeu a solidez do sistema bancário, no mesmo momento em que uma outra crise ameaçou também a Europa, com o caso Credit Suisse, que viu suas ações despencarem na quarta-feira (15) por uma crise de financiamento.

Yellen disse assegurar que o sistema bancário do país "continua sólido e que os americanos podem ter a certeza de que o dinheiro que depositaram estará disponível quando precisarem".

Características da crise

O economista-chefe da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo, também acredita que a crise de mais um banco norte-americano, caso do First Republic Bank, preocupa, mas não de forma sistêmica.

Ele reforça que as instituições em questão são bancos pequenos, e os impactos podem ser minimizados com a ajuda de grandes credores.

Sobre a atuação dos bancos menores, Alexandre também explica que, normalmente, essas instituições têm papéis de longo prazo na carteira, como o caso do SVB. São ativos menos líquidos e, supostamente, mais seguros.

"Além disso, esses bancos às vezes têm exclusividade com empresas de tamanho médio ou que operam criptoativos, que bancos grandes não costumam aceitar", alertou, reforçando a atuação de maior risco.

Para Enzo Pacheco, analista da Empiricus Research, houve um mau gerenciamento de ativos e passivos no caso do SVB em relação aos investimentos de longo prazo.

"O saldo de depósitos do SVB quadruplicou entre 2018 e 2022: saiu da casa dos US$ 60 bilhões e chegou a bater quase US$ 200 bilhões ao final do primeiro trimestre de 2022. Ele pegou esses recursos e alocou em investimentos seguros, mas de prazo estendido", diz.

Há divergências

O economista André Roncaglia, por outro lado, considera estrutural a crise bancária nos EUA, consequência de um sistema que se desenvolveu principalmente após a crise do subprime, em 2008.

Para o economista, a bolha imobiliária que estourou com a crise de 2008 foi substituída por uma "bolha de ativos".

"O banco central americano criou uma armadilha na política monetária, que depois de mais de uma década não consegue elevar muito a taxa de juros. Em um contexto específico como esse, em que a gente tem uma inflação elevada, com nível de endividamento alto de governos e do setor privado, se ele eleva a taxa de juros para controlar a inflação, ele causa maior instabilidade financeira" explica.

Reflexos no Brasil

Apesar da pressão nos mercados, analistas consultados pelo g1 reforçam que a crise não deve respingar nos bancos brasileiros.

Para Jennie Li, estrategista de ações da XP, o colapso das instituições são acontecimentos particulares, que não terão impactos diretos por aqui. Ela cita, por exemplo, o caso do SVB, que já vinha sofrendo com a crise das startups (base de clientes do banco) e a má gestão dos ativos focados no longo prazo, problemas diferentes dos enfrentados pelo Credit Suisse ou pelas instituições americanas.

"A gente não vê uma relação direta com o mercado brasileiro, mas, obviamente, acabamos sendo afetados pelo maior sentimento de aversão ao risco, que acaba contagiando o mercado global", explica. "Nós, como mercado emergente, considerado de maior risco, acabamos sofrendo quando os investidores globais perdem o apetite por risco. Então, esse sentimento negativo impacta por aqui também."

Veja a ordem dos fatos:

Silicon Valley Bank

- Na última sexta-feira (10), o Silicon Valley Bank, banco norte-americano voltado para startups de tecnologia, foi tomado por reguladores bancários da Califórnia, que colocaram a instituição em recuperação judicial e liquidaram seus ativos.

- A decisão dos reguladores veio após o SVB Financial Group, que tem o Silicon Valley Bank como segmento operacional, anunciar um aumento de capital por meio de venda de ações no valor de US$ 1,75 bilhão, na quarta-feira da semana passada (8).

- Foi uma tentativa de driblar os efeitos da queda nos depósitos de startups em meio ao menor volume de financiamento disponível em venture capital — modalidade de investimento em que o dinheiro é aplicado em companhias em estágio inicial, esperando forte valorização no futuro.

Signature Bank

- No último domingo (12), os reguladores norte-americanos fecharam mais um banco, o Signature Bank, de Nova York — marcando a terceira maior falência da história dos Estados Unidos.

- O resultado foi explícito nas bolsas globais na segunda-feira (13), que recuaram mesmo após o Fed e o Tesouro dos EUA anunciarem uma série de medidas para estabilizar o sistema bancário do país: tanto os índices norte-americanos quanto os europeus fecharam o pregão em queda, mais uma vez puxados por ações do setor financeiro.

Credit Suisse

- Na quarta-feira (15), o banco suíço Credit Suisse viu suas ações despencarem mais de 20%. O tombo tem relação com uma crise de confiança de investidores e resultados ruins apresentados pela instituição, além do comunicado de seu principal acionista, o Saudi National Bank, da Arábia Saudita, de que não irá apoiar o banco com um aumento de sua participação no capital.

André Catto, g1, 17/mar