Exceções, como alíquotas menores ou isenções, créditos presumidos ou até mesmo devolução do imposto (o chamado 'cashback' para a população carente), podem gerar benefícios para alguns setores. Por outro lado, também podem elevar a alíquota total para além de 25%.
Setores que representam cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) veem risco de terem que pagar mais imposto se for aprovada a reforma tributária sobre o consumo.
Esse é um dos principais pontos de tensão e de críticas das propostas que estão sendo avaliadas pelo Congresso Nacional.
A reforma tributária é uma das prioridades do governo Lula para o ano de 2023. A equipe econômica vem afirmando que a primeira etapa vai estabelecer mudanças nos impostos sobre consumo.
A ideia é unificar diversos impostos que hoje são pagos ao longo da cadeia produtiva em um só: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). A alíquota, até então, está estimada pelo governo em 25% — uma das maiores do mundo.
Essa porcentagem será distribuída ao longo da cadeia produtiva. Nesse cálculo, haverá mudança no peso dos impostos para cada setor da economia, e alguns deles entendem que vão pagar mais do que pagam hoje.
O IVA não vai ser cumulativo. Ou seja, vai ser calculado para ser pago uma só vez no caminho de um produto: desde o produtor, passando pelo distribuidor, chegando ao comércio e, por fim, ao consumidor final.
O governo tem frisado que não quer aumentar a carga tributária, apenas simplificar e modernizar o modelo de cobrança.
'Válvula de escape'
Os textos em discussão no Congresso Nacional preveem "válvulas de escape" que, em tese, podem diminuir o impacto das mudanças para alguns ramos de atividade. Ou, ainda, abrir a possibilidade de uma lei complementar tratar do tema.
Essas válvulas de escape, segundo o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, seriam exceções à tributação de 25%.
Com isso, podem reduzir o peso da tributação para alguns setores.
O relatório de uma das propostas de emenda à Constituição que trata da reforma tributária estabelece tratamento especial por 12 anos para:
- Atividades agropecuárias e agroindustriais;
- Serviços de educação e saúde;
- Transporte público coletivo e rodoviário de carga;
- Entidades beneficentes de assistência social.
A forma como esse tratamento favorecido será implementado, por sua vez, dependerá do Congresso. Pode ser por meio de alíquota mais baixa, isenções, créditos presumidos ou até mesmo devolução do imposto para o consumidor (o chamado "cashback" para a população carente).
Em outra PEC em tramitação, há previsão de uma lei complementar sobre quais setores que terão tratamento favorecido.
O g1 entrou em contato com o relator da reforma tributária sobre o consumo na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que coordena grupo de trabalho sobre o assunto no Legislativo, e perguntou se se relatório contemplará "válvulas de escape" (exceções) para alguns setores. Mas não obteve resposta.
Exceções podem elevar alíquota
A definição de exceções, ou seja, tratamento favorecido, para setores da economia na reforma tributária, se implementada, tende a afetar a alíquota geral sobre o consumo, estimada inicialmente em 25%.
O secretário Appy defende o mínimo de exceções possível à alíquota geral.
A explicação é que, para manter a mesma carga tributária, concedendo tratamento favorecido a alguns setores, será necessário cobrar mais de todas as atividades.
Ele também se mostrou preocupado em relação ao cashback – medida presente nas propostas de reforma tributária sobre o consumo que tramitam no Congresso Nacional e que prevê uma espécie de devolução às famílias de baixa renda de parte do imposto pago.
"O que determina a alíquota? O que determina a alíquota do novo imposto [sobre consumo] é sim o quanto vai ter de exceção. O cashback afeta porque tem que manter a receita dos entes", alertou Appy.
O que dizem os setores da economia
O g1 entrou em contato com representantes da agricultura, dos serviços e da indústria. E com alguns dos subsetores, como comércio, setor financeiro e administradores de shoppings (integrantes dos serviços), além das incorporadoras de imóveis (parte da indústria).
- Setores que se dizem prejudicados com aumento na tributação, como serviços e agricultura, argumentam que a mudança poderá gerar inflação, perda de renda e até mesmo desemprego. Como o IVA não será cumulativo, esses setores argumentam que não conseguirão repassar o aumento de custos ao consumidor final.
- Para o setor financeiro, relatório de 2021 da Comissão Mista do Congresso propõe que lei complementar, a ser discutida apenas a aprovação da PEC da reforma tributária, fixe um "tratamento diferenciado" para a tributação sobre "serviços financeiros" (bancos, por exemplo). Ainda não há estimativa do tamanho da alíquota para esse setor.
- O governo, por meio do secretário extraordinário para a reforma tributária, Bernard Appy, avalia que a reforma impulsionará o crescimento da economia, reduzindo o impacto das mudanças. E lembra que alguns setores podem contar com tratamento favorecido.
Impacto
O setor de serviços, que representa 68,2% do PIB de 2022, segundo dados oficiais, e a agropecuária, com peso de 7,9% na economia no último ano, se dizem prejudicados.
Indústria (23,9% do PIB de 2022) avalia que, na média, haverá redução do peso dos tributos. O setor financeiro informou não dispor ainda de informações suficientes, dentro dos cenários apresentados, para aferir o impacto.
Serviços
Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), estimou que as propostas em discussão vão, pelo menos, dobrar a carga tributária do setor, gerando um impacto imediato nos preços, se repassado ao consumidor, de 10%.
Segundo ele, a proposta geraria uma queda de 0,6% no PIB e aumento de 1% na inflação anual e a perda de um milhão de postos de trabalho. Ele propôs duas ou três alíquotas (de acordo com o setor). Nese defende que a reforma traga, também, uma desoneração da folha de pagamentos. Para compensá-la, quer um imposto sobre movimentações financeiras, nos moldes da antiga CPMF.
Guilherme Mercês, diretor de Economia da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) citou estudo da entidade segundo o qual as proposta em discussão gerariam um aumento de 84% a mais de 188% na tributação sobre o setor de serviços. Ele afirmou que a entidade apoia a realização de uma reforma como um todo, mas acrescentou que o "grande ponto de alerta" é a alíquota única na casa dos 25%.
A CNC informou que ainda está trabalhando em estimativas mais detalhadas sobre o impacto no setor de comércio.
A Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) entende que a reforma tributária deve promover uma simplificação de impostos. Entretanto, informou que os setores de comércio e serviços, que respondem por quase 2/3 dos empregos gerados no país, poderiam ter um aumento significativo na carga tributária, ocasionando uma grande pressão em toda a cadeia varejista.
Bancos
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou não dispor ainda de informações suficientes, dentro dos cenários apresentados, para aferir o impacto no setor financeiro.
Disse apenas que o sistema atual é um entrave para o crescimento, pois reduz a produtividade das empresas, impede a alocação eficiente de recursos e gera um nível de litigiosidade na sociedade sem paralelo nos demais países, tanto nos desenvolvidos como nos emergentes comparáveis ao Brasil. Acrescentou que o setor defende a construção do novo sistema tributário que seja "simples, equilibrado e transparente".
Indústria
Mario Sergio Carraro Telles, gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirmou que a entidade apoia não somente a realização de uma reforma tributária, mas também a última versão da PEC 110 - que tramita no Senado (com IVA dual, um para o governo e outro para estados e municípios).
Segundo ele, um imposto de 25%, estimado pelo governo, representaria redução da carga na média para o setor industrial, um desejo do ministro Fernando Haddad, da Fazenda. "Não é possível afirmar que todas as indústrias vão ter redução de carga", declarou Telles. Avaliou que, com o fim da cumulatividade (do sistema atual), a tributação vai melhorar muito, o que se traduz em crescimento da economia e favorece a todos os setores.
A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) se diz favorável à reforma tributária "desde que ela resulte em uma simplificação tributária e não onere a atual carga tributária do setor". Acrescentou que terrenos e mão de obra, fundamentais na composição dos custos do setor, não gerarão crédito tributário no futuro IVA.
"Dessa forma, pode ocorrer um aumento nos custos de novos imóveis à população, dificultando o combate ao déficit habitacional do Brasil que é de 7,8 milhões de moradias", acrescentou. Por fim, afirmou que em países onde foi adotado o IVA, a construção civil recebeu um tratamento tributário específico.
Agricultura
Coordenador do Núcleo Econômico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Renato Conchon, informou que a entidade apoia a realização de uma reforma tributária, mas lembrou que boa parte da produção do setor, destinado a venda externas, ou produtos da cesta básica, não pagam tributos pelas regras atuais.
Com o início de uma alíquota única de 25%, mesmo com créditos sobre etapas anteriores da produção, ele diz que haverá aumento de carga tributária sobre a cesta básica (exportações seguem desoneradas pelas propostas), o que pode impactar os preços de produtos agropecuários ou perda da renda dos produtores.
Ele defendeu uma alíquota diferenciada para o setor, menor do que 25%, e que os produtores pessoas físicas não seja contribuinte direta do futuro IVA.
Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), criticou a ideia de se criar um "cashback" para famílias de baixa renda e defendeu a manutenção da desoneração dos produtos da cesta básica.
“Nós termos qualquer tipo aumento de tributação sobre a cesta básica que gera impacto no consumidor final lá na frente prejudica muito mais os que mais precisam do que uma proposta de cashback”, acrescentou, na ocasião. Ele defendeu alíquotas menores para o setor agrícola. Disse que, em mais de 40 países que adotam o IVA, somente quatro deles não têm diferenciação de alíquota por setores.
Alexandro Martello, g1, 21/mar