Quando a posse do governo Lula ainda era recente e havia uma briga com o Banco Central para se baixar os juros básicos no País, o multiempresário Rubens Menin (controlador de MRV, Inter, Log e CNN Brasil) foi o primeiro fora do campo político a tomar parte no pleito pelo corte da Selic, ainda em fevereiro de 2023. Dez meses depois, o tema ainda é prioridade, diz, em entrevista exclusiva ao Broadcast.
"O juro alto afeta todo mundo. As famílias pagam mais caro para comprar geladeira, carro, casa, tudo. A renda familiar é corroída por esse juro real. Essa é a maior preocupação que tenho para 2024", reafirma.
Na avaliação de Menin, o Banco Central "segurou demais" a economia ao não baixar os juros antes, o que ainda compromete os investimentos por parte das empresas. A própria MRV, maior construtora residencial da América Latina, teve que pisar no freio. "Sei que é difícil falar, mas o Banco Central poderia ter começado a descer (os juros) mais cedo, pois a inflação está controlada", argumentou.
Nesta entrevista, Menin elogiou a aprovação da reforma tributária e defendeu que haja um esforço do governo a partir de agora para redução da carga tributária, com maior controle dos gastos públicos. A prioridade, entretanto, deve ser a equalização do déficit.
O empresário classificou Fernando Haddad como um bom ministro da Fazenda, mas o considerou um tanto "desorientado" ao peitar o Congresso e retomar a reoneração da folha salarial via Medida Provisória.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
Broadcast: Como o senhor avalia a reforma tributária aprovada no Congresso?
Rubens Menin: A aprovação era necessária. O nosso arcabouço fiscal era muito antigo, né, precisava ser reformado. A tributação no Brasil é excessivamente complexa. As empresas precisam de uma estrutura enorme para fazer toda a burocracia tributária. Então, a aprovação da reforma era essencial. Só que a carga tributária ainda é elevada por aqui.
Broadcast: Depois da reforma, existe a preocupação de que a carga possa aumentar ainda mais?
Menin: Em um primeiro momento, temos que zerar o déficit público, não tem outra solução. Sem isso, os juros seguirão altos e vão tirar a competitividade da economia brasileira. Mas também deve ser feito um esforço para diminuir a carga tributária. No contexto do Brasil de hoje, não foi possível discutir a redução da carga durante a preparação da reforma. A discussão girou em torno do arcabouço e da estrutura. Mas vale lembrar que a reforma não acabou, porque tem 70 e poucas implementações a serem feitas ano que vem. Junto com isso é preciso fazer um esforço para diminuir a arrecadação e aumentar a eficiência dos gastos públicos.
Broadcast: Tem exemplos de caminhos para isso?
Menin: Vou dar dois exemplos: Um troço que me incomoda muito é a pirataria. Esse é um problema sério do Brasil porque condena alguns setores que andam dentro da formalidade por gerar uma competição desigual. Isso precisaria acabar. Outro exemplo é a sonegação fiscal. Ela existe, é fato. Toda vez que alguém não está pagando tem outro que está pagando mais. É preciso lutar contra isso. E nem vou falar da corrupção como exemplo, pois todo mundo sabe que isso é um câncer.
Broadcast: A reforma tributária era um tema muito esperado pela classe empresarial. Qual o efeito imediato dela para as empresas?
Menin: A complexidade do exercício fiscal no Brasil é uma coisa maluca. A Resia, que é a nossa construtora nos Estados Unidos, tem duas pessoas para cuidar da parte tributária. Aqui no Brasil a MRV tem mais de 100 pessoas.
Broadcast: Com a reforma tributária vai ser possível diminuir o número de pessoas fazendo a contabilidade de impostos na MRV?
Menin: Acho que sim, a depender dessas questões a serem regulamentadas na sequência da reforma.
Broadcast: Quais os principais temas da agenda nacional para 2024, na sua avaliação?
Menin: Aqui a inflação está em cerca de 4,5%, e a Selic, em 11,75%. Então o juro real está em torno de 7%. É muito alto. Lá fora é bem menor, em cerca de 2%. Fico preocupado que, com o juro alto, as empresas parem de investir. Os efeitos vão ser sentidos daqui dois a três anos na economia. Tem planta siderúrgica e de bens de consumo sendo cancelada. Isso tudo vai comprometer a nossa infraestrutura e vai tirar a competitividade do País.
Broadcast: Em uma entrevista ao Estadão/Broadcast em fevereiro de 2023, o senhor foi o primeiro grande empresário a defender publicamente que o Banco Central reduzisse os juros. Até então, esse era um pleito defendido apenas pelo presidente Lula e pelos aliados políticos. Passados esses meses, o ciclo de corte começou. Que perspectivas se abriram a partir daí?
Menin: Em primeiro lugar, quero dizer que respeito o Banco Central independente. Mas eu acho que o Banco Central errou na dose e segurou demais a economia. Ele subiu os juros muito rápido. Sei que é difícil falar, mas ele poderia ter começado a descer mais cedo, pois a inflação está controlada.
Agora pegue as previsões do Boletim Focus para inflação e juros no fim do ano que vem. A previsão de inflação é de 3,9%, e de juros, 9%. Tem alguns analistas que falam até em Selic em 8,5%. Ainda assim, os juros reais vão estar em pelo menos 5% em 2024, o que ainda é muito alto. Se a inflação é de 3,9%, então a Selic deveria ser na faixa de 6% a 6,5%. O juro alto afeta todo mundo. As famílias pagam mais caro para comprar geladeira, carro, casa, tudo. A renda familiar é corroída por esse juro real. Essa é a maior preocupação que tenho para 2024.
Broadcast: O início do ciclo de queda da Selic ajudou a baixar o custo do financiamento para as empresas, que foi um dos principais gargalos de 2023?
Menin: Os juros futuros baixaram, depois subiram, ou seja, estão passando por um momento de instabilidade. Eles são um norteador da credibilidade da economia. A instabilidade está diretamente ligada às incertezas sobre o déficit público. É preciso que o País faça o dever de casa. Vamos supor que o déficit público fique em 0,5% do PIB ano que vem. Acho que é um patamar aceitável, mas isso precisa ficar claro. Quanto menor, melhor, mas também é preciso ter previsibilidade. Eu acho que é importante arrumar a casa e fazer um sacrifício neste momento, para, lá na frente, pensar em gastar melhor.
Broadcast: E o juro para as empresas, melhorou?
Menin: Teve alguma coisa de melhora sim, mas ainda é muito pouco. Para as empresas a situação é pior. O financiamento embute um spread bancário, que aumentou para as empresas por causa da insegurança. Por exemplo: o spread de captação das empresas de construção hoje está mais alto que o de dois anos atrás.
Broadcast: Que avaliação o senhor faz do primeiro ano do governo Lula?
Menin: Não vou falar de política, vou falar de economia, porque é uma área que tenho obrigação de falar. Eu acho realmente que o (Fernando) Haddad é um bom ministro da Fazenda, um cara importante e de consenso.
Broadcast: Como o senhor recebeu a notícia de reoneração da folha salarial via Medida Provisória anunciada ontem?
Menin: Essa última medida eu não gostei. Achei que ele (Haddad) está desorientado para zerar ou diminuir o déficit. Acho que ele está correndo muito atrás da receita porque, talvez, não tenha todas as ferramentas necessárias para cortar gastos. Ele tem que pensar um pouco mais, ano que vem, em criar um ambiente para baixar o juro real. Acho que fez um bom mandato até aqui e não precisava ter anunciado essa medida.
Broadcast: Isso piora o ambiente entre os Poderes?
Menin: O Congresso colaborou com os principais temas até aqui. Tanto o Senado quanto a Câmara fizeram o que era de interesse do País. A MP foi um chute na canela no Congresso que não precisava ter sido dado. Se o Congresso não quer a reoneração, então não quer, pronto, tem que se aceitar.
É preciso ter a união dos agentes em prol do bem do Brasil. Vamos precisar de muito alinhamento no ano que vem. Mas em 2023 nós evoluímos muito nesse ponto de uma relação boa entre o Executivo e o Congresso. Os agentes estão mais próximos e é importante que siga assim.
Broadcast, Circe Bonatelli, 12/jan