A possibilidade de dedução do valor dos materiais utilizados nos serviços de construção civil da base de cálculo do ISS não é uma discussão recente.
Em 2010, ao apreciar o Tema de Repercussão Geral nº 247 (RE nº 603.497), o STF concluiu pela constitucionalidade do artigo 9º, §2º, alínea ‘a’, do DL nº 406/1968 permitindo, naquele caso, que a empresa recorrente deduzisse da base de cálculo do ISS os valores dos materiais utilizados no serviço de concretagem.
A partir daquele momento, em decorrência da decisão proferida em sede de repercussão geral, o STJ reformulou o seu entendimento para concluir ser possível “a dedução da base de cálculo do ISS dos valores das subempreitadas e dos materiais [EM GERAL] utilizados em construção civil”.
Em 2020, nos autos do Tema STF nº 247, foi dado provimento ao agravo interno do município lá recorrente para assentar que a recepção do artigo 9º, §2º, alínea ‘a’, do DL nº 406/1968 com status de Lei Complementar “não ensejou reforma do acórdão do STJ, ficando evidenciada, no referido julgamento, a intenção do Pretório Excelso de preservar a orientação jurisprudencial que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou no âmbito infraconstitucional acerca da impossibilidade de dedução dos materiais empregados da base de cálculo do ISS incidente sobre serviço de construção civil”, posicionamento que foi confirmado no fim de 2022.
Assim, em abril de 2023, o STJ começou a alterar os seus julgamentos no sentido de apenas permitir a dedução dos materiais que fossem produzidos pelo prestador do serviço, desde que produzidos foral do local da obra e destacadamente comercializados em paralelo com o tomador, submetidos, portanto, à incidência do ICMS.
Mais recentemente, o STJ manifestou-se no seguinte sentido: “seguindo a novel orientação da Suprema Corte, prevaleceu na Primeira Seção deste Tribunal Superior a tese de que a dedutibilidade da base de cálculo do ISSQN não abrange os materiais que são produzidos no local da prestação de serviços ou adquiridos de terceiros e empregados na construção civil”.
As decisões até agora proferidas não tem efeito vinculante e foram proferidas apenas pela 1ª turma do STJ.
O fundamento utilizado pelo STJ para manter a sua posição é a redação contida no item 7.02, da Lei Complementar nº 116/2003:
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
Todavia, o que merece ser destacado é que o dispositivo que permite a dedução do valor dos materiais da base de cálculo do ISS é o artigo 7º, §2º, inc. I, da LC nº 116/2003, que possui a seguinte redação:
“Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
- 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;”
Tal destaque é importante pois, consoante se vê dos dispositivos supratranscritos, o item 7.02 (utilizado como fundamento pelo STJ), se utiliza do termo “mercadorias”, enquanto o artigo 7º, §2º, inciso I (que prevê a possibilidade da dedução da base de cálculo), se utiliza do termo “materiais”.
Não obstante, fornecimento de mercadorias e fornecimento de materiais possuem natureza jurídica completamente distintas já que, quando se fala em fornecimento de mercadorias, pressupõe-se que há uma venda/revenda e quando se fala em fornecimento de materiais estar-se-á diante de uma obrigação de dar, o que conforme entendimento pacificado pelo próprio STF, não se pode tributar pelo ISS.
Neste contexto, o que merece atenção é que o artigo 7º, §2º, inciso I, da LC nº 116/03, ao dispor sobre materiais, estaria se referindo a uma situação daquela mencionada no item 7.02, que trata de mercadorias, de forma que a existência de um não implicaria a inexistência do outro. O artigo 7º, §2º, inc. I, dispõe sobre definição de base de cálculo (artigo 146, inciso III, da Constituição), enquanto o item 7.02 dispõe sobre conflitos de competência (artigo 146, inciso I, da Constituição).
E por tais motivos, cada dispositivo deveria ser aplicado ao caso concreto correto, evitando a confusão que tem se criado sobre a função que a Lei Complementar n° 116/2003 estaria se referindo, o que, na prática, acaba por mitigar os direitos dos contribuintes.
Alessandra Mie Ikehara Katori Toma, 12/jan