sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Impacto da Selic no mercado imobiliário: Especialista da CBIC analisa cenário

Ieda Maria Pereira Vasconcelos, economista-chefe da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), fala sobre os efeitos da alta dos juros nos financiamentos imobiliários e das perspectivas do setor.

Nome de destaque no setor imobiliário, a economista-chefe da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Ieda Maria Pereira Vasconcelos, fala nesta entrevista para A Tribuna sobre os impactos do aumento da taxa de juros sobre os financiamentos imobiliários e, consequentemente, sobre o mercado. Doutora em Gestão, mestre em Administração, pós-graduada em Administração Financeira e em Gestão de Negócios, a economista é responsável pela elaboração de mais de 30 publicações sobre construção civil e realiza palestras sobre economia nacional e o desempenho do setor em todo o Brasil.

Na sua opinião, qual o impacto da alta da Selic sobre o mercado imobiliário? Como está o mercado e como deve ficar?

Juros altos não beneficiam nenhum setor produtivo da economia brasileira. Isso porque os investimentos se deslocam para o mercado financeiro. Vale lembrar que é o setor produtivo que alavanca o mercado de trabalho e gera mais renda para a economia. No mercado imobiliário, nós podemos ter reflexos como o adiamento de novos lançamentos, pois as empresas podem ter mais dificuldade de acesso ao crédito para movimentar os seus negócios. Um outro fator importante: uma das principais fontes de financiamento imobiliário no País é a caderneta de poupança. Com os juros altos, a caderneta de poupança apresenta captação líquida negativa, ou seja, os saques superam os depósitos, pois há uma busca por investimentos mais rentáveis. E isso já vem acontecendo. A poupança vem registrando resultados negativos nos últimos anos. De 2021 até setembro de 2024, ela já perdeu cerca de R$ 206 bilhões. Isso reflete no mercado imobiliário, com a redução do volume de recursos direcionados para o financiamento. Também é preciso considerar que os juros altos geram instabilidade na economia. Geralmente, a aquisição da casa própria acontece por meio de financiamento de longo prazo. Por isso, o trabalhador precisa da confiança que não perderá o seu emprego para fazer um financiamento imobiliário. Se ele percebe que pode perder o emprego, ele não assume esse compromisso de longo prazo. Enfim, os juros altos refletem de diferentes formas e prejudicam o desempenho do mercado imobiliário, além de contribuírem para inibir a aquisição da casa própria.

O financiamento cresceu bastante do lado popular. A subida da Selic vai enfraquecer esse segmento e o mercado em geral?

O financiamento imobiliário para o segmento popular possui taxas de juros inferiores daquelas praticadas pelo mercado. No caso do programa Minha Casa, Minha Vida, que possui três faixas, além dos juros serem diferenciados entre elas (cada faixa com uma taxa específica), ainda tem um percentual menor de juros se for para cotista do FGTS. No caso da Faixa 1 do programa, por exemplo, que atende famílias com renda até R$ 2.850,00 para cotistas do FGTS no Norte e Nordeste, a taxa varia de 4% a 4,25%. Já para as regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, a taxa varia de 4,25% a 4,5%. Já para as pessoas que não são cotistas do FGTS, no Norte e Nordeste a taxa varia de 4,5% até 4,75% e nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, de 4,75% a 5%. Portanto, neste caso de financiamento de imóveis popular, o aumento da Selic não reflete diretamente. Já para o mercado em geral, conforme explicamos anteriormente, as altas da Selic refletem de diversas formas.

Os juros da habitação devem subir ou eles conseguem adiar essa alta?

De uma forma geral, os juros do financiamento imobiliário não estão ligados diretamente à taxa Selic. Ou seja, não é automático aumentar a taxa Selic e aumentar automaticamente os juros do financiamento imobiliário. Entretanto, a taxa Selic influencia os juros como um todo na economia. E isso acontece também no caso das taxas de juros para o financiamento imobiliário. O aumento da Selic também pode refletir no aumento da taxa do financiamento imobiliário. E o contrário também pode acontecer, ou seja, a redução da taxa Selic pode influenciar a redução da taxa do crédito imobiliário. Portanto, o aumento da Selic, apesar de não proporcionar um aumento direto e proporcional ás taxas de juros dos financiamentos imobiliários, pode refletir nestas taxas e proporcionar uma elevação, o que naturalmente dificulta o acesso à casa própria. Esse é mais um prejuízo para o País.

Como anda o crédito dos bancos privados para a classe média?

Desde agosto de 2023, nós assistimos a sucessivas quedas da taxa Selic. Ela passou de 13,75% ao ano em agosto de 2023 e, antes de iniciar o novo ciclo de altas, estava em 10,5% ao ano. Isso refletiu no financiamento imobiliário com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). De acordo com os dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), de janeiro até agosto de 2024, foram financiados R$ 118,5 bilhões, o que representou crescimento de 17,6% em relação a igual período do ano anterior. Nos primeiros oito meses do ano, foram financiados 355,6 mil imóveis, o que correspondeu a um crescimento de 5,4% em relação a iguais meses de 2023. Já nos últimos 12 meses finalizados em agosto de 2024, o financiamento imobiliário com recursos do SBPE totalizou R$ 170 bilhões, com aumento de 6,8% em relação ao período imediatamente anterior. De setembro de 2023 até agosto de 2024 (12 meses), foram financiados 517,4 mil imóveis com recursos da poupança SBPE, resultado 6,4% inferior ao do período anterior. O início do novo ciclo de altas da taxa Selic certamente gera preocupação com o volume de recursos que serão direcionados para o financiamento nos próximos meses.

Diz-se no mercado que o mutuário não liga para taxa de juros, e sim se a prestação cabe no bolso. Mesmo com Selic em alta, o trabalhador tende a procurar imóveis e financiamento?

O aumento da taxa Selic não significa aumento na mesma proporção na taxa de juros do financiamento imobiliário. Esta pode até aumentar, mas não é um reflexo direto. Naturalmente, quanto menor a taxa de juros do financiamento imobiliário, mais possibilidade de o trabalhador adquirir a sua casa própria. Mas precisamos considerar que o País possui um elevado déficit habitacional (6,215 milhões de moradias) e, grande parte deste número está na Faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida. E conforme destacamos, as suas taxas independem da taxa Selic. Quando analisamos os financiamentos via recursos do SBPE, o aumento da taxa Selic tende a influenciar a alta dos juros do financiamento imobiliário. E isso pode influenciar na demanda por crédito, pois pode acabar elevando o valor das prestações. Mas o ideal é que a pessoa interessada em adquirir a casa própria procure uma instituição financeira e faça as simulações para verificar as taxas cobradas, o valor da entrada, o valor das parcelas e o valor do custo de uma forma geral. Como o aumento da Selic não é um reflexo direto do aumento das taxas de juros dos financiamentos, o trabalhador pode se surpreender e encontrar taxas de juros para o financiamento imobiliário bastante atrativas.

A Caixa Econômica Federal também vai adotar novas regras para o financiamento em breve. O que deve mudar na prática?

A Caixa prorrogou para o dia 1º de novembro a entrada em vigor de algumas novas regras para o seu financiamento imobiliário. Uma das mudanças diz respeito à redução do valor do financiamento tanto para imóveis novos, imóveis usados, imóveis comerciais, construção individual e lote urbanizado. Pelas novas regras anunciadas, o financiamento imobiliário que era de 80% do valor do imóvel cairá para 70% do valor. Na prática, isso significa que o comprador precisará dar como entrada na aquisição do imóvel um valor maior. Quando o financiamento imobiliário utilizar o Sistema de Amortização Constante (SAC), o financiamento passará de 80% do valor do imóvel para 70%. Já o financiamento com a tabela Price passará de 70% para 50%. Ou seja, neste caso, o comprador que precisava dar 30% de entrada do valor do imóvel agora precisará ter disponível 50%. Como resumo geral: será reduzida a cota de valor do financiamento imobiliário e haverá necessidade de uma entrada maior.

A Tribuna, 25/out