Região já tem 14 empreendimentos residenciais, que somam 22 prédios e quase dez mil apartamentos; pelo menos mais quatro serão lançados em 2025.
“Eu vi a Lexa”, conta Luiz Cláudio Grijó, entusiasmado com os ensaios de rua da Unidos da Tijuca para o próximo carnaval, que ele passou a assistir de camarote, nas noites de quinta-feira, de seu estúdio no Praia Formosa, primeiro condomínio residencial com moradores do novo bairro que começa a nascer no Porto. Nas últimas duas semanas, a presença de sambistas, incluindo a rainha de bateria, e a queima de fogos iluminaram o lugar, ainda escuro e onde o comércio e os serviços são de antigamente.
A expectativa é que o cenário mude. Afinal, há na região 14 empreendimentos habitacionais licenciados, com 22 prédios e quase dez mil apartamentos, segundo a Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar). E o vice-presidente de negócios da Cury Construtora, Leonardo Mesquita, anuncia outros quatro lançamentos no local em 2025 — três no Santo Cristo, sendo um com mais de 2.500 unidades; e o quarto próximo ao futuro estádio do Flamengo, no Gasômetro.
Mas, como qualquer bairro em formação, nada acontece num estalar de dedos.
— Ninguém abre um negócio num lugar antes de ter demanda. Os empreendimentos do Porto começaram a ser entregues, e os moradores começam a se mudar. O próximo ciclo é a abertura de estabelecimentos para atender a essa demanda. De tudo o que foi lançado até agora, 83,45% foram vendidos — constata Cláudio Hermolin, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (Sinduscon-Rio).
Um dos primeiros a passar a morar com a esposa Bárbara no Praia Formosa, há três meses, Grijó tem pressa.
— A gente está aguardando chegar shopping, banco, um grande supermercado, mais farmácias, lanchonetes e restaurantes melhores, uma padaria adequada, mais escolas e um novo posto de saúde, porque o que tem não vai dar conta — enumera o ex-gari e hoje operador de máquinas da Comlurb, que já varreu a Rua Geógrafo Milton Santos, onde vive hoje.
Presidente da CCPar, Gustavo Guerrante dá boas notícias. Ele já foi procurado por representantes de grandes redes de supermercados de atacado e varejo, drogarias e pizzarias de entregas:
— O comerciante não chega antes da população, embora alguns se posicionem mais estrategicamente no sentido de se antecipar.
Creches concorrentes
É no trecho do Santo Cristo que se concentra a maioria dos empreendimentos (oito dos 14 licenciados) e aqueles com mais edifícios. Caso do Rio Wonder Residences, da Cury, com três torres e 1.224 unidades — além do Praia Formosa, inaugurado; os condomínios Mauá e o Cais do Valongo devem ter as ligações elétricas concluídas neste mês, e as chaves entregues em janeiro. No início do ano, a empresa quer inaugurar ainda o Rio Energy e o Pateo Nazareth.
Nas imediações, a Emccamp está construindo o Porto Carioca, com 1.472 apartamentos distribuídos por cinco torres — a primeira com conclusão prevista para o segundo semestre de 2025 — e um edifício-garagem.
A locomoção no Santo Cristo é facilitada pela presença do VLT, da rodoviária e do Terminal Gentileza. Transportes à parte, na sua rotina diária os recém-chegados contam, na Rua Santo Cristo, apenas com estabelecimentos modestos para atender quem vive nos velhos casarões do lugar: um supermercado, uma farmácia, bares e restaurantes pequenos, papelaria e oficina, entre outros. Encontram pelo menos uma igreja evangélica. Na praça que corta a via, há uma paróquia católica. E, no número 242, funciona há cerca de três anos a filial do Centro Educacional Santo Cristo, de Madureira, com 150 crianças, do berçário ao terceiro ano do ensino fundamental.
— Estamos negociando para alugar o terreno do lado, que é do mesmo dono do prédio da escola, que queremos ampliar até o quinto ano — anuncia um dos donos, o professor Dilmarney Carlos Lopes Ignácio.
No entanto, ele terá concorrente quase em frente. A Rio Learning Studio, creche-escola integral com imersão em inglês e sede no Jardim Botânico, inicia obras em janeiro e pretende abrir em 2026 sua unidade do Porto, para 250 crianças da creche ao quinto ano.
— Fui procurada até por pessoas interessadas que moram no Flamengo e na Tijuca — revela a empreendedora Andrea Buffara.
Para os meninos maiores, a única opção na redondeza é uma unidade pública municipal. O Ginásio Educacional Tecnológico Benjamin Constant atende 413 alunos do ensino fundamental I e II e de turmas de correção de fluxo.
A educação dos gêmeos João Pedro e Maria Luz, de 9 meses, é uma preocupação, mas está longe de ser a única do casal Pedro Henrique Brandão e Kelly Cozini, que se mudou em setembro do Estácio para o Praia Formosa.
— Deveria ter um sinal de pedestres em frente ao condomínio, onde passam ônibus — reivindica a contadora Isabel.
Pedro, que é empregado da Transpetro, acrescenta:
— Aqui está parecendo com a Cidade Nova, onde morei na adolescência. Não temos para onde ir, principalmente à noite e com criança pequena. Não tem uma pizzaria, um shopping. Mas estou na expectativa da chegada do Flamengo.
De marmita a sex shop
Roberta Batista dos Santos Lopes, a chef Rô, encontra diversão se integrando com quem não está tão perto. Consegue ir a pé até o badalado Bar do Omar, no Morro do Pinto, que vê do seu dois quartos no 11º andar do Praia Formosa, onde mora com o marido Carlos Alberto Lopes e um filho de 23 anos. Vez por outra, a Pedra do Sal é uma opção para ela curtir a noite.
O casal é dono do Delícias da Rô, no Catete. A chef aproveita as idas ao restaurante para preparar marmitas, que são negociadas no seu prédio, com 20 pavimentos e 470 apartamentos — entre 50 e 60 com famílias vivendo e muitos sendo adaptados e mobiliados, de acordo com o administrador Felipe Cunha.
— Estou de olho no food truck do PUC (pavimento de uso comum), que vão licitar — diz Rô, vislumbrando o futuro.
Enquanto os arredores precisam se ajustar à nova realidade, dentro do condomínio a piscina e a churrasqueira foram liberadas. E diversos grupos de WhatsApp foram criados. No de compras, condôminos vendem de comida a produtos de sex shop. Os objetos eróticos são da loja virtual de Mônica Santos, professora do Senac, que saiu do Flamengo para o Porto, com a filha Alice, de 13 anos.
— Fiz as minhas primeiras vendas aqui — orgulha-se Mônica, que defende a melhoria da iluminação do bairro.
Moradores aguardam pela liberação, para reserva, do salão de festas, dos espaços gourmet (este no roof top), de coworking e zen, além de academia e uma oficina, onde poderão fazer pequenos reparos. No PUC, um pequeno mercado e o food truck dependem de licitação.
Academia, por enquanto, só a dois quilômetros, no Aqwa Corporate, da Tishman, onde o público encontra ainda três restaurantes e um café. E, na área externa do Praia Formosa, a conclusão de uma praça é motivo de expectativa.
Câmara comunitária
A CCPar contabiliza, até agora, 11 empreendimentos residenciais da Cury na área portuária (embora sejam 12 lançamentos da empresa, porque o Heitor dos Prazeres foi colocado à venda em duas etapas). Leonardo Mesquita tranquiliza quem se mostra preocupado, dizendo que, após o Wonder, totalmente residencial, todos os demais prédios da empresa na região contarão com lojas na frente.
— Estamos falando de oito mil metros quadrados comerciais, algo em torno de 70 a 80 lojas — prevê. — Pensamos, no futuro, em não vender todas as lojas e que elas sejam administradas por um pool, para que tenham um conceito não de shopping center, mas do que estão chamando de street mall (lojas dispostas lado a lado na frente dos edifícios).
Outra novidade que chegará em janeiro é a Câmara Comunitária do Porto. A Cury dará o pontapé inicial no projeto, que envolverá os síndicos locais. A ideia é utilizar as 82 câmeras de vigilância que estão sendo instaladas pela start-up Gabriel em pontos estratégicos da região, numa parceria com a construtora. E colocar uma equipe de ronda de quatro pessoas, que terá comunicação com o batalhão da área e órgãos da prefeitura.
— O objetivo é que esse novo bairro cresça de forma diferente. Ou seja, um lugar onde as pessoas circulem com segurança e cuidem dos espaços públicos — diz Mesquita.
O Globo, 19/dez