segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A alma de Ipanema


Descolada, jovem, colorida. Ipanema é solar não só na praia, mas em muitas das casas de seus moradores que levam para os ambientes internos de boa parte dos apartamentos do bairro o estilo que o tornou famoso no mundo inteiro. E desperta paixões em cariocas, moradores ou não do bairro, e turistas.

Para os que já moram ali, não há dúvida. O bairro conquista justamente por admitir pessoas de todas as tribos, todas as idades, todos os estilos, convivendo ao mesmo tempo em suas ruas, onde ainda sobrevivem os pequenos comércios lado a lado com as lojas de grife. Tudo isso a pé. Ou de skate. Patins. Bicicleta.

- Copacabana é dos mais velhos. Leblon tem a elite. E Ipanema tem de tudo um pouco. A família tradicional, o turista, o jovem, o cinema de bairro, o albergue, os hotéis mais caros da orla. É cosmopolita, mas também é muito local - opina André Carvalhal, que é diretor de Marketing da Farm e um dos moradores do bairro que tiveram a sua casa fotografada por Tiago Petrik, para uma exposição que, amanhã, abre a nova loja das sandálias Ipanema.

A intenção da mostra "A alma da casa" é mostrar um pouco desse estilo ipanemense de viver, tanto que foram clicadas também residências de gente que tem forte ligação com o bairro, mesmo morando hoje em outros lugares.

- Todas essas casas têm uma criatividade intrínseca, com soluções muito interessantes e são habitadas por pessoas reais, que levam suas histórias para dentro delas - discorre Tiago.

O letreiro da Chaika que hoje ajuda a alegrar a parede da cozinha da estilista Amanda Haegler, por exemplo, foi encontrado por uma amiga dela no lixo quando a lanchonete fechou. Renovado com um backlight, ganhou vida nova e se juntou a objetos e obras de arte feitos por amigos de Amanda, que mora num apartamento onde cada cantinho parece ser aproveitado para guardar um pouco de suas histórias e afetos.

Já o espaço que mais chama atenção na casa da estilista Isabel Jobim é o mezanino da sala de estar. Uma espécie de sótão que guarda os discos e livros da família, o local era o quarto dos sonhos de Isabel quando menina. Hoje, a neta de Tom, que tanto cantou as maravilhas de Ipanema, prefere buscar sua inspiração nas ruas do bairro, mas em vez de canções, cria estampas.

- É um bairro delicioso, vivo, onde as coisas acontecem nas ruas, as pessoas têm estilo e a natureza é incrível - define Isabel.

Ocupação determinou os lugares para serviços, comércio e moradia

Avibração das ruas de Ipanema não é à toa. Para o arquiteto e urbanista Ernani Freire, um dos motivos para o bairro ainda manter as características de bairro pequeno se deve à forma como foi ocupado.

- As ruas de Ipanema mantêm uma hierarquia. Há o local dos serviços na Visconde de Pirajá e Prudente de Moraes, o comércio de bairro e a moradia nas ruas internas. Isso faz com que seu sistema viário ainda funcione, apesar do excesso de carros - analisa Freire, que mora em um prédio modernista erguido nos anos 1950.

O edifício é um dos que resistiram à ocupação de Ipanema nos anos 1970, quando o mercado imobiliário descobriu o bairro e construiu a maioria dos seus prédios, substituindo os imóveis que começaram a surgir na região lá pelos anos 1930, pouco depois da ocupação da vizinha Copacabana.

- A voracidade do mercado estragou muita coisa, mas ainda assim, as ruas internas permanecem gostosas - completa o arquiteto, que só critica a quantidade de farmácias e bancos que tomaram conta do bairro. - Não há vida urbana que resista a isso.



O Globo, Karine Tavares, 23/fev