Áreas comuns acessíveis por apenas uma unidade - fique ela na laje no térreo - não são exatamente algo incomum nos prédios residenciais da cidade. Em especial, nos mais antigos. Mas uma decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no fim de janeiro, sobre um caso em São Paulo, jogou luz sobre um tema sempre polêmico: afinal, quais os reais direitos de quem tem o direito de uso de uma área comum do condomínio?
No caso em questão, o condômino do último andar ocupou o terraço por mais de 30 anos, com permissão tanto da especificação do condomínio, registrada no Registro Geral de Imóveis, como da convenção redigida em 1975. Mas não constava da escritura.
Ambos os documentos atribuíam a ele o direito real de uso da área desde que, em contrapartida, ele arcasse com os custos de conservação e limpeza do local. Sem, contudo, pagar taxa de condomínio pela área maior.
Até que, há cerca de dez anos, uma nova assembleia alterou o direito real de uso - que passa a estar ligado ao imóvel e não a seu proprietário - para direito personalíssimo. Ou seja, aquele que recai sobre a pessoa e não sobre o bem. Assim, apenas o atual proprietário do apartamento poderia usar o terraço e este direito não seria estendido a seus eventuais herdeiros ou compradores do imóvel. Além disso, foi instituída a cobrança de uma taxa condominial pelo uso da área.
Direito adquirido de não pagar
Inconformado, o condômino levou a briga para a Justiça e após o Tribunal de Justiça de São Paulo dar ganho de causa ao condomínio, o caso foi parar no STJ. Lá, a solução foi o meio do caminho. O direito personalíssimo foi mantido. Já a cobrança da taxa, não. A Quarta Turma do Tribunal considerou que após 30 anos usando a área sem pagar nada, o condômino já tinha direito adquirido.
- Acho que o STJ chegou a uma decisão plausível, de bom senso. É muito comum ver situações assim. As pessoas fazem um acordo, mas os anos passam, os condôminos mudam, e os que chegam têm interesses diferentes - diz Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi-Rio, lembrando que situações assim são mais comuns em prédios antigos que, ou não tem convenção, ou têm convenções ultrapassadas, omissas sobre situações assim.
No caso específico de São Paulo, o prédio foi construído na década de 1970 por um grupo de amigos. Na época, cada um teve direito a ficar com dois imóveis, que foram definidos por sorteio. E, justamente, para evitar problemas futuros, o direito real de uso da laje foi garantido já na especificação do condomínio (documento registrado em cartório que especifica todas as características do prédio) ao proprietário do último andar, já que a área só poderia ser acessada por uma escada do tipo caracol localizada dentro da unidade.
- Aquele grupo definiu que, apesar de ser uma área comum, a laje só seria passível de uso pelo dono do último andar. E que esse era um direito real e perpétuo. Como contrapartida, ainda se previu que ele pagaria pela impermeabilização da laje ao final da construção, além de ser o único responsável pelos gastos com conservação e limpeza da área. A assembleia, além de mudar essa regra, instituiu uma cobrança mínima de uma taxa condominial. Para uma área que não serve a ninguém, nem acarreta em gastos de luz e água para o condomínio já que não tem nem elevador - explica o advogado Caio Barbosa, um dos responsáveis pela defesa do proprietário, explicando por que pediu a anulação da assembleia.
Cada caso, uma sentença
O advogado Armando Miceli Filho, especialista em direito imobiliário, lembra que é preciso estar atento ainda ao que diz a escritura dos imóveis, e não somente à convenção.
- Se a área constar da escritura do imóvel, não há o que contestar. O seu proprietário pode até construir nela, desde que tenha autorização da prefeitura - ressalta Miceli. - Quanto à taxa de condomínio, acho justa a cobrança. Afinal, está usando exclusivamente uma área que seria de todos. Mas depois de 30 anos, o Tribunal entendeu que ele conquistou esse direito.
Além disso, é preciso ver caso a caso. Há situações em que a área comum só pode ser acessada por uma unidade, seja ela no primeiro ou no último andar. Em outros, a área tem acesso externo e poderia ser usado por todos. E se não houver qualquer previsão de uso dessas áreas na convenção ou na escritura, o mais comum é que os casos acabem mesmo no Judiciário.
- O STJ vem entendendo que não há problema no uso de área comum por um único condômino, desde que seu acesso seja feito por dentro da unidade. Agora, se ela poderia ser acessada por outros, e o dono de determinada unidade impede essa passagem, fechando uma porta, por exemplo, não pode - diz o advogado Jorge Passarelli.
Mas, e construir, pode?
Essa é outra questão que o direito de uso costuma suscitar. Mais uma vez depende do que diz a convenção. Algumas permitem, outras não. E quando não há nada sobre o assunto, é preciso ter autorização do condomínio que só é válida se houver aprovação, em assembleia geral, da unanimidade dos condôminos. Afinal, uma nova construção alteraria as frações ideais de todos os imóveis que deveriam ser, então, recalculadas. Até porque, a taxa de condomínio costuma ser definida de acordo com a fração ideal.
- Uma coisa é utilizar a área e outra coisa é construir. Normalmente, o direito de uso concedido impõe regras para construção de benfeitorias. Se a autorização de uso não estabelecer regras, é possível construir, desde que não atente contra a segurança do prédio, não altere a fachada e seja permitido pela legislação municipal - explica o advogado Armando Miceli.
Mas, antes disso, é preciso pedir outra autorização: à prefeitura. É que alguns prédios já têm previsão de uma construção maior em seu memorial. Neste caso, a prefeitura costuma autorizar a obra e cobra para isso uma contrapartida financeira: a chamada mais valia, que tem o valor determinado pela prefeitura de acordo com a localização do imóvel. A mesma regra vale para áreas do primeiro piso, ocupadas por apartamentos térreos, mesmo que elas não alterem o gabarito do prédio, e até para casos de fechamento de varandas. Mas tudo vai depender da legislação municipal.
- Muita gente não dá importância para isso, mas é fundamental. Pois a prefeitura pode até mandar demolir a benfeitoria, dando enorme prejuízo ao proprietário - lembra Miceli, ressaltando a importância de ter as duas autorizações. - Afinal, mesmo que esteja dentro da lei, o condomínio pode, sim, se opor às obras.
É que a concessão de licença de obras na prefeitura leva em conta apenas a legislação municipal, mas não a convenção do prédio. Então, se o condomínio considerar que a obra vai ferir o que está na convenção ou o direito de uso, ele pode impedir sua realização.