quarta-feira, 6 de abril de 2016

Poesia esculpida em concreto


A palavra "starchitect", fusão em inglês de "estrela" e "arquiteta", aplicava-se perfeitamente à iraquiana Zaha Hadid. O termo foi cunhado pelo crítico Nicolai Ouroussoff, do New York Times, para designar uma geração que criava prédios destinados a se tornar referências urbanas. Entre os patriarcas dessa geração está o brasileiro Oscar Niemeyer, que despontou ao criar um conjunto arquitetônico que se tornaria o cartão-postal de Belo Horizonte, a Pampulha. Niemeyer era um dos ídolos de Zaha Hadid.

Os "starchitects" criaram aquilo que alguns estudiosos chamam de "arquitetura do espetáculo". Prédios que, em vez de se integrar à paisagem urbana, se destacam como seres vindos de outro planeta. A analogia é quase literal no caso do disco voador plantado por Oscar Niemeyer em Niterói. A maior parte dos prédios construídos por Zaha Hadid segue a mesma linha. As formas curvas do centro cultural de Baku, Azerbaijão, contrastam fortemente com a arquitetura de caixotões típica dos antigos países comunistas. Soam como um brado de liberdade na burocracia urbana. 

Essa arquitetura que grita como poesia épica em concreto está em decadência no mundo pós-materialista. Os organizadores das Olimpíadas de Tóquio, previstas para 2020, rejeitaram o projeto de estádio feito por Zaha Hadid por considerá-lo caro demais - US$ 2,5 bilhões, em comparação com um orçamento de R$ 1,1 bilhão. Zaha foi a primeira mulher a ser agraciada com o Pritzker, prêmio máximo da arquitetura. Morava em Londres desde a juventude e era conhecida pelas explosões de temperamento - uma Nina Simone das pranchetas - tanto quanto pela exuberância. Morreu na semana passada, aos 65 anos, bem na era da agonia dos prédios que soam como brado.



Época, Mente Aberta, 06/abr