quinta-feira, 14 de julho de 2016

Antes dos atletas


Enquanto os Jogos do Rio não tomam o Parque Olímpico, na Avenida Abelardo Bueno, o extenso trecho de calçada que margeia o complexo esportivo tem sido usado como local de treino por moradores das redondezas. A nova área de lazer da região foi se firmando espontaneamente, e costuma ficar lotada de ciclistas, skatistas e corredores nos fins de tarde, principalmente nos fins de semana.

Apelidado de Calçadão Olímpico, o local também tem recebido curiosos, que vêm de longe para conferir o resultado das obras na região. Num fim de domingo ensolarado, o estudante Lucas André Pontes, morador de Vila Valqueire, pedalava, acompanhado do pai, rumo à Praia do Recreio, quando deparou com a nova área de lazer e decidiu conhecê-la.

- Nem íamos parar aqui. Como vimos que havia uma ciclovia, que parecia ter sido pintada muito recentemente, decidimos testá-la - contou o rapaz à equipe do GLOBO-Barra. - Comecei a percorrer longos trechos de bicicleta há pouco mais de um mês. Estou curtindo bastante. No fim de semana passado, fomos até a Praia da Barra. Sempre variamos o percurso para o programa não ficar monótono, e, certamente, vamos voltar aqui outras vezes. Além de amplo e novo, o espaço caiu no gosto das pessoas porque tem um clima legal, familiar.

Naquele mesmo dia, o agente de segurança Waldyr Cesar, também morador de Vila Valqueire, esperava um grupo de ciclistas da igreja que frequenta para pedalarem juntos do Calçadão Olímpico até o Jardim Oceânico. Estava paramentado com capacete, joelheiras e luvas, e, no pouco tempo em que aguardou os amigos, identificou problemas no local.

- Se você reparar bem, a calçada já apresenta algumas rachaduras. E a ciclovia deveria ter sido preparada para durar mais tempo, em vez de receber essa pintura que sai com facilidade - reclamou.

As observações do agente de segurança, no entanto, são consideradas exageradas pela arquivista Shana Lúcia Pinho, que mora no condomínio Villas da Barra. De segunda a sexta, antes de ir para o trabalho, ela faz questão de tomar sol com o filho de 10 meses. E, ultimamente, o local escolhido tem sido o Calçadão.

- Achei maravilhoso esse lugar. O terreno está em ótimo estado, tem acessibilidade. Para quem carrega filho em carrinho, como eu, essa área de lazer é perfeita. Antes, eu passeava com o Miguel no meu playground, mas, como quase sempre estava vazio, o programa acabava sendo monótono. Aqui, não. Tem gente correndo, caminhando, andando de skate , bicicleta, patins. Essa movimentação traz alegria ao local - analisou ela, que pretende criar um point de crianças para que seu filho tenha com quem brincar. - Ainda vejo poucos bebês por aqui. Tenho incentivado as minhas vizinhas a trazerem seus pequenos. O Calçadão é democrático, tem espaço para todo mundo.

E de qualquer lugar. A empresária inglesa Susan Doyle, que chegou ao Rio no começo do mês e vai ficar até o fim dos Jogos, caminhava com o marido pela área de lazer enquanto conferia as instalações olímpicas. Ela está hospedada no condomínio Joia da Barra, com vista para o Calçadão, e disse que se sentiu atraída pelo local após perceber o fluxo cada vez mais intenso de pessoas praticando atividades físicas por lá.

- Quando abro a janela de manhã e vejo as pessoas correndo, andando de bicicleta e de skate, me sinto até um pouco culpada. Mesmo tendo a desculpa de estar de férias num país que não é o meu, me incomodava ver as pessoas se exercitando enquanto eu tomava café da manhã e, depois, voltava para a cama para ficar mais 15 minutos. Hoje, resolvi fazer diferente. Chamei o meu marido, botei um short, calcei os tênis e vim fazer uma caminhada. Vamos aproveitar e fazer umas fotos diante dos novos estádios para mandar para os nossos quatro filhos, que ficaram em Londres - contou.

O Calçadão Olímpico é dividido em três partes. Há um trecho com piso intertravado (conhecido como pedra ossinho), outro com cimento liso e a ciclovia. A área de lazer é separada do complexo esportivo por uma cerca de ferro.

Durante os Jogos, segundo informações da Empresa Olímpica Municipal (EOM), o acesso a pé ao entorno do Parque Olímpico será livre. Ainda de acordo com o órgão ligado à prefeitura, bicicletas e skates, porém, só serão permitidos nas duas pistas junto aos prédios da Avenida Abelardo Bueno, no sentido Recreio. O bloqueio começa no dia 5, data da abertura, e vai até o fim das competições, em 21 de agosto.

Para a dona de casa Neide Monteiro, essa proibição, durante a Olimpíada, é importante para a segurança dos visitantes:

- Milhares de pessoas vão circular por essa calçada. Não dá para ficar cheio de gente andando de skate, bicicleta e patins por lá, atrapalhando quem está aguardando para ver algum jogo. Isso pode até gerar acidentes. Mas sou a favor da área de lazer que o local virou. Ele largou a vida em São Paulo, onde mora desde que nasceu, há 37 anos, para atuar como garçom durante os Jogos do Rio. Enquanto o trabalho no Parque Olímpico não começa, William de Andrade curte umas manobras com seu skate do lado de fora do complexo esportivo, nos fins de semana.

- Às vezes, não consigo vir nos sábados pela manhã, porque tenho feito uns bicos às sextas, em restaurantes, e fico até tarde no serviço. Mas aos domingos, é certo. Saio da minha casa, no Posto 10, e venho andando com o meu skate até aqui. Esse espaço, além de ser amplo e me permitir fazer mais ousadias com o meu longboard, está num estado de conservação bem melhor do que a ciclovia do Recreio. E, claro, gosto de ficar admirando o lugar onde vou trabalhar. Quando penso que, em menos de um mês, vou estar lá dentro do Parque Olímpico, servindo refeições para milhares de pessoas, fico alucinado.

O trecho da frente do Calçadão Olímpico tem, aproximadamente, 500 metros de extensão. No local, atualmente, não transitam apenas os atletas amadores. Os operários que trabalham na fase final da obra do complexo esportivo e as pessoas que usam os pontos de ônibus ao longo da área de lazer convivem em harmonia com os novos frequentadores.

- Agora, nós vemos gente. Durante muito tempo, havia só poeira e trabalhadores como eu. O bom de uma construção é isso: quando ela vai ficando pronta, o lugar vai ganhando vida - contou o ajudante de obras Jubemar Ferreira.

A cena podia ser mais rara, mas, durante o período de construção do Parque Olímpico, já havia, sim, quem frequentasse o terreno em frente ao complexo para se exercitar. Entre essas pessoas estava o engenheiro Ricardo França, que gostava de acompanhar o andamento da obra e aproveitava para praticar uma atividade esportiva:

- Como a construção civil é algo que me causa um profundo fascínio e tenho o hábito de andar de bicicleta todo fim de semana, juntava o útil ao agradável e, mensalmente, vinha aqui ver as transformações que o Parque Olímpico ia sofrendo até chegar ao que é hoje. Agora que ele ficou pronto e tem essa área de lazer, sempre venho acompanhado da minha mulher e, às vezes, das minhas duas filhas. No mês que vem estarei de volta, mas para ver uma partida da nossa seleção de handebol. E e, em setembro, retorno para torcer pelos nossos atletas nos esportes paralímpicos golbol e futebol de cego.



O Globo, Barra, 14/jul