A regularização de condomínios e loteamentos em Vargem Grande e Vargem Pequena é uma demanda de décadas. Em 2015, quando uma lei complementar foi sancionada flexibilizando as exigências para o processo, moradores comemoraram, mas até hoje nenhum empreendimento foi legalizado. Na semana passada, uma nova lei, que estenderia a possibilidade de regularização a condomínios de toda a cidade e aumentaria o prazo para síndicos darem entrada no pedido, foi vetada pelo prefeito, que alegou interferência do Legislativo no Executivo.
Criado em dezembro de 2016, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 174, dos vereadores Chiquinho Brazão e Willian Coelho, ambos do PMDB, só teve seu texto final publicado pela Câmara dos Vereadores há um mês, após seguidas votações. O PLC, então, foi enviado para o prefeito, que optou pelo veto na íntegra. Em um dos trechos de sua justificativa, no Diário Oficial, Marcelo Crivella afirmou: "Cabe registrar que a proposição em pauta significa grave intromissão do Poder Legislativo Municipal em seara que não lhe é própria, pois pressupõe uma intervenção em matéria relativa ao zoneamento urbano, cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo".
O PLC 174 foi escrito para alterar dispositivos das leis complementares 160 e 161, ambas de dezembro de 2015, que flexibilizaram as exigências para a regularização de condomínios nas Vargens e em Jacarepaguá, como pediam moradores. Os administradores tinham um prazo de um ano para dar entrada nos pedidos, na então Secretaria municipal de Urbanismo. Entretanto, segundo a comissão de acompanhamento criada na Associação de Moradores e Amigos de Vargem Grande, apenas cerca de 180 dos mais de 600 condomínios que poderiam se beneficiar da lei entregaram a documentação necessária.
- Muitos tiveram dificuldades para cumprir as exigências - afirma Rogério Appelt, integrante da comissão de acompanhamento, que critica o veto. - Entendo como um briga politica. Há uma lei federal de 2017 (lei 13.465/17) que obriga as prefeituras a legalizarem e facilitarem a regularização fundiária e de imóveis. Não é mais questão de favor. Vou articular uma ação popular contra a prefeitura.
Para Appelt, nenhum dos condomínios que conseguiram reunir a documentação foi regularizado até hoje porque existe um "desinteresse geral do município":
- Veja que incoerência. Existe uma lei específica, que não conseguiu regularizar nenhum condomínio. Será que é incapacidade de todos os profissionais envolvidos? Será que nenhum dos condomínios têm as condições necessárias para obter a regularização? Ou dois anos foi pouco tempo para concluir o processo?
Apesar da necessidade de ordenamento fundiário nas Vargens, as leis criadas até agora pelos vereadores têm sido criticadas por especialistas. No ano passado, a Comissão de Direito Urbanístico da OAB-Barra chegou a escrever um anteprojeto para a lei 160, propondo a revisão de alguns pontos. Para a comissão, havia uma série de falhas no texto original, como o artigo segundo o qual propriedades não legalizáveis serão desapropriadas pela prefeitura, ou seja, o poder público indenizará os responsáveis por elas. Para a comissão, esse artigo poderia incentivar a grilagem, pois loteamentos irregulares seriam indenizados, quando as medidas corretas seriam a notificação e o embargo. Além disso, argumentam, a fiscalização é de responsabilidade do Executivo, e não do Legislativo. O anteprojeto da OAB, porém, não foi aproveitado pelos vereadores, apesar de ter sido entregue à Comissão de Assuntos Urbanos na Câmara, presidida por Chiquinho Brazão.
O vereador não explicou por que o anteprojeto da OAB não foi considerado, mas defende o embasamento técnico da lei, observando que a elaboração do texto foi acompanhada por "muitos profissionais da área". Ele diz que vai trabalhar para derrubar o veto do prefeito na Câmara:
- A nova lei abrangia a cidade toda. Assim, chegaríamos a cerca de três mil condomínios que poderiam passar a pagar impostos.
A Secretaria municipal de Urbanismo Infraestrutura e Habitação afirma ter recebido 111 pedidos de regularização de condomínios só nas Vargens e diz que a razão de os processos não terem sido concluídos até agora variam. Em alguns casos, explica, "esbarram na questão fundiária", pois a legalização deve ser requerida pelo proprietário com o RGI, e, como é comum um terreno ter vários donos, torna-se difícil para os requerentes conseguirem todas as assinaturas necessárias. Em outros, acrescenta, há exigência de contrapartida, como urbanização da rua onde está o empreendimento ou doação de lote para equipamento público, "custos com os quais os requerentes nem sempre estão dispostos a arcar".