segunda-feira, 2 de abril de 2018

O futuro do Rio está no passado


Com poucos terrenos na Zona Sul e imóveis antigos sem uso, construtoras aderem ao retrofit para aproveitar espaços

Grandes metrópoles, como Nova York, Lisboa e Paris, revitalizaram seus centros urbanos a partir da reutilização de imóveis antigos. Agora, o Rio segue pelo mesmo caminho. Com poucos terrenos aptos a novas construções na Zona Sul, cada vez mais as construtoras passam a ver o retrofit como uma opção para continuar a erguer (e vender) prédios na área nobre da cidade.

O retrofit em um imóvel nada mais é do que sua modernização. Mas, diferentemente de uma simples reforma, requer cuidados especiais para respeitar as características originais da construção.

Além dos preços altos por conta da escassez de terrenos, não raramente o casarão ou prédio a ser "retrofitado" é tombado. Ou seja, há restrições para mudar sua estrutura. E isso exige profissionais especializados, cuidados redobrados e obras mais minuciosas, o que encarece muito o empreendimento.

O tombamento pode ser nas esferas municipal, estadual e federal, e o que deve ser conservado na obra varia muito. O Rio, que já foi capital e abrigou a corte, é, particularmente, uma das cidades brasileiras com mais construções que têm de atender a todas os níveis de proteção do patrimônio, o que onera ainda mais um retrofit.

Para as construtoras, a questão não é o somente o custo da obra, mas as restrições e o retorno financeiro. No mercado imobiliário residencial, o valor agregado de um imóvel antigo modernizado só se justifica se o seu espaço puder ser bem aproveitado. Por isso, em geral, as empresas preferem terrenos onde haja espaço para a construção de um prédio anexo, e que o tombamento seja apenas na fachada, dando mais espaço para construir e ficando mais rentável.

- É uma conta matemática, onde se deve considerar o quanto o terreno vale, o custo do retrofit eo valor agregado que isso terá. Uma coisa tem que compensar a outra. As construtoras vão preferir um terreno virgem, que tem menos risco e custo, pois você tem certeza do que tem ali e do que vai acontecer. O espaço de um imóvel antigo é sempre uma incógnita. Mas a falta de terrenos faz caminhar cada vez mais para o retrofit - diz João Paulo Matos, vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (AdemiRJ) e diretor-presidente da Calçada, construtora que tem apostado nesta linha de reforma.

EX-CONVENTO E COLÉGIO

Uma delas foi o Atrium, um retrofit do Convento Bom Pastor, construído em 1896, na Tijuca, e que estava fechado há uns 15 anos. A Calçada comprou o espaço onde estava o edifício centenário e construiu, atrás, duas torres, totalizando mais de 100 unidades. Dentro do convento, onde foi mantida a antiga fachada, foram feitos 37 lofts e uma área comum de lazer.

- Vale mais a pena quando tem um produto agregado. O Atrium foi viável porque dava para ter as duas torres e mexer dentro do convento. Senão, não seria interessante - afirma Matos.

Esta conta também foi positiva para a Piimo Empreendimento Imobiliários, que lançou o Residencial Payssandu, na famosa rua das palmeiras imperiais que leva o nome do edifício, no Flamengo. O casarão dali será mantido e usado como parte da área de lazer pelos moradores da torre de 80 unidades erguida no terreno.

- O casarão é o diferencial e o que dá o charme e valor agregado ao residencial todo. Fazer o retrofit depende do estado do imóvel e das restrições na obra, porque nem sempre há retorno financeiro. Neste caso, o negócio foi interessante porque pudemos integrar o empreendimento ao casarão - destaca Marcos Saceanu, sócio-fundador da Piimo.

Para Carolina Lindner, gerente comercial da Mozak, também especializada em Zona Sul, a liquidez rápida na região faz o investimento render - contanto que o tombamento não seja na parte interna, destaca. A empresa também aposta neste segmento, com três retrofits em andamento e outros em vista.

- Se não pudermos mexer dentro do imóvel, não á vantajoso, pois a limitação impede o aprimoramento do espaço. O retrofit é a maneira que conseguimos de explorar os raros espaços na Zona Sul. Se houvesse vários terrenos, seria mais fácil e barato. Como não há, aproveitamos o que existe e agregamos valor - diz Carolina.

Entre as apostas, estão a modernização de dois espaços no Leblon, que passarão a ser centros comerciais, mantendo as fachadas e outras características originais. Um deles é o Cine Leblon, que terá lojas e continuará com o cinema. O outro é o antigo colégio Saint Patrick's, que terá 46 salas e oito lojas. Ambos estão em obras e devem ser entregues em 2020.

Dos residenciais, a Mozak está lançando o Venâncio Flores, com sete unidades de quatro quartos. As obras devem começar em maio e a previsão de entrega é em 2021. Já está quase todo vendido.

O arquiteto e vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RJ), Lucas Franco, diz que o retrofit não é só uma questão arquitetônica, mas também urbanística:

- O Rio precisa reaproveitar os espaços. É uma mudança de conceito do patrimônio da cidade, tanto do ponto de visto histórico e arquitetônico quanto urbanístico. Esta tendência mundial ainda está engatinhando aqui, mas para um retrofit acontecer, é necessária a parceria de todos: arquitetos, prefeitura e construtoras.

De acordo com representantes do setor imobiliário do Rio, o custo alto para a reforma de imóveis antigos não decorre apenas pelo seu tombamento, que exige cuidados mais específicos, mas também porque muitas vezes o terreno tem dívidas, como de IPTU.

Neste sentido, eles defendem maior participação e incentivos por parte dos órgãos públicos, em especial da prefeitura, na reocupação urbanística da cidade por meio dos imóveis antigos.

- A prefeitura poderia ser parceira na revitalização, talvez com algum benefício fiscal. Por exemplo, há imóveis com débitos inviáveis de IPTU. Se eles encontram alguém que queira consertar e construir ali, poderia haver uma anistia sobre essa antiga dívida - diz João Paulo Matos, da Calçada e Ademi.

Já Lucas Franco, da CAU/RJ, acrescenta que, além do custo e da falta de incentivo, é preciso romper a ideia de que todo imóvel tombado é pior para compra e financeiramente inviável. Outro desafio, diz ele, é conciliar a expectativa do cliente de querer obras super modernas com o respeito à estrutura.
Hoje, segundo ele, a prefeitura já concede alguns incentivos como a isenção de IPTU e financiamento de parte da obra. Contudo, ele também alega que faltam mais políticas para reurbanizar a cidade.

De acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação (SMUIH), há dois projetos de lei em tramitação na Câmara que preveem mudanças nas regras para as construções na cidade e, entre as propostas, algumas vão beneficiar o retrofit em edificações tombadas ou preservadas. A ideia é que estes imóveis fiquem dispensados de diversas exigências relativas às áreas internas da edificação, facilitando a reurbanização.



O Globo, Raphaela Ribas, 01/abr