Um dos passatempos preferidos do arquiteto carioca Hélio Pellegrino é observar a paisagem das orlas das praias do Leblon e de Ipanema, a partir de um dos pontos mais privilegiados do Rio de Janeiro, o topo do Morro do Vidigal, uma comunidade carente na zona sul da cidade. "Não há preço que pague essa vista", diz Pellegrino, que não se limitou a admirar o panorama. O visual o inspirou a criar um negócio. No local, ele construiu o hotel Mirante do Avrão, inaugurado em 2013, que atrai turistas do mundo inteiro. "Aqui, os relacionamentos são verdadeiros e há muito calor humano", afirma o arquiteto.
"A gente vê gente de todo tipo se divertindo lado a lado, sem preconceitos." A favela do Vidigal também vem atraindo gente famosa interessada em adquirir um espaço - legalizado, é claro - para apreciar sua vista. O ex-jogador inglês David Beckham, a cantora americana Madonna e o artista plástico Vik Muniz são algumas das celebridades que já possuem imóveis no morro, que durante décadas foi palco de disputas entre a polícia e traficantes. Há três anos, a comunidade recebeu uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Nenhum assassinato é registrado desde 2012.
Graças a isso, foram abertos 11 hotéis na região. Outro ponto a favor é sua proximidade com o bairro do Leblon, a região mais cara do Brasil, cujo preço médio do metro quadrado ultrapassa os R$ 14 mil. A busca por novos eixos de valorização imobiliária é uma tendência que vem se espalhando pelo mercado brasileiro, especialmente em um momento de retração das vendas. Diante da escassez de terrenos nas áreas mais nobres das grandes cidades, as construtoras e incorporadoras, além de grandes investidores, estão expandindo seus negócios para áreas antes marginalizadas, na tentativa de reduzir custos e, na ponta, oferecer imóveis mais baratos aos potenciais compradores.
É o caso das construtoras MRV, MBigucci, Exto, Setin e Land Invest, que estão apostando na estratégia de fugir do lugar-comum e aceitar os riscos de empreender em áreas ainda pouco desenvolvidas. "Quem atua no mercado imobiliário precisa atuar o tempo todo como 'garimpeiro'", afirma Antonio Setin, presidente da incorporadora paulista Setin. "Não há mais espaço para amadores." O movimento de expansão das fronteiras da indústria da construção tem sido seguido até pelo megainvestidor americano Sam Zell, que se lançou às compras de áreas para construção de galpões e edifícios comerciais, nos Estados de São Paulo e do Paraná.
Além do Morro do Vidigal, a favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, áreas periféricas do ABC Paulista, de Minas Gerais e do Nordeste figuram no mapa das regiões com maior potencial de retorno para os investimentos imobiliários. "É uma tendência natural", afirma Basílio Jafet, presidente da Fiabci Brasil, entidade internacional, com sede em Paris, que reúne profissionais do mercado de imóveis. "Há uma escassez muito grande de terrenos nas áreas nobres." Para o empresário Milton Bigucci, presidente da MBigucci, de São Bernardo do Campo, o setor está se reorganizando em torno de novos eixos de crescimento.
"Não há mais locais viáveis economicamente para construção, a não ser em áreas periféricas", afirma Bigucci. Sua empresa especializou-se em construir na região do ABC, que inclui, além da sua cidade de origem, os municípios de São Caetano do Sul e Santo André. Seus mais recentes lançamentos, como o condomínio Unique, no bairro de Rudge Ramos, em São Bernardo, estão localizados em regiões pouco verticalizadas, de baixo desenvolvimento imobiliário, mas próximos a parques e áreas de comércio. O faturamento da MBigucci, vencedora do ranking setorial de AS MELHORES DA DINHEIRO, no ano passado, está em cerca de R$ 300 milhões.
O mercado de galpões industriais é outra aposta de Bigucci. Ele tem um projeto para a construção de 60 galpões, em bairros menos favorecidos das cidades de Diadema e Santo André, onde pretende atender empresas como a operadora de telecomunicações Net, a companhia aérea Gol e a montadora Honda. Nesse segmento, ele terá a companhia de um investidor de peso, o americano Sam Zell, um dos maiores especialistas em imóveis do mundo. Zell tem apostado no mercado de armazenagem, investindo na GuardeAqui, empresa paulista especializada em aluguel de espaços de estocagem, para clientes pessoa física e empresas.
Para o empresário americano, ainda que tenha havido excesso de oferta em algumas áreas, no mercado corporativo há espaço para crescer. Ele também investe na construtora curitibana Thá, especializada em escritórios. Esse fenômeno do setor imobiliário não está baseado, apenas, na chamada "gentrificação" de áreas pobres, que é o processo de expulsão das pessoas de baixa renda de regiões recém-valorizadas. Na favela de Paraisópolis, por exemplo, parte considerável dos compradores de imóveis novos no seu entorno vem da própria comunidade.
"Temos dezenas de clientes na favela", afirma Roberto Matos, presidente da Exto, que construiu oito torres de 25 andares no local. Cada apartamento, de 60 a 70 metros quadrados, custa entre R$ 300 mil e R$ 450 mil. O fato de a comunidade estar incrustada no bairro do Morumbi, reduto da classe média alta paulistana, torna seu potencial de valorização ainda maior. O fenômeno não se restringe aos Estados do Sudeste. As áreas industriais próximas a capitais do Nordeste foram os locais escolhidos pelo empresário Roberto de Carvalho Dias, presidente da Land Invest, para fugir da forte concorrência no eixo Rio-São Paulo.
Dias aposta na construção de casas, em vez de prédios. "O metro quadrado não sai por menos de R$ 4 mil e o apartamento leva até dois anos para ser construído", afirma Dias. "Uma casa pode ser feita em seis meses, pela metade do preço." A Land Invest está em fase de lançamento e construção de 1,2 mil casas, na periferia de Natal. Cada uma vai garantir uma margem de lucro entre 15% e 20%. O ritmo atual de compra e venda de terrenos na capital paulista mostra que a busca por novas regiões tende a se intensificar nos próximos anos.
De acordo com corretores de imóveis ouvidos pela DINHEIRO, atualmente, o mercado de terrenos na cidade está parado. Com a aprovação do novo Plano Diretor da cidade, em junho do ano passado, que restringe a construção de prédios com mais de oito andares a áreas próximas a corredores de ônibus e estações do metrô, o valor pedido pelos proprietários desses terrenos deu um salto muito grande. "A consequência disso é uma elitização dos imóveis", afirma Setin. "Isso em um momento em que o mercado pressiona as empresas a venderem cada vez mais barato."
Embora os números ainda não estejam fechados, estima-se que no ano passado houve uma queda de cerca de 5% no valor geral de vendas registrado pelas principais construtoras do País. A mineira MRV é uma das poucas a navegar contra essa corrente. A empresa aumentou em 23% seus lançamentos e registrou um faturamento recorde de R$ 6 bilhões em 2014. Ela vem se aproveitando da pouca concorrência no segmento de baixa renda, justamente por atuar fora das regiões mais valorizadas. "Trabalhamos com as ferramentas que temos, sempre apostando em regiões que irão, com certeza, se valorizar", afirma Rubens Menin, presidente da companhia.