quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Vargens Maravilha


Depois de estabelecer uma parceria público-privada (PPP) para promover a expansão da Zona Portuária, a prefeitura pretende aplicar o mesmo modelo de operação para ordenar o crescimento e melhorar a infraesturura das Vargens. Desde agosto, um consórcio formado pelas construtoras Odebrecht Infraestrutura e Queiroz Galvão Construtora realiza estudos técnicos a fim de viabilizar um projeto de urbanização na região, que sofre com a precariedade dos serviços públicos. No dia 23 deste mês, a primeira fase do diagnóstico será avaliada por uma comissão interna da prefeitura. O trabalho será encerrado em dezembro, e a expectativa é que no primeiro semestre de 2016 comece o processo licitatório.

Em julho, o município publicou um Procedimento de Manifestação de Interesse, convocando empresas candidatas a participar do projeto a elaborar uma análise do que seria necessário fazer na região. No mês seguinte, a Secretaria Especial de Concessões e Parceiras Público- Privadas (Secpar) aprovou a proposta de Odebrecht e Queiroz Galvão. Quando o estudo estiver concluído, audiências públicas deverão ser realizadas. O projeto faz parte do programa Em Frente Rio, que reúne dez propostas de obras de mobilidade, infraestrutura, saneamento e logística na cidade, como o VLT da Zona Sul e o corredor expresso Transbrasil, que ligará Marechal Deodoro ao Centro do Rio.

Os estudos técnicos, com limite de gastos de R$ 12 milhões (que só serão ressarcidos pela prefeitura se o consórcio ganhar a licitação), servirão para avaliar a viabilidade de implementação ou melhoria de uma série de 31 itens, divididos em cinco temas: mobilidade, sustentabilidade, infraestrutura, segurança e espaços públicos. A intenção da prefeitura com a parceria é alcançar a universalização do saneamento básico, realizar a macrodrenagem de 40 quilômetros de canais e construir 2,4 quilômetros de rede elétrica subterrânea, além de investir em iluminação pública e na oferta de Wi- Fi gratuito nas áreas públicas. O consórcio ainda deverá analisar propostas mais arrojadas, como implantação de transporte aquaviário e BRT, criação de um circuito cicloviário e de parques ecológicos e instalação de câmeras de segurança.

O melhor modelo de concessão também será definido pelo estudo, mas o secretário executivo de Coordenação de Governo da prefeitura, Pedro Paulo Carvalho, afirma que o mais provável é que seja via Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), como no Porto Maravilha. Nesse caso, uma lei municipal específica, que precisaria ser aprovada, autorizaria o aumento do potencial construtivo na região. Em contrapartida, as construtoras que adquirissem os Cepacs seriam obrigadas a executar investimentos em infraestrutura. As semelhanças entre os dois projetos, porém, restringem/se ao modelo escolhido, explica o secretário:

- A operação não será parecida com o Porto Maravilha do ponto de vista de ocupação. A necessidade das Vargens é de sustentar o crescimento, hoje desordenado; investir no saneamento básico; e racionalizar a densidade hoje prevista para o PEU. Ou seja, não é adensar mais uma área da cidade, como será na Zona Portuária, mas sim ordenar a região, que está em crescimento.

Desde a aprovação, pela Câmara dos Vereadores, do Projeto de Estruturação Urbana (PEU) das Vargens, em 2009, moradores aguardam a melhoria urbana da área, que abrange Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e pequenos trechos da Barra e do Recreio. Mas o PEU jamais saiu do papel. Depois de o próprio prefeito admitir que havia falhas no plano de elevar o gabarito em vários pontos dos bairros, o que preocupava ambientalistas, a Secretaria municipal de Urbanismo propôs alterações, nunca votadas. Em 2013, o PEU foi suspenso, e continuará assim até o fim dos estudos do consórcio.

Segundo a prefeitura, a proteção ambiental é a prioridade, e por isso a operação consorciada terá parâmetros urbanísticos mais restritivos que o PEU. Para Pedro Paulo, conciliar esse viés com o aumento do potencial construtivo, a fim de atrair incorporadoras, é viável.

- Não estamos tratando de uma reserva ambiental. É um bairro que pode receber construções, mas vamos definir parâmetros moderados, para que o crescimento seja ordenado e não afete a natureza - diz o secretário, acrescentando que os estudos embasarão também mudanças no PEU. - Ano que vem vamos enviar um novo texto à Câmara. Uma das etapas do projeto do consórcio é justamente o estudo jurídico, que trata não só da mudança dos parâmetros urbanísticos, mas de toda a regularização fundiária. Agora tudo vai aguardar a conclusão dos estudos.

Entre a esperança e a cautela

O anúncio do projeto consorciado divide opiniões entre moradores das Vargens. Enquanto muitos reclamam da falta de divulgação, há quem já projete o futuro. Para o empresário Rogério Appelt, presidente da comissão de acompanhamento do PEU, a operação pode ser interessante, "se feita de maneira correta".

Sem água, Angela Ormond, presidente da associação de moradores, diz que o fornecimento é irregular

- Precisamos de investimento em infraestrutura. Hoje, os serviços públicos não funcionam. Aqui claramente será um bairro novo - diz Appelt, que, por outro lado, lança desconfiança sobre o processo de escolha do consórcio. - Em apenas 120 dias é praticamente impossível realizar um estudo dessa magnitude numa área tão grande. Acredito que o acordo já havia sido costurado antes, ainda mais com um investimento tão alto, que teoricamente seria de risco.

Procurado, o consórcio formado por Odebrecht e Queiroz Galvão respondeu que somente a prefeitura poderia falar sobre a parceria.

Para o arquiteta e urbanista Canagé Vilhena, morador de Vargem Grande, falta transparência por parte da prefeitura. Ele acredita que a operação deveria ser precedida de planejamento mais detalhado e profundo.

- Mais uma vez passam por cima das premissas do urbanismo e dos princípios da política urbana aprovados na Constituição. Nosso Plano Diretor de 2001 indica a necessidade de aprovar um plano de desenvolvimento urbano local, denominado Plano Regional, cuja finalidade é preparar urbanisticamente a região para receber novas construções. Depois é preciso definir o uso do solo. O código de obras, que é a parte do gabarito, deveria ser a última fase. Mas normalmente vemos o interesse imobiliário se sobrepondo ao social.

Vilhena define as Vargens como um retrato da expansão urbana sem planejamento, o que produziu "uma organização caótica em área rural degradada, onde ainda existem ruas e estradas sem registro no cadastro fiscal da prefeitura". De fato, um passeio por Vargem Grande e Vargem Pequena revela, além do clima bucólico, a carência de serviços públicos. O principal problema, diz Angela Ormond, presidente da associação de moradores, é o saneamento básico.

- Aqui não existem água e tratamento de esgoto. Nossa sede não tem fornecimento regular de água há três meses. Desde o ano passado utilizamos poço, mas só para lavar a casa. Para beber, precisamos comprar garrafas. E o prazo que a Cedae me deu para resolver a situação do bairro é dezembro de 2016. Estou sempre cobrando serviços dos órgãos públicos, mas o que eles fazem aqui é paliativo. A verdade é que não há verba para refazer ruas inteiras, como é preciso - lamenta Angela, que ainda não tem opinião formada a respeito do PPP das Vargens, por saber pouco sobre o projeto.

Questionada, a Cedae respondeu que "todos os moradores formais de Vargem Grande e Vargem Pequena recebem água" e que novos adutora, reservatório e troncos distribuidores estão em construção. Sobre esgoto, o órgão garante que a rede da região é direcionada para as estações de tratamento existentes nos dois bairros.

Para Appelt, os problemas resultam da falta de planejamento a longo prazo e de obras malfeitas. Ele cita os gastos com saneamento realizados no primeiro mandato do prefeito Cesar Maia.

- O bairro foi todo rasgado para a passagem de dutos de esgoto, elevatória etc. Mas, no final, ficamos sem ligações a essa rede, porque as obras não foram aceitas pela Cedae. Em consequência, vemos hoje o esgoto sendo despejado em valas e rios. É só observar a proliferação de gigogas no Rio Morto. Em relação à água, vários locais passam semanas sem uma única gota no verão; a rede é antiga e foi subdimensionada.

Vilhena também se lembra de projetos anteriores malfadados para apontar as falhas no saneamento da região. Para piorar, a formalização dos serviços básicos esbarra no fato de diversos loteamentos das Vargens serem irregulares:

- A Estrada do Morgado, por exemplo, simboliza a falta de desenvolvimento urbano. Ela não está no cadastro da prefeitura. Os moradores pagam imposto rural ao Incra. Isso quer dizer que a posse do terreno é regular, mas a casa, não, o que emperra a execução de serviços de água e esgoto.

A mobilidade, ao menos, recebeu um alento no mês passado. Depois de a prefeitura anunciar o novo sistema de ônibus e receber diversas reclamações, uma reunião foi marcada nas Vargens, com a presença do secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani. Angela diz que várias reivindicações foram atendidas:

- Eles prometeram aumentar as rotas do 613 (Del CastilhoRiocentro), que passará a ir até a Estrada do Pontal; e do 810A ( Taquara- Curicica), alimentador que vira linha e também terá ponto final no Pontal. Outro alimentador, o 809 ( PontalCuricica), foi criado; o 316 e o 361 (ambos Recreio- Centro, via Linha Amarela) iam acabar mas continuaram; e a estação de BRT Praça do Bandolim ganhará serviço expresso.



O Globo, Barra, 15/out