sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Rio na contramão


A taxa de desemprego caiu no Brasil, mas subiu de 14,5% para 15,6% no Rio devido à crise fiscal fluminense. E, enquanto os outros estados melhoraram suas finanças, o Rio continua em situação crítica, segundo o Tesouro. Enquanto a recessão começa a perder força e o mercado de trabalho dá sinais de estabilização no país, o Estado do Rio de Janeiro anda na contramão. Segundo dados divulgados ontem pelo IBGE, a taxa de desemprego no Brasil caiu de 13,7% para 13%, entre o primeiro e o segundo trimestres deste ano. No Rio, o número subiu de 14,5% para 15,6%, uma alta de 1,1 ponto percentual. Por trás desse movimento, está a crise fiscal fluminense. Estudo do Tesouro Nacional revelado também ontem indica que o estado se mantém na lanterna das contas públicas do país: segundo o novo Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, o governo fluminense está há pelo menos três anos nessa situação, com nota de classificação D, a mais baixa da escala.

Entre os seis estados que apresentavam nota D ou D+ (as mais baixas na classificação de saúde fiscal medida pelo Ministério da Fazenda) em 2015, apenas o Rio não teve melhora. Mesmo Rio Grande do Sul e Minas Gerais, também em situação fiscal complicada, melhoraram seus resultados em 2016. No ano passado, as despesas com folha de pagamentos no Rio cresceram 6%, para R$ 33,67 bilhões, enquanto na média do país a alta foi de só 4,7%. 

SEM SALÁRIOS, R$ 3,3 BI DEIXAM DE CIRCULAR 

A crise fiscal do Estado do Rio, segundo especialistas, é a principal razão para a piora no mercado de trabalho fluminense. O salto no desemprego no Rio foi o segundo maior do país, atrás apenas de Pernambuco, onde a taxa subiu de 17,1% para 18,8%. Manuel Thedim, economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), lembra que a folha de ativos e inativos representa uma injeção mensal de R$ 3,3 bilhões na economia fluminense. Quando os salários atrasam, é este o volume de dinheiro que deixa de circular.

- A incerteza afeta o consumo totalmente. O servidor não sabe se vai receber no mês que vem e para de gastar. Há ainda o corte de investimentos da Petrobras, além da crise política, mais intensa aqui no estado. É a tempestade perfeita para o tipo de crise que a gente vive - afirma Thedim.

O economista Fernando Holanda de Barbosa Filho, da FGV, aponta que os problemas do Rio - nas áreas fiscal e de trabalho - foram postergados pela Olimpíada. De fato: em 2015, na esteira da preparação para os Jogos, a taxa de desemprego se manteve abaixo da média nacional. Disparou após o fim da euforia com o evento e a desmobilização de áreas como construção civil e serviços.

- A Olimpíada ajudou o estado do Rio, não só (com os empregos gerados) nas obras, mas na ajuda que o estado recebeu do governo federal para evitar o caos durante a festa. Passada a Olimpíada, a realidade bate à porta - analisa.

João Saboia, da UFRJ, acrescenta que a escalada da violência no Rio agrava o desemprego.

Na média do Brasil, a taxa de desemprego recuou, mas o país ainda tem 13,5 milhões de desempregados. E o número de brasileiros subocupados, ou seja, que estão disponíveis para trabalhar e não buscaram vagas e os que gostariam de trabalhar por mais horas, é ainda mais elevado. O levantamento mostra que falta trabalho para 26,3 milhões de pessoas. Além disso, outros 2,9 milhões estão em busca de uma vaga há mais de dois anos.

Petróleo e serviços podem reerguer mercado de trabalho

Não há solução fácil para o Rio, mas há caminhos para recuperação, dizem especialistas. Motivos que levaram o Rio a essa situação de desemprego alto, como ter uma economia focada em serviços e na indústria de petróleo, serão os motores mais à frente, na opinião do economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) e professor Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) José Roberto Afonso:

- O problema mais grave para o mercado de trabalho tem a ver com o desmonte do complexo petrolífero. A indústria naval é decisiva para o Rio. O setor de serviços, que tem demorado mais a reagir, é mais forte no Rio. Intensifica a crise nesse momento, mas é um setor com mais futuro. E, em alguma hora, a Petrobras vai se reerguer.

Manuel Thedim, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), também vê nos serviços o caminho para revitalização da cidade:

- O Rio é uma cidade muito equipada para o trabalho do futuro, da criatividade e da empatia. O trabalho repetitivo vai durar mais 20, 30 anos. O Rio tem a vocação para a área de serviços, como o turismo.

Afonso afirma que há solução para a crise fiscal que está deixando servidores e aposentados sem salário. O primeiro passo é desvincular os royalties do petróleo da folha de servidores e destiná-los aos investimentos:

- São recursos incertos. Não podem estar ligados ao pagamento de servidores e inativos. Tem que aumentar a contribuição para financiar esses gastos previdenciários.

A discrepância entre os gastos do Executivo fluminense e dos outros poderes também tem que ser resolvida para o Rio avançar, diz Afonso:

- O Poder Executivo do Rio, que tem policial, médico e professor, e o do Espírito Santo são os que menos gastam com servidores. O que dispara as despesas são os aposentados dos outros poderes. Essa situação é gravíssima e crônica no Rio.

A solução passa pelo teto da remuneração dos funcionários públicos - proposta pelo governo federal dentro do pacote de medidas de ajuste fiscal -, que pode ter um impacto significativo no estado. Outra saída seria uma reforma tributária, com foco no ICMS. Segundo o economista da FGV, o Rio tem a menor relação entre arrecadação estadual e o que produz. O estado não recolhe ICMS sobre o petróleo, que fica no estado de destino do produto:

- O Rio é forte em petróleo e serviços. Em ambos os segmentos, o estado não recolhe o imposto. E importa muito. Se o ICMS fosse cobrado no destino, haveria uma redistribuição de receita para o Rio (só o ICMS do petróleo é recolhido no destino). 'REAGE, RIO!' Em busca de soluções para a situação crítica do estado, os jornais O GLOBO e "Extra" vão promover nos próximos dias 30 e 31, no Museu de Arte do Rio (MAR), o seminário "Reage, Rio!". Representantes do poder público e da sociedade, empresários e acadêmicos vão discutir propostas e apresentar estudos de casos em seis áreas : segurança, recuperação econômica, mobilidade urbana, ética, políticas públicas e turismo. Os debates serão transmitidos ao vivo em um ambiente especial que será criado nos sites do GLOBO e do "Extra". O objetivo é permitir que a população acompanhe o conteúdo das palestras pela internet.



O Globo, Marcello Corrêa e Bárbara Nascimento, 18/ago