Os expoentes da nova economia digital sacudiram uma série de mercados estabelecidos. A Uber, por exemplo, levantou a ira dos taxistas. O aplicativo de mensagens WhatsApp chacoalhou o setor de telefonia. A Netflix está mudando a forma de assistir à televisão. Não por acaso, todos estão constantemente sob o cerco de legisladores ao redor do globo, que buscam formas de enquadrar seus serviços à lei e à ordem vigente. A mais recente briga nessa área, no Brasil, envolve o Airbnb e o setor de hotéis. Essa querela começou por conta de um convênio de R$ 800 mil, selado, em julho deste ano, entre Leonardo Tristão, diretor-geral do Airbnb no Brasil, e Guilherme Afif Domingos, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Boa parte do dinheiro sairia dos cofres do Sebrae para um projeto-piloto em Bonito, um importante destino turístico do Mato Grosso do Sul. O site de hospedagem queria reproduzir aqui um programa que já tem em diversas partes do globo. Ele fornece a seus usuários um guia online sobre a rede de serviços. Bonito seria a primeira cidade do País a receber essa iniciativa. Após o anúncio da parceria, no entanto, o setor hoteleiro começou a exercer uma enorme pressão nos bastidores. E deu resultado. No dia 10 de agosto, o convênio foi suspenso pelo Sebrae.
Esse foi o estopim de uma crise entre o Airbnb e a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), uma disputa que chegou no início de setembro ao Supremo Tribunal Federal (STF). A associação que representa os hotéis entrou com uma ação na corte máxima do País para exigir isonomia tributária. "Eles não pagam tributo nenhum e ainda vêm pedir repasse de impostos para prejudicar a atividade hoteleira tradicional. Não pudemos ficar calados diante disso", afirma Dílson Jatahy, presidente da ABIH.
A reclamação do setor hoteleiro envolve a estrutura tributária na qual opera o Airbnb. Enquanto a carga de impostos dos hotéis representa cerca de 40% das receitas, o aplicativo não recolhe nada e os usuários que o utilizam para alugar imóveis é que devem recolher 27,5% de imposto de renda sobre as locações. Diante do conflito entre o mundo tradicional e o digital, o Sebrae voltou atrás. "Não sabíamos sobre esse curto circuito", diz Afif. "Toda vez que um setor enfrenta uma concorrência de uma empresa mais leve, como o Airbnb, há uma reação muito forte porque não consegue concorrer."
A partir de então, o Sebrae tentou se colocar como um mediador deste conflito entre a startup e o setor hoteleiro. Diplomático, Afif tenta buscar uma solução que não invibialize o Airbnb e que seja aceita pelo setor hoteleiro. "O que é disruptivo não pode ser destrutivo", diz Afif. Porém, o Airbnb não reconhece o presidente do Sebrae como interlocutor dessa negociação. Segundo Leila Suwwan, gerente de comunicação para América Latina do Airbnb, ele não é interlocutor, mediador ou porta-voz para qualquer assunto do Airbnb no Brasil, "nem tem mandato para promover qualquer discussão regulatória em nome do Airbnb, seja com entes governamentais ou com o lobby hoteleiro". Enquanto o STF não decide a questão, o Congresso busca uma forma de taxar o Airbnb. A primeira medida é cobrar o ISS diretamente do aplicativo a título de "taxa de acomodação", um regime tributário que não existe no Brasil.
A alíquota não está definida, mas deve ficar próxima a 5%, segundo o deputado Thiago Peixoto (PSD-GO), presidente da Frente Parlamentar Mista de Economia Digital e Economia Colaborativa. A segunda medida forçará o aplicativo a reter na fonte o imposto de renda de seus usuários. A cada R$ 100 originados em locação, o Airbnb reteria R$ 27,50, além dos R$ 3 cobrados pelo serviço. "Pode-se facilmente criar um mecanismo para arrecadar na fonte o Imposto de Renda", diz Peixoto. A especialista em direito digital, Gisele Truzzi, do escritório Truzzi Advogados, acredita que as propostas discutidas no Congresso engessam o aplicativo. "Há um desvio de finalidade" diz ela. "A intermediação entre duas pessoas físicas e a venda de serviços de acomodação são atividades diferentes." Se as imobiliárias não retêm imposto dos clientes que locam imóveis, por que seria diferente com o aplicativo?
Em vários locais onde opera, a startup teve de se adaptar às leis locais. No mundo, já celebrou acordos em mais de 275 jurisdições, que significaram repasses de tributos de mais de US$ 110 milhões. Neste ano, os primeiros acordos na América Latina foram firmados no México, em Porto Rico e nas Ilhas Virgens Americanas. Todos envolveram o recolhimento de taxas de acomodação. No Brasil, alguns municípios como Fortaleza, Salvador e Vitória tentam implementar regulamentações. Mas a startup conseguiu derrubar as medidas sob o argumento de que seriam inconstitucionais. "O lobby hoteleiro e seus representantes adotam um discurso falacioso de isonomia para, na verdade, criar barreiras à atividade de locação por temporada", diz Suwwan.