A dificuldade cada vez maior do governo para fechar um acordo que viabilize a aprovação da reforma da Previdência - admitida na segunda-feira pelo próprio presidente Michel Temer - teve forte impacto negativo no mercado financeiro ontem. O Ibovespa, principal índice de ações da B3, recuou 2,55%, aos 72.414 pontos, a maior queda desde maio, quando foi divulgado o teor da delação da JBS. E o dólar subiu 0,52%, a R$ 3,277. Os investidores também passaram a apostar em juros mais elevados no futuro, e houve piora na avaliação de risco do Brasil.
Ao admitir que as mudanças na Previdência podem não ser aprovadas este ano, na visão do mercado Temer sinalizou dificuldade em unificar a base aliada em torno das mudanças econômicas necessárias ao ajuste fiscal. Nem as declarações de ministros como Henrique Meirelles, da Fazenda, tentando reverter o mal-estar tiveram sucesso.
Para Bernard Gonin, gestor da Rio Gestão de Recursos, a reação negativa se deve ao fato de que, sem as reformas, fica mais difícil o Brasil ter uma trajetória de crescimento sustentável:
- Todos (os investidores) sabem da necessidade da reforma da Previdência. Além disso, há dificuldade na tramitação de outras medidas econômicas.
O mau humor em relação ao Brasil atingiu os CDS (credit default swaps), que são uma espécie de seguro para títulos brasileiros negociados no exterior. Houve alta de 2,40%, aos 175 pontos.
- Isso acendeu a luz de alerta em relação aos riscos de um rebaixamento da nota do país junto às agências de rating - observou Ricardo Gomes da Silva, superintendente da Correparti Corretora de Câmbio.
Especialistas veem riscos de a não aprovação da reforma da Previdência levar a um novo rebaixamento da nota do Brasil.
- Se o governo colocar a reforma em votação e ela não passar, haveria um impacto forte sobre o mercado e até rebaixamento da nota brasileira por agências de rating. Agora, se ela simplesmente não for à votação, ficar para o próximo presidente, esse cenário o mercado já incorporou e não seria motivo de rebaixamento, porque a intenção da reforma ainda existiria - afirmou Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC.
JUROS FUTUROS EM ALTA
Para o economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas, a não aprovação da reforma pode levar a um rebaixamento porque o mercado pode ver nisso leniência fiscal. Ele lembra ainda que o cumprimento do teto em 2018 depende de o Congresso aprovar o adiamento do reajuste do funcionalismo e o aumento da contribuição previdenciária dos servidores, de 11% para 14%.
- Dificilmente o Congresso vai abraçar uma medida tão impopular às vésperas de uma eleição e com os servidores já se movimentando. O Estado é extremamente corporativo - disse Castelo Branco.
Outro problema é que o governo não tem mais onde enxugar os gastos.
- A margem de manobra do governo está acabando - afirmou Luiz Eduardo Afonso, economista da USP. - Os gastos da Previdência continuarão aumentando e vão comprimir todo o resto. É preocupante jogar isso para o governo seguinte.
Para Rogério Freitas, sócio da Florença Investimentos, a falta de perspectiva sobre o andamento das reformas frustrou os investidores:
- Nunca é bom adiar o tratamento de uma doença.
Como reflexo, os contratos futuros de juros com vencimento em janeiro de 2021 passaram de 9,28% para 9,33% ao ano.