quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

BNDES terá moeda virtual com a mesma tecnologia do bitcoin


O BNDES vai começar a usar uma moeda virtual própria em suas operações. O uso dessa divisa, ainda sem nome, será restrito ao pagamento de fornecedores nos projetos apoiados pelo banco e permitirá que o dinheiro desembolsado seja rastreado por meio de um sistema de pagamento eletrônico desenvolvido em parceria com o banco de desenvolvimento alemão KfW. O objetivo é dar mais transparência às operações. No Brasil, a moeda deve ser usada pela primeira vez em maio, para apoiar projetos do Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES. O banco já planeja usar a tecnologia para empréstimos a estados e municípios, mas terá de desenvolver um sistema semelhante com o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.

O novo sistema está ancorado na tecnologia de blockchain, a mesma usada no bitcoin. Ela permite que transações financeiras aconteçam sem a necessidade de intermediários para validá-las, como ocorre nos bancos tradicionais. As transações são armazenadas numa plataforma, impedindo alterações retroativas ou não autorizadas. Por isso, o blockchain tem sido apontado como um avanço na prevenção a fraudes. Bancos como Bradesco e Itaú têm pesquisado aplicações práticas dessa tecnologia.

'AJUDA, MAS NÃO BLINDA POLITICAMENTE'

O interesse do BNDES é a possibilidade de rastreamento. O sistema que será usado na parceria com o KfW foi batizado de TruBudget e funciona como uma carteira de pagamentos eletrônica. Uma vez aprovado o crédito, o banco repassa determinada quantia de moedas virtuais à empresa ou organização que pediu os recursos. Esta vai usar o dinheiro digital para contratar fornecedores, previamente cadastrados no sistema. Só então, os fornecedores vão converter a moeda virtual em reais.

Cada "passo" que o dinheiro dá fica registrado na plataforma. A diferença em relação a outras criptomoedas é que o nome de quem dá e de quem recebe a divisa digital é revelado. Além disso, a moeda virtual do BNDES terá lastro, pois vai corresponder ao valor do repasse ou financiamento, algo que o bitcoin não tem.

- Seremos os primeiros bancos de desenvolvimento a usar a tecnologia blockchain no mundo - diz o diretor de Planejamento e Crédito do BNDES, Carlos da Costa. - Vamos poder acompanhar até o segundo nível de pagamento, ou seja, quando um fornecedor subcontrata outro.

Segundo Costa, projetos do Fundo Amazônia, que tem patrimônio de US$ 1,2 bilhão, serão os primeiros em que a novidade será usada. O fundo recebe doações para investimentos em prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e conservação da Amazônia. Seus principais doadores são Noruega e Alemanha. Em 2017, o governo norueguês anunciou que cortaria à metade seus repasses devido ao aumento do desmatamento.

O secretário geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, avalia que a iniciativa vai facilitar a fiscalização de recursos públicos. Ele ressalta, porém, que o rastreamento não blinda o banco de pressões políticas na hora de aprovar empréstimos e que a transparência não se limita às aplicações do dinheiro emprestado, mas requer a divulgação de condições de financiamento, inclusive de taxas cobradas:

- Uma de nossas maiores dificuldades é justamente verificar onde o dinheiro repassado a estados e municípios é aplicado. O novo sistema ajudará, mas não blinda o banco politicamente.

O banco é alvo de investigações por Polícia Federal, Tribunal de Contas da União e Ministério Público Federal por suspeita de tráfico de influência e envolvimento em supostas fraudes. O banco deu crédito a empresas na mira da Lava-Jato, para construção de empreendimentos no exterior.



O Globo, Danielle Nogueira, 22/fev