terça-feira, 22 de maio de 2018

Mac Dowell: um extraordinário carioca


Hoje, o Rio amanheceu triste. Nos últimos minutos de ontem, a morte nos deixou imenso pesar quando arrebatou o amigo, o servidor do povo, o carioca genuíno, honesto, humilde e modesto, cuja alma fraterna conquistou admiradores. A inteligência rara, com fulgor, o colocou na aristocracia da engenharia nacional.

Seria fastidioso descrever as suas monumentais realizações como engenheiro, professor, projetista, homem público e notório consultor da iniciativa privada, até porque elas já se encontram guardadas com letras de ouro e de maneira indelével na gratidão do povo carioca.

Mas seria uma omissão imperdoável não mencionar a sua luta ingente no planejamento e na implantação da modernização do transporte de massa em nossa cidade, especialmente as linhas 1 e 2 do Metrô.

Todos podem imaginar o que representa em volume de obra e o que requer de soluções técnicas, inéditas e criativas, a construção de imensas galerias subterrâneas em uma cidade altamente urbanizada e que não pode parar, para tornar realidade um complexo sistema como o nosso, no qual milhões de passageiros viajam com segurança em trens velozes e modernos.

Sem falar nas controvérsias costumeiras das obras públicas. Muitas vezes, forças vigorosas tentam impor interesses privados, em prejuízo do público, como inúmeras vezes noticiado, lançando mão de ameaças e chantagens - mas que nele sempre encontraram a muralha intransponível das suas convicções morais.

Lutou e sofreu muito para construí-lo. Foi uma epopeia, uma batalha sem tréguas, uma travessia desassombrada por um terreno minado que a outro teria desanimado, menos a ele, que possuía a fibra de um gladiador.

As linhas 1 e 2 do Metrô do Rio foram no passado o seu desafio; hoje são a sua realização e, para sempre, serão o marco de sua capacidade intelectual e moral.

Foi tão notório o volume de sua obra no Metrô do Rio que essa façanha o projetou nacional e internacionalmente. Ele foi convidado a prestar serviços e elaborou estudos para a rede de transporte e fluidez no trânsito em várias cidades do Brasil e em outros países, como Uruguai, Bolívia, Paraguai e Peru.

Era um dos especialistas em transportes mais respeitados do país, com extenso currículo acadêmico: doutor em Engenharia de Transportes pela UFRJ; professor titular do IME; orientador de teses de mestrado e doutorado no IME e na Coppe e rapporteur (relator) de teses de doutorado no Institute des Ponts et Chaussées da Universidade de Paris são alguns dos títulos que demonstram sua expertise.

Quando o convidei para compor a chapa, e juntos vencemos a última eleição, tive a imensa honra de conviver com sua amizade sincera, suas ponderações justas, seu trabalho devotado à terra que o viu nascer, em Copacabana, e a qual ele amou, engrandeceu e serviu por toda a sua vida.

Por onde andarmos em nossa cidade - nestes dias difíceis de violência e corrupção, que a todos entristece, humilha e envergonha -, seja na imensidão dos trilhos do Metrô, seja na Autoestrada Lagoa-Barra, seja na Linha Amarela, haveremos de lembrar-nos do Fernando Mac Dowell que nelas colocou a nobreza do seu caráter à disposição de todos. Não há um só registro de uma atitude violenta ou um escândalo de corrupção que manche sua biografia exemplar.

À frente da Secretaria Municipal de Transporte e depois presidindo o Conselho Consultivo Autoridade da Mobilidade e dos Transportes do Município do Rio de Janeiro foi incansável na elaboração das soluções pacíficas para as mais duras controvérsias envolvendo ônibus, táxis, vans e aplicativos, em momento de grave crise econômica e anômico desemprego, o que impunha conter as tarifas públicas. Ele o fez com a coragem de quem na vida nada temia e nada devia, sempre priorizando o sagrado interesse do povo.

Ele foi um extraordinário carioca que soube cumprir com grandeza a sua missão. Dignificou, honrou e fortaleceu as tradições morais e de caráter da nossa gente humilde e valente. Não traiu jamais as tradições de moralidade que nos legaram o exemplo de tantos heróis que aqui nasceram e cujas vidas tiveram nele um reflexo à altura de sua grandeza.

É assim que com admiração, respeito, gratidão e o apreço de todos nós, o vimos subir os degraus do Panteon dos Nobres de nossa amada cidade do Rio de Janeiro, onde ficará para sempre velado pela nossa gratidão e a reverência de todos os que hoje andam pelas avenidas e pelos trens que ele, com sua inteligência, criatividade, honestidade e competência nos legou para sempre.

Que Deus o tenha. Que Deus console sua querida família, onde ele também demonstrava seu excepcional caráter de pai e esposo.

Marcelo Crivella é prefeito do Rio de Janeiro



O Dia, Opinião, Marcelo Crivella, 22/mai