quarta-feira, 23 de maio de 2018

Para reduzir o déficit da mobilidade urbana


O anseio por melhorias de locomoção nas cidades é frequentemente respondido com construção de vias expressas, alargamento de ruas e asfaltamento. Porém, estudos mostram que tais investimentos estimulam o uso cada vez maior de carros e motos, principais responsáveis pelo aumento de acidentes, poluição, custos e congestionamentos. Para combater tal contradição, a Política Nacional de Mobilidade Urbana definiu como diretriz a priorização dos serviços de Transporte Público Coletivo (TPC) sobre o transporte individual motorizado.

Viabilizar esse setor não é trivial. A receita tarifária não cobre o custo do negócio, cuja existência só se justifica - aqui e em todo o mundo - pelos benefícios sociais, econômicos e ambientais. No Brasil, tenta-se superar isso com reajustes tarifários e subsídio público, o que esbarra na opinião pública e em restrições fiscais. E, sem recursos, compromete-se a qualidade do serviço e postergam-se investimentos. Em 2015, o BNDES estimou um déficit de 1.633 kms de sistemas sobre trilhos e BRTs, ou R$ 234 bilhões. Cifras impressionantes, mas não inalcançáveis.

A boa notícia é que há margem para redução de custos operacionais mediante diminuição de ineficiências e riscos econômico-financeiros. E, mesmo sem revisão de tarifa, há potencial de incremento da receita via aumento da demanda atendida. A má notícia é que ainda serão necessários recursos externos à operação, que não convém mais dependerem do orçamento público. Para auxiliar o enfrentamento da questão, o BNDES elaborou 10 medidas com impacto direto na viabilidade do TPC, divididas em 3 eixos. Eixo de aumento de receitas: 

1) evitar competição entre modos de TPC; 

2) desestimular o uso isolado de carros e motos; 

3) melhorar a infraestrutura para pedestres e bicicletas e integrá-la ao TPC; e

4) elaborar políticas de uso do solo que promovam adensamento e diversificação de atividades em torno das estações de TPC em todas as áreas da cidade. Eixo de redução de custos e riscos associados: 

5) planejar o sistema de transporte de forma integrada;

6) racionalizar a escolha das tecnologias a implantar; 

7) otimizar a estrutura de custos de operação; 

8) instituir agência reguladora técnica e independente; e

9) manter um corpo funcional qualificado na administração pública.

Eixo de diminuição da dependência do orçamento público, hoje utilizado para cobrir custos de construção e operação:

10) criar fontes de recursos estáveis e exclusivas que também desencorajem o uso de carros e motos, como taxação de combustíveis, cobrança por congestionamentos e pagamento por estacionamentos.

Assim, o gestor facilita a obtenção de apoio consultivo e financeiro para estruturar e implementar seus projetos. O BNDES, o Ministério das Cidades e a Cooperação Financeira Alemã via KfW lançaram recentemente o Guia TPC para seleção de tecnologias e implementação de projetos, que aborda essas medidas.

Luciene Machado é superintendente de Saneamento e Transporte do BNDES



O Globo, Opinião, Luciene Machado, 23/mai