quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

BNDES quer ampliar financiamento a prefeituras e firmas médias


Com a diminuição dos juros subsidiados, o novo presidente do BNDES, Joaquim Levy, herdará um banco com missão inédita: correr atrás de clientes. Obrigada a adotar estratégia mais pró-ativa, a instituição fez um mapeamento de cidades e de médias empresas com as quais nunca teve relacionamento com o objetivo de lhes oferecer financiamentos a projetos e bens de capital. O BNDES estima que a iniciativa tem potencial para render R$ 30 bilhões em negócios, dos quais R$ 3,4 bilhões já estão prontos para sair do papel.
A guinada é uma necessidade identificada pela consultoria Roland Berger, contratada ainda na gestão de Maria Silvia Bastos Marques (20162017) para desenvolver planejamento estratégico semelhante ao que havia feito para o KfW, banco de fomento alemão. Mas o plano começou a ser executado este ano.
Uma das recomendações foi a criação, em maio, da Área de Fomento e Originação de Crédito. Cabe a ela a captação de novos negócios para o banco. Paralelamente, o BNDES resolveu ampliar o papel dos escritórios regionais que mantém em São Paulo, Brasília e Recife, para que contemplem o fomento em todas as regiões do país. Segundo executivos do banco, isso é essencial porque o BNDES não possui agências.
PERFIL DE RISCO DAS CIDADES
A postura mais pró-ativa do BNDES se dá num contexto de redução de sua vantagem competitiva frente a outros bancos. Até 2017, o crédito concedido pelo banco era regido pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), historicamente mais baixa que os juros básicos do país e que as taxas pagas pelo Tesouro para captar seu recursos. Ou seja, o BNDES tinha condições de emprestar dinheiro a juros que, se fossem seguidos pelos bancos privados, acarretariam prejuízo. Assim, a demanda pelo crédito barato era sempre alta.
Este ano, porém, a TJLP foi substituída pela Taxa de Longo Prazo (TLP), que perderá progressivamente seus subsídios até 2023, quando se tornará igual às taxas de mercado. A TLP foi criada pelo governo Michel Temer no quadro de esforço fiscal, para reduzir o custo dos empréstimos do BNDES que recaem sobre o Tesouro.
- A TLP (Taxa de Longo Prazo) trouxe uma série de desafios para o banco, uma vez que ela reduz a vantagem competitiva do banco em termos de crédito. Isso foi um dos motivadores dessa nova postura - afirmou Ricardo Ramos, diretor de Estratégia e Transformação Digital do banco. - Diferentemente do passado, minha meta agora é trazer novos clientes. Se lá atrás o banco já tinha o interesse em interiorizar sua atuação, isso nunca foi feito de forma muito ativa. Os escritórios regionais sempre tiveram papel muito mais institucional.
Um dos pilares da iniciativa é a Campanha "Desenvolve Cidades", voltada para municípios. O BNDES aproveitou a 21ª Marcha dos Prefeitos, no fim de maio, para iniciar uma aproximação. A partir dali, promoveu uma avaliação do perfil de risco das cidades, para encontrar aquelas que estavam aptas a desenvolver projetos em conjunto com o banco em áreas de impacto social, como iluminação pública, saneamento básico, saúde, segurança e energia limpa (como o biogás). Ao todo, foram selecionados 180 municípios, dos quais 73% são clientes novos -ou seja, cidades que não têm operações ativas ou não realizaram operações diretas com o BNDES nos últimos 5 anos.
Até agora, 13 cidades já protocolaram projetos no banco, somando R$ 1,1 bilhão em contratos. Outras dez estão em fase de estruturação. O BNDES não revela quais cidades estão no grupo. Ainda segundo o banco, entre os 180 municípios mapeados, a participação das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste é "significativamente maior" que a proporção delas no Produto Interno Bruto (PIB).
No caso das empresas, uma das metas é combater a percepção de que o BNDES só empresta a grandes companhias, considerada injusta por executivos do banco. Desde setembro, o banco utilizou softwares baseados em inteligência artificial para identificar médias empresas "escaláveis" (com potencial de alto crescimento) que jamais tiveram relacionamento com o banco. A seleção identificou 285 companhias com esse perfil, e agora o banco realiza filtragem adicional que deve resultar em um grupo de cem empresas que poderão receber crédito. O BNDES não soube estimar quanto em recursos devem ser disponibilizados a elas. O banco pode tanto entrar em contato diretamente com as empresas ou convidá-las para apresentações em parceria com órgãos como Sebrae e CNI.
PRAZO MENOR PARA CRÉDITO
O banco também tem investido na digitalização da concessão de crédito e na redução dos prazos. A primeira mudança foi estabelecer uma porta de entrada única às linhas de financiamento do banco, a chamada "habilitação". Como explicou Ricardo Ramos, até então uma empresa precisaria ser avaliada duas vezes caso tentasse acessar linhas diferentes do banco. Agora, uma única etapa de cadastro e avaliação de compliance e risco serve para todos os pedidos de financiamento. O BNDES criou "esteiras" de acesso, que separam o crédito em quatro tipos. Há desde concessões automáticas, como a de capital de giro e de máquinas e equipamentos, até a de projetos de infraestrutura.
A expectativa do banco é que essas iniciativas levem a uma redução de 43% a 75% do prazo para liberação dos recursos. A meta oficial é que pelo menos metade das operações seja aprovada em menos de 180 dias (sem considerar os créditos automáticos). Hoje, o prazo médio é de 243 dias.
Um dos planos é incrementar a concessão de crédito pela internet. O site BNDES Online, lançado em 2017, permite a contratação praticamente automática de financiamento para máquinas e equipamentos, por exemplo. O banco quer agora ampliar esse escopo, disse Ramos.
Se a TLP obriga o BNDES a se esforçar para emprestar, a tarefa fica ainda mais difícil com a desidratação da demanda das empresas, legado da recessão. A meta do BNDES é fechar o ano com R$ 71 bilhões emprestados. Se cumprir a meta, o volume representará cerca de 1% do PIB. Segundo dados do Observatório de Política Fiscal do IBRE-FGV, seria a menor participação desde 1995. Até novembro, porém, o BNDES ainda estava distante desse patamar, com R$ 55 bilhões desembolsados, 9% menos que o emprestado no mesmo período de 2017.


O Globo, Rennan Setti, 31/dez