quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Com juros baixos, alugar imóvel volta a ser opção atrativa


Investimento conservador que costuma fazer especialistas torcer o nariz, a aquisição de um imóvel para alugar ficou mais atrativa na comparação com outros ativos de renda fixa desde que as taxa de juros caíram para patamares mínimos históricos.
O mesmo não é dito quando o assunto é a poupança, que ainda domina as aplicações.
É uma questão matemática: com a Selic a 6,5%, o ganho bruto mensal de investimentos em renda fixa tradicional é de 0,47%. Na poupança, o rendimento é de 70% da Selic, ou 0,37%.
É percentual semelhante ao 0,4% a 0,5% obtido por um proprietário que deseja alugar um imóvel. O cálculo é feito com base no valor de avaliação da propriedade: um apartamento que vale R$ 300 mil poderia ter valor mensal de aluguel de R$ 1.500.
Segundo o professor William Eid, coordenador do Centro de Estudos de Finanças da FGV, o movimento de migração para imóveis é comum em economias desenvolvidas, como Europa e Estados Unidos, onde os juros muito baixos estimulam a diversificação em investimentos desse tipo.
"Imóvel compõe portfólio de investimentos no mundo todo. A gente passou por momentos de crise que deturparam a visão", afirma Daniel Varajão, planejador financeiro pela Planejar, associação de profissionais do setor.
Com juros elevados, como os 14,25% -ou 1% ao mês- que o Brasil viveu há poucos anos, ter dinheiro imobilizado em um imóvel e rendendo a metade do que o obtido em investimentos de pouco risco não fazia muito sentido, do ponto de vista financeiro.
Os riscos desse mercado, como vacância, custos de manutenção e a necessidade de manter o valor do bem imobilizado, no entanto, persistem.
Varajão se apropria de um conceito de contabilidade para alertar sobre os riscos do investimento mesmo no cenário de juros baixos.
"Ativo é aquilo que gera receita, não despesa." Portanto, não faz sentido entrar em um financiamento imobiliário e pagar juros para ter um imóvel para alugar no futuro.
Da mesma forma, o imóvel gera despesas -como custos de manutenção, que ficam sob responsabilidade do proprietário mesmo que esteja alugado- que precisam ser incluídas no cálculo de rentabilidade. Há ainda a baixa liquidez -a demora em vender o imóvel se precisar de dinheiro.
"As pessoas reaprenderam o que é uma reserva de capital. Não se torra esse dinheiro de uma hora para outra", diz o advogado Jaques Bushatsky, diretor de Legislação do Inquilinato do Secovi-SP (sindicato que representa o setor imobiliário).
Eid, da FGV, lembra ainda que nada de concreto mudou no cenário econômico do país e que, por enquanto, juros e inflação em baixa refletem expectativas. Por isso, comprar imóveis agora em que a economia ainda se recupera lentamente pode ser arriscado.
Ele acrescenta que, apesar de haver uma percepção de que brasileiros estão mudando hábitos de investimento, isso não se reflete na massa de aplicações.
O Tesouro Direto divulgou que o número de investidores ativos na plataforma subiu 35% em 12 meses até novembro, para 752 mil pessoas.
Essa massa, porém, é uma fração dos mais de 100 milhões de poupanças do país e da estimativa de 8 milhões de investidores que aplicam via fundos.
O professor diz ainda que uma pesquisa feita na FGV mostrou que o brasileiro tem, em média, R$ 2.000 na poupança. O valor é equivalente à renda média mensal, o que significa que quase não há poupança. E esse valor não muda de aplicação.
"Essas pessoas estão muito bem enquadradas na base da pirâmide, e nesse patamar o investimento é de proteção contra a pobreza. Elas não estão preocupadas com rentabilidade, mas com a segurança", afirma Eid.
"Por isso ficam na poupança e imóvel com rendimento péssimo", complementa.
No caso dos imóveis, há ainda a segunda fonte de renda, que também funciona como uma garantia, lembra Varajão, da Planejar.
Eid questiona ainda o crescimento do número de investidores na Bolsa. Segundo a B3, o país tinha 813 mil investidores, mas o dado tem sobreposição de CPFs. Se um mesmo investidor tem conta em duas corretoras, ele é contado duas vezes.
"Em 2012 fizemos um estudo com declarações de Imposto de Renda dos candidatos. O percentual do patrimônio deles investido em Bolsa era de 0,29%", diz o professor da FGV.
Com esse exemplo, que tende a pegar uma fatia da população com renda mais elevada que a média, ele ilustra quão baixa é a disposição dos brasileiros à diversificação e ao risco.
Como planejador financeiro, Varajão é menos cético e vê entre investidores maior disposição à diversificação. Ele defende que aplicações em Bolsa deveriam levar em consideração a fase de vida e o apetite a risco, mais do que o valor que o investidor tem para aplicar.
"A gente veio de um histórico de juros altos. Quem vai fazer qualquer outro investimento se tem 1% ao mês de ganho com baixo risco? O juro alto reprime investimento nas outras classes de ativos. Quando o BC mantém juro baixo por período longo, mesmo quem não tem conceitos financeiros arraigados procura mais rentabilidade", afirma.


Folha de São Paulo, Tássia Kastner, 28/jan