Os efeitos da pandemia da Covid-19 devem mudar o perfil do Centro do Rio. Com lojas comerciais fechando as portas e uma adesão ao home office que deverá se prolongar, a tendência é que a área passe a ter uma ocupação mista. Os escritórios e grandes empresas devem "encolher" e muitos serão substituídos por espaços de co-working (locais de trabalho compartilhados). No lugar de muitas salas comerciais, devem surgir residências, segundo a avaliação de urbanistas e especialistas no mercado imobiliário. A reinvenção do Centro também pode levar ares retrô ao coração financeiro da cidade.
O arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães diz que a ocupação mista, que tem tudo para vingar a médio prazo, deve revisitar um cenário de antes dos anos 1960, quando a região do Castelo, por exemplo, tinha mais moradores do que trabalhadores. Com a mudança, viria a reboque um outro efeito positivo: a vida noturna seria revitalizada, acredita Magalhães.
- Há mudanças no curto prazo, como o fechamento de lojas e restaurantes, que podem não ser permanentes. Mas há muita possibilidade de se manter a redução da área ocupada por corporações ou atividades de serviço. Essas áreas ociosas podem ser recicladas, pois, em geral, são edifícios de boa qualidade. É possível que, a médio prazo, o Centro se torne um lugar de ocupação mista, perdendo a condição de espaço exclusivamente corporativo - diz Magalhães.
Escritórios vazios
A pandemia aumentou a entrega das chaves de pontos comerciais. Hoje 40% dos escritórios da região estão vazios, segundo estimativas da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis. A entidade está pessimista e estima que esse percentual de desocupação possa atingir até 53% no bairro que hoje responde pela segunda maior arrecadação de IPTU da cidade (8% da receita total de mais de R$ 3 bilhões).
A ociosidade pode ser explicada por uma série de fatores. Entre eles, a tendência, apontada por pesquisas, de que empresas tradicionais permaneçam com parte dos trabalhadores em casa após o fim do isolamento social. É o caso da Petrobras, por exemplo, que avalia manter pelo menos parte da equipe em home office.
O empresário Claudio Castro, da Sérgio de Castro Imóveis, diz que pandemia veio sacramentar um fenômeno que já se esboçava. Ele mesmo desejava investir em moradias no Centro e conta que a imobiliária negocia com duas empresas a compra de um prédio onde funcionava uma antiga estatal, perto do Morro da Conceição. A expectativa é que o imóvel seja convertido em residencial. Nas imediações da Visconde de Inhaúma, também está previsto um residencial no terreno de um estacionamento.
Outro prédio comercial que tem vocação para virar familiar é o histórico edifício A Noite, na Praça Mauá. Na terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que o imóvel deve ir a leilão até setembro, por R$ 90 milhões.
Castro observa que muitos prédios antigos, entre cinco e doze andares na Avenida Rio Branco (entre a Praça Mauá e a Visconde de Inhaúma) e no entorno da Franklin Roosevelt, podem ser convertidos em moradia. É mais vantajoso financeiramente para o mercado transformar o uso dos edifícios do que investir para que eles se tornem "inteligentes", como necessitam as grandes corporações.
Facilidade de transporte
O presidente do IAB-RJ, Pedro da Luz Moreira, enumera vantagens para se morar no Centro. Ele cita a boa infraestrutura urbana (redes de água e esgoto), facilidade de transportes (linhas de Metrô, barcas, ônibus e VLT) e de equipamentos culturais (museus e teatros). Além disso, observa, a região poderia atender a um nicho do mercado imobiliário de menor poder aquisitivo, mas que tem interesse em imóveis de qualidade:
- Se não há necessidade de tantos escritórios no Centro, existe uma demanda por residência que deve ser explorada nessa área.
Arquiteto e urbanista, Washington Fajardo pondera, no entanto, que, embora o Centro tenha vocação residencial, é preciso estimular que comércio e serviços, bastante afetados pela pandemia, permaneçam abertos para ajudar na transição.
- A ocupação residencial está muito ligada a uma boa localização. E, hoje, nem todo o Centro oferece imagem positiva por estar ligado à impressão de abandono e bagunça. Se o comércio fecha, as ruas esvaziam e aumenta a sensação de insegurança. Se essa tendência se mantiver, em lugar de ganhar, o Centro vai perder moradores -observa Fajardo.
Vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, José Antônio Brito também ressalta que é necessário melhorar as condições de segurança e infraestrutura. Para ele, que ainda não conseguiu contabilizar a quantidade de lojas que fecharam recentemente, a pandemia exponenciou os problemas da área.
- O Centro está vivendo uma decadência muito acelerada nós últimos dez anos. Perdeu muita musculatura porque várias atividades desistiram da região. Até escritórios de advocacia estão saindo dali, onde é o seio do Judiciário da capital e do estado, e migrando principalmente para a Zona Sul - avalia. - É um festival de problemas: calçamento, iluminação, informalidade. Daqui a pouco os imóveis vão valer um chiclete, de tão baratos. Os preços dos aluguéis desabaram, mas é devolução atrás de devolução.