Permissão para regularizar construções em áreas formais vizinhas a favelas, para a abertura de lojas em andares térreos de prédios residenciais de parte da cidade e para atividades comerciais em 10% do espaço de clubes das zonas Norte e Oeste estão entre as 13 emendas incluídas no chamado Projeto dos Puxadinhos, aprovado no início da madrugada de ontem pela Câmara Municipal.
O texto, que muda temporariamente regras urbanísticas do Rio, foi votado ao fim de uma sessão que durou seis horas. Mesmo com alterações na proposta original da prefeitura, a iniciativa voltou a receber uma enxurrada de críticas de urbanistas e vereadores da oposição. O Ministério Público do estado, que viu ser revogada uma liminar que paralisava a tramitação do projeto, informou já estar avaliando outras medidas para tentar impedir a sanção da lei.
O Projeto de Lei Complementar (PLC) do Executivo foi aprovado por 29 votos a 19 (três a mais que o necessário), com três abstenções. A pedido da prefeitura, que temia uma nova decisão judicial desfavorável, foi incluído às pressas na ordem do dia da Câmara. Se for sancionada, a lei dá prazo de 60 dias para quem construiu ou quer fazer obras fora dos padrões urbanísticos atuais apresentar um requerimento e outros 30 para quitar à vista uma contrapartida a ser fixada.
É exigido somente que as alterações estejam enquadradas na nova legislação. O município acena com um desconto de 40% em cima do valor a ser avaliado por técnicos. A secretária de Urbanismo, Fernanda Tejada, estima arrecadar R$ 600 milhões com a nova mais-valia.
De casas a pequenos hotéis
Pelo projeto, casas erguidas acima das chamadas cotas 100 e 60 (metros acima do nível do mar), poderão virar pequenos hotéis, asilos ou escritórios, desde que o tamanho permaneça o mesmo. Nas chamadas franjas de comunidades - áreas formais coladas às favelas, não preservadas - também será permitida uma mudança de uso, de residencial para misto ou comercial. Poderão ainda ser regularizadas construções que, mesmo em desacordo com o gabarito atual, estejam na média das quadras. Emendas, no entanto, limitaram algumas das mudanças a determinadas áreas da cidade.
- Cariocas, apertem os cintos porque o planejamento urbano sumiu. É tudo irracional e vergonhoso - reclamou o arquiteto e urbanista Washington Fajardo. - A prefeitura vai ganhar muito pouco, e a cidade vai perder demais.
Professor da UFF e conselheiro do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Pedro da Luz disse que o projeto representa "um desmoronamento do sistema de planejamento da cidade":
- Não entendo o açodamento. Aproveitaram a pandemia para aprovar uma lei que vai ser muito prejudicial ao Rio. Ela nada mais é do que mensagem de que, agora, vale tudo.
A secretária de Urbanismo defendeu a iniciativa:
- Vamos respeitar áreas preservadas e os gabaritos. Qualquer obra acima da Cota 100 continua precisando de autorização do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Sanção na íntegra
Vereadores da oposição se manifestaram de forma indignada. Em vão.
- Esse é o projeto mais louco que já foi apresentado na Casa - afirmou a veterana Rosa Fernandes (PSC).
Ex-aliado do prefeito Marcelo Crivella, Paulo Messina (MDB) disse que o projeto é um aviso de "pagou, construiu". Ele prevê "mais desorganização urbana no Rio". Por sua vez, Paulo Pinheiro (PSOL) descreveu a iniciativa do Executivo como uma "atitude irresponsável":
- É uma pandemia urbanística, cujos efeitos serão sentidos pelos cariocas por mais tempo que a Covid-19.
Líder do governo, Doutor Jairinho (Solidariedade) rebateu:
- A proposta é uma reunião de vários projetos que tramitam na Câmara.
O projeto emendado ainda será analisado pela prefeitura, mas Jairinho e Fernanda Tejada acreditam que será sancionado sem vetos.
O que pode se fazer em 60 dias
Como participar
Os interessados em recorrer às novas medidas têm até 60 dias, a contar do lançamento do sistema de requerimento on-line, para apresentar seus pedidos. Pode aderir quem não quitou a contrapartida já calculada na vigência de lei anterior (192/2018) e o morador do Rio que quer regularizar uma construção ou licenciar uma obra nova.
Taxa
Sobre o valor calculado por técnicos da prefeitura, será dado um desconto de 40%. O pagamento deve ser feito à vista e em até 30 dias. Para as novas autorizações, o prazo começa a contar a partir da emissão do laudo.
Uso misto
Prédios residenciais poderão ter uso misto - ou seja, lojas - no andar térreo. A medida vale para os chamados Centros de Bairros 1 (principais corredores, como as ruas das Laranjeiras e Visconde de Pirajá, em Ipanema) e 2 (vias de serviço secundárias, como as ruas Corrêa Dutra e Dois de Dezembro, no Flamengo). Os condôminos precisam aprovar a mudança de perfil.
Apartamento de porteiro
Desde que seja no térreo, poderá ser transformado em sala comercial. Vale para Centros de Bairros 1 e 2. Também será exigida anuência dos condôminos.
Aumento de gabarito
O cálculo será pela média da altura da quadra onde fica o imóvel. Uma emenda estabeleceu que a medida não vale para a Zona Sul e trecho da Barra (Barrinha e Jardim Oceânico).
Puxadinhos
Autoriza acréscimo de um andar de cobertura, em prédios com três pavimentos ou mais. Vale para toda a cidade.
Subsolo
Poderá haver lojas de subsolo em vias que sejam dos Centros de Bairros 1 e 2.
Hotéis
O projeto permite a regularização de cerca de 20 hotéis planejados para a Olimpíada que não foram concluídos. Já o dispositivo que previa transformar hotéis em residências multifamiliares foi derrubado.
Franjas de encostas
Será permitida a mudança de uso residencial para misto e comercial em áreas coladas a favelas, num raio de até 200 metros. Uma emenda excluiu as áreas que estão nas regiões administrativas de Botafogo, Copacabana, Lagoa, Ilha do Governador e Rocinha, além da região de Irajá. Nas áreas permitidas, poderão ser construídos prédios de até dez andares, respeitando o gabarito do local. A medida não se aplica a áreas protegidas e é preciso ter rua de acesso à edificação. O terreno não pode ser irregular. Na região de Jacarepaguá, Barra, Recreio e adjacências, o imóvel só pode ter um pavimento.
Cotas 60 e 100
Será permitida a conversão de imóveis, desde que sejam mantidos os mesmos tamanhos. No lugar de uma casa, pode surgir um escritório, um asilo, um pequeno hotel etc.
Clubes
Um emenda permite que clubes nas zonas Norte e Oeste destinem 10% de sua área para atividades comerciais.