quarta-feira, 8 de julho de 2020

Regularização fundiária em favelas é instrumento para mitigar pobreza


O país caminha para completar mais uma década perdida, agora sob a tragédia de uma pandemia. Para este ano, prevê-se queda de até 10% no Produto Interno Bruto. Para o próximo, sobram incertezas. O país empobrece. Nas últimas quatro décadas, o crescimento médio anual do PIB estacionou no patamar de 2,1%.

Um dos efeitos perversos do baixo crescimento, combinado à concentração da renda, está no processo de favelização das cidades. Dados recém-divulgados pelo IBGE mostram uma duplicação das favelas. Eram 6.329 em 2010. Já são 13.151 - aumento de 107,7% em dez anos.

A expansão acelerada deixou de ser fenômeno das grandes cidades como Rio e São Paulo, que abrigam 20% desses domicílios. Em 2010, estavam visíveis em 323 municípios. Ano passado se espalhavam por 734 cidades. Crescimento de 127,2%.

Há cidades, como Belém, com mais da metade (55,5%) dos lares situados em comunidades. Mas o recorde, na medição do IBGE, é de Vitória do Jari, no sul do Amapá. Tem apenas 26 anos de existência e 12 mil habitantes. Desses, 74% (nove mil) sobrevivem em áreas de absoluta carência. Detalhe importante: todas as favelas brasileiras estão próximas (máximo de 5 km) de um posto do Sistema Único de Saúde.

O avanço da favelização das cidades preocupa, e o crescimento econômico, com melhor distribuição da renda, é vital para sua reversão. No entanto, é possível fazer mais, já.

A melhoria das condições de vida nessas zonas periféricas depende da iniciativa do Estado brasileiro, que pode e deve fornecer título oficial de propriedade aos habitantes.

O governo Fernando Henrique Cardoso chegou a montar um programa de regularização fundiária, com financiamento do Banco Mundial, apoiado pela ONU. Malogrou na crise fiscal. O governo Lula retomou a ideia logo na primeira semana de janeiro de 2003, quando anunciou a titulação de propriedades nas favelas, para permitir que as pessoas nessas áreas tivessem um tipo de garantia real aceitável no mercado de crédito bancário, alavanca-chave para a ascensão social.

Nada aconteceu. Agora, o governo Jair Bolsonaro prevê criar um programa de renda mínima, unificando iniciativas existentes de assistência social, como o bem-sucedido Bolsa Família, resultado da fusão de anteriores. A regularização fundiária seria essencial para mitigar a pobreza extrema cumprindo aquilo que é dever do Estado: promover o reconhecimento da cidadania de milhões de pessoas que sobrevivem nesses "aglomerados subnormais", como classifica o IBGE.



O Globo, Editorial, 08/jul