Empresas brasileiras esboçam planos para receber um maior número de funcionários nos escritórios em 2021. O retorno tem sido considerado necessário para preservar a saúde mental de funcionários e a cultura das empresas. Mas, quando as medidas de combate à pandemia forem eliminadas, modelos mais flexíveis de trabalho irão prevalecer.
Na sede da holding Votorantim S.A., na zona Sul de São Paulo, cerca de 40% dos cerca de 80 funcionários estão executando suas atividades presencialmente. Com alguma flexibilidade, explicou o diretor financeiro, Sérgio Malacrida, pois elas podem trabalhar uma parte do dia e ir para casa ou até não comparecer em um dia da semana. Mas o plano é que o trabalho presencial, com a disponibilidade da vacina e todos já seguros frente à pandemia, retorne aos 100%. “Os ganhos de produtividade e qualidade são enormes, pois permite maior interação e manter a cultura da empresa nas discussões”, diz Malacrida.
Na Unipar, maior fabricante de cloro-soda e segunda maior produtora de PVC na América do Sul, o home office em tempo integral deve ser uma realidade em 2021 apenas para a área de serviços ao cliente. No administrativo, o presidente Maurício Russomanno diz que a experiência de trabalho remoto na pandemia mostrou que esse sistema funciona adequadamente, mas tem tempo de validade. “Se a empresa já tem processos estabelecidos, uma cultura consolidada, as coisas acontecem na inércia em um primeiro momento. Mas a partir de determinado ponto, há perda de qualidade”, afirma.
“A decisão de voltar ao escritório denota uma preocupação das empresas de estarem perdendo o que é subjetivo, o que não é possível conseguir de forma remota e que faz diferença”, avalia a consultora Betania Tanure, da BTA.
Antonio Salvador, diretor-executivo da Mercer, considera que há muitos aspectos de cocriação que estão funcionando bem no remoto, como análise de dados, squads de desenvolvimento e preparação para reuniões. “Mas o presencial é fundamental para as conexões, para o debate de ideias e de novas estratégicas. E, mudar uma cultura remotamente, é muito mais difícil”, diz Salvador. A questão da cultura, onde o presencial ajuda na cocriação e no engajamento, também pesa para a incorporadora MRV. O plano do copresidente Rafael Menin é manter um modelo de trabalho pós-pandemia, onde o presencial envolva mais de 85% da força de trabalho administrativa.
A Evoltz, que atua em linha de transmissão de energia, diz que o trabalho no escritório funciona como um “indutor de crescimento” e é mais eficiente para o negócio. Para o retorno seguro de 95% dos cerca de 100 funcionários, a partir de setembro, investiu R$ 2 milhões. Entram na conta a readequação dos escritórios no Rio e Brasília e o custeio de táxi para funcionários que não vêm de carro. “Quando mantivemos todo mundo em casa, o trabalho funcionou bem. Mas nós sentíamos as pessoas mais cansadas e angustiadas estando distantes. O desejo da maioria era voltar”, diz João Batista Nogueira, CEO da Evoltz.
Na construtora Tecnisa, 15% dos funcionários estão dando expediente no escritório. A empresa abriu as portas há um mês e meio ao perceber, segundo o presidente Joseph Nigri, que as pessoas estavam esgotadas de trabalhar em casa e nem todas se acostumaram ao home office. Voltou quem quis e mais gente gostaria de ir, diz Nigri, não fosse o fato de morarem com familiares do grupo de risco ou depender do transporte público. Para 2021, o plano é deixar apenas um dia de home office. Na concessionária de rodovias, CCR, o retorno começou há mais tempo, mas se deu pelo mesmo motivo. “A relação pessoal é muito importante. Eu mesmo me surpreendi com pessoas que, de início, gostaram do home office e hoje querem voltar ao escritório”, diz Marcus Macedo, superintendente de relações com investidores da CCR.
A satisfação dos brasileiros com o home office caiu de 71,3% em fevereiro, antes da pandemia, para 57% em março. Foi para 45% em junho, quando o trabalho remoto se tornou permanente, segundo levantamento da Orbit Data Science. Nos meses seguintes, houve uma adaptação de muitos profissionais, mas o percentual dos insatisfeitos foi de 43% em outubro. Essa percepção foi capturada com uma análise de 5 mil comentários sobre o tema em três redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram) e portais de notícias. Do lado de quem critica o home office, há justificativas envolvendo a sobrecarga de trabalho, adaptação ruim (ocasionando dores nas costas e estresse), distrações e saudades dos colegas. Quem elogia fala em flexibilidade e em aconchego. “Observamos uma crise de imagem do home office e, em outubro, há uma polarização entre quem deseja voltar e quem deseja ficar”, diz Caio Simi, CEO da Orbit Data Science.
Encontrar um formato de trabalho que atenda a esses dois lados é o desafio atual das companhias que esboçam planos para um modelo de trabalho “híbrido” em 2021. “O formato 100% em “home office” está desgastado, e o modelo 100% presencial está esgotado”, diz Nigri, da Tecnisa. O que irá variar daqui para frente, dependendo do negócio e da cultura, é para qual lado esse pêndulo irá, avalia José Cláudio Securato, CEO da escola de negócios Saint Paul.
O que é consenso nesse movimento é que, quem voltará, não encontrará os escritórios da mesma maneira ou tamanho. A Marisa, rede varejista especializada em moda feminina, entregou 30% dos escritórios para seguir um formato que prevê o trabalho duas vezes presencial e três dias em casa. “Vimos melhorias com o home office, como qualidade de vida para nossos colaboradores, redução de custos de transporte e despesas de alimentação, mas acreditamos que deve haver equilíbrio, com atividades presenciais que permitam haver interação entre as pessoas”, diz o presidente Marcelo Pimentel.
A subsidiária brasileira da farmacêutica francesa Aspen Pharma estuda reduzir a metragem do seu escritório nos próximos 12 meses e trabalhar um times dez dias presencial e o restante do mês em casa, segundo Alexandre França, presidente da operação no país. Enquanto na Hidrovias, que atua em logística com foco em cabotagem, o escritório está em obras para poder receber parte dos funcionários de volta e, na EDP Brasil, que atua em transmissão, comercialização e serviços de energia e tem 10 mil funcionários, uma nova sede está sendo montada.
Na visão de executivos e CEOs, embora a cultura presencial seja desejada quando o retorno completo for possível, há uma percepção de que “uma solução única não funciona para todos” e que é preciso flexibilizar formatos para atrair e reter talentos diversos.
Nesse movimento, há também grandes empresas que olham para 2021 com flexibilidade total. A agência de publicidade África diz que no pós-pandemia irá vigorar o modelo “Home e Studios”, onde as pessoas poderão trabalhar de qualquer lugar, inclusive no exterior. Mas o escritório continuará disponível porque, no fim, “nada substitui estar ao lado da pessoa, tomar aquele cafezinho para saber como estão as coisas e conversar ‘olho no olho’”. A PepsiCo, dona de 23 marcas em alimentos e bebidas como Toddy, Doritos e Gatorade, também investe em um programa no qual 1. 000 funcionários do administrativo terão a escolha entre trabalhar de onde quiserem ou do escritório, assim que ele for reaberto. “O objetivo é respeitar a individualidade de cada um”, diz Fabio Barbagli, VP de RH da PepsiCo Brasil.
Valor Enconômico, 23/nov