terça-feira, 21 de setembro de 2021

Crise na Evergrande: por que o mercado está em alerta e quais as possíveis consequências para o Brasil e o mundo

Conglomerado de construção civil tem dívida de US$ 300 bilhões e dá indícios que pode dar calote, comprometendo mercado de commodities, bancos e todo o financiamento da economia chinesa.

O mercado financeiro global abriu a segunda-feira (20) em derretimento com notícias preocupantes do grupo de construção chinês Evergrande, levantando preocupações com um possível "alerta de quebradeira" na China – e no mundo.

A reportagem responde abaixo as seguintes perguntas:

Quem é a Evergrande?

O que está acontecendo com a empresa?

Como começou a crise?

Quais os efeitos de um possível calote da Evergrande?

O que pode acontecer agora?

Quais as consequências para o Brasil?

1. Quem é a Evergrande?

A empresa é segunda maior do imenso mercado chinês, a ponto de fazer parte da lista Global 500, da revista Fortune, que reúne as maiores companhias do mundo em receita.

A Evergrande foi fundada em 1996 e alcançou a prosperidade no mercado imobiliário. A empresa assina projetos de construção em 280 cidades, tem uma subsidiária no mercado de veículos elétricos, uma empresa de mídia, um parque de diversões e um time de futebol, o Guangzhou Evergrande.

2. O que está acontecendo com a empresa?

A expansão da Evergrande foi patrocinada por um endividamento sem precedentes. A empresa tem mais de US$ 300 bilhões em débitos abertos, com juros rolando acima da capacidade de pagamento.

Dívida alta costuma ser característica comum em empresas de construção pela própria natureza do negócio. É necessário colocar dinheiro à frente para financiar projetos e aguardar o recebimento aos poucos, conforme os compradores financiam seus imóveis.

A Evergrande, contudo, esticou demais o comprometimento de caixa e a crise mundial causada pela pandemia abalou o faturamento previsto.

3. Como começou a crise?

O primeiro sinal de que havia desajuste aconteceu em agosto do ano passado, quando a construtora pediu socorro ao governo de Guandong (onde está sediada), pois não teria fundos para pagar dívidas com vencimento em janeiro. Um dos grandes investidores da empresa capitaneou o alívio e esticou o prazo de pagamento de US$ 13 bilhões.

Ainda assim, a crise de solvência seguiu. A empresa chegou a desenhar um plano para cortar US$ 100 bilhões da dívida até meados de 2023, mas até agosto havia cortado apenas US$ 8 bilhões. A agência de classificação de risco Fitch diz que algum tipo de calote é “provável”.

A situação chegou ao ponto de, segundo o jornal The New York Times, a empresa “forçar” os próprios funcionários a fazerem empréstimos de curto prazo em setembro deste ano para garantir o pagamento de bônus ao fim de 2021.

Neste sábado, a empresa disse em uma postagem do WeChat que os investidores interessados ​​em resgatar produtos de gestão de fortunas com ativos físicos devem entrar em contato com seus consultores de investimento ou visitar escritórios locais.

4. Quais os efeitos de um possível calote da Evergrande?

Listada na bolsa de Hong Kong, a empresa já perdeu quase 85% do seu valor de mercado. A queda no último pregão, desta segunda, foi de 10%. E o risco de calote de um grupo gigante de construção gera uma série de ameaças, tanto à economia chinesa como aos mercados internacionais.

Em resumo, os primeiros efeitos seriam os seguintes:

A maior parte dos enormes empréstimos tomados pela Evergrande saiu de bancos e instituições financeiras chinesas. Um calote generalizado no setor pode causar insolvência de todo o sistema chinês de financiamento;

Um prejuízo ao financiamento de empresas chinesas pode causar paralisação de atividade em todo o mundo, mais grave ainda nos principais parceiros comerciais do país;

A construção civil é um dos motores de emprego e de retomada da economia chinesa após a pandemia do coronavírus no último ano e meio;

O setor é um dos principais consumidores de commodities, como minério de ferro, cobre, entre outros materiais. Um baque nas cotações internacionais pode impactar países emergentes e exportadores desses produtos, inclusive o Brasil.

5. O que pode acontecer agora?

Para analistas de mercado consultados pelo G1, são dois os aspectos em que o mundo estará atento nos próximos dias. Primeiro, como será (se houver) o plano de resgate da empresa e qual será o impacto nos bancos financiadores e nos setores adjacentes na economia chinesa.

O analista afirma que há ainda uma crise de confiança causada pelo caso Evergrande, em que a disposição de negociar cai. Estima-se que a empresa tenha mais de 1,4 milhão de imóveis em construção, que podem nunca ser entregues.

E que, como a empresa tem um enorme estoque de ativos que precisarão ser liquidados às pressas — que vão de terrenos a casas não vendidas, passando pelo estádio de seu clube de futebol —, haverá uma pressão de desvalorização geral no setor.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) projetava alta de 8,1% do PIB chinês em 2021, segundo maior avanço entre os países analisados para este ano. Um espalhamento da crise da Evergrande pode colocar não só esse número em revisão, como de toda a cadeia global.

Toda a situação da Evergrande cria um dilema especial ao governo chinês. Por um lado, o presidente Xi Jinping precisa decidir nos próximos dias se cria um plano de resgate à empresa e se torna conivente com os excessos no sistema financeiro. Por outro, deixa a Evergrande afundar e coloca em risco toda a economia chinesa, que ainda se recupera da pandemia.

6. Quais as consequências para o Brasil?

A China é a principal parceira comercial do Brasil, em especial pela compra de commodities. Em plena pandemia do coronavírus, a balança comercial brasileira colheu superávit de US$ 50,9 bilhões, dos quais US$ 68 bilhões foram em exportações aos chineses.

Segundo a FGV, o superávit comercial do Brasil com a China equivale a 70,4% do saldo do país de janeiro a maio deste ano.

Nesta tarde, o resultado se mostrava na cotação das principais empresas exportadoras com ações listadas na bolsa de valores de São Paulo, a B3. Às 15h, a Vale acumulava queda de 5%. A Petrobras, de 3%. Braskem caía 9%. O Ibovespa, índice das principais ações da bolsa, recuava mais de 3%.

Raphael Martins, G1, 21/set