Reportagem do g1 mostrou que preços de aluguel dispararam depois de negociações 'generosas' durante a pandemia, e um dos motivos foi justamente a substituição do IGP-M pelo IPCA. Mas há situações em que o inquilino, com as condições devidamente previstas em contrato, pode pedir uma redução.
A redução do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) não deve reduzir os preços de aluguel no Brasil, apesar de seu apelido ser "inflação do aluguel". Isso porque boa parte desses contratos teve o indicador retirado depois de um "estouro" durante a pandemia. Mas há, sim, casos específicos em que o inquilino poderá pedir para que seu aluguel seja reduzido. (veja mais abaixo)
Nesta quinta-feira, dados divulgados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostram que o indicador passou a apresentar queda de 2,17% na janela de 12 meses terminados em abril. É a primeira vez desde fevereiro de 2018 que essa taxa fica negativa.
Mas a mudança deve ter pouca influência no mercado imobiliário porque, no início da pandemia, o IGP-M subiu a níveis indecentes, acima dos 37% na janela de 12 meses. E parte das negociações entre proprietários e inquilinos para os contratos de aluguel foi a troca do tradicional índice pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, a inflação oficial do país) como indexador nos novos contratos.
A mudança, inclusive, foi aconselhada por especialistas, já que o IPCA reflete melhor os custos de vida da população — tanto do proprietário, que terá sua renda reajustada adequadamente, quanto do inquilino, que terá um aumento mais correspondente aos demais preços.
Contratos de empresas grandes do setor, como o QuintoAndar, trazem hoje as cláusulas já referenciadas no IPCA.
Posso pedir para que o aluguel fique mais baixo?
Para especialistas ouvidos pelo g1, são necessárias algumas condições para que o inquilino possa pedir uma redução do aluguel com base na queda do IGP-M. E as seguintes cláusulas precisam estar expressamente previstas em contrato:
- Que o IGP-M seja o único índice de reajuste previsto, sem possibilidade de alteração;
- Que as variações sejam tanto positivas quanto negativas;
- Que o proprietário não possa pedir o imóvel de volta, salvo descumprimento deste Contrato ou da Lei pelo Inquilino.
"Mas também se pode argumentar que as partes acordaram dessa forma ao assinar o contrato, o que a tornaria válida. Sem uma cláusula expressa, o natural é que se calcule a deflação dos contratos a depender da negociação entre as partes."
Vale frisar: se houver cláusula que permita a quebra de contrato por ambas as partes após 12 meses, o proprietário poderá pedir de volta o imóvel em vez de reajustar pelo IGP-M. E o contrário também é válido, obrigando o proprietário a reduzir o preço ou pagar a punição prevista para a quebra de contrato.
Segundo Tapai, é importante que o proprietário tenha em mente qual o valor locatício médio para o tipo de imóvel na região, porque, caso o valor exigido seja maior que o valor de mercado, isso facilita a troca de unidade.
"É o caso de fazer as contas: qual é a relação entre possível redução de valor do aluguel versus o tempo para encontrar novo inquilino? E ainda corre o risco de precisar alugar por preço menor, afinal será uma locação nova, e o valor pedido pode ser até menor do que em um acordo", afirma.
Por que o IGP-M caiu?
O IGP-M fazia pouco sentido no reajuste de contratos, pois sofre muita influência de produtos que pouco têm a ver com aluguéis. A maior parte do índice é ajustada por preços de produtos no atacado, e a procura por alimentos e commodities no mercado internacional durante a pandemia e, principalmente, o dólar alto levaram o IGP-M às alturas.
A "temperatura" do atacado é medida pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que representa cerca de 60% do IGP-M. Na cesta do IPA estão produtos como minério de ferro, arroz, trigo e soja. São muitas commodities na cesta, que são produtos cotados em dólar.
Nos últimos anos, com uma desvalorização forte do real frente à moeda americana, fez explodir o IGP-M. E, agora, a redução de demanda por commodities tendo em vista a possibilidade de recessão em economias desenvolvidas fez ele encolher.
Recomposição de preços após a pandemia
Como mostrou o g1 em março, os preços médios do aluguel no Brasil dispararam nos últimos meses. Dados divulgados pelo último Índice FipeZap mostram que o aumento foi de 17,05% na janela de 12 meses até fevereiro.
Segundo especialistas, grande parte dos aumentos vistos nos últimos meses respondem por uma recomposição de preços por parte dos proprietários dos imóveis. Na fase inicial da pandemia, muitos proprietários permitiram a manutenção do aluguel nos contratos ou optaram por fazer ajustes com desconto.
“Justamente porque teve muita gente com a renda impactada durante a Covid-19, os proprietários fizeram um forte exercício de negociação para que a ocupação do imóvel fosse mantida naquele momento”, disse a diretora de risco e governança da Lello Imóveis, Moira Toledo, na reportagem de março.
Além de uma retomada dos preços negociados e da troca de indicadores de reajuste, os avanços recentes nos preços do aluguel se explicam pela dinâmica natural de oferta e demanda.
Não bastasse uma maior demanda característica do início do ano — período em que muitos contratos vencem e há um aumento da procura por imóveis disponíveis para locação — há também um fluxo maior de pessoas em busca de imóveis próximos a grandes centros comerciais, com o retorno do trabalho presencial.
Apesar dos aumentos recentes vistos nos preços dos aluguéis, os especialistas entrevistados indicam que a expectativa é de desaceleração ao longo dos próximos meses. Parte desse movimento, dizem, deve refletir a desaceleração da própria atividade brasileira, com impulsos mais moderados na economia e um mercado de trabalho mais fraco.
Raphael Martins com reportagem de Isabela Bolzani, g1, 27/abr