A queda de 5% nos gastos com anúncios em 2023 mostra desaceleração frente à redução de 29% em 2022, segundo a Kantar Ibope.
Os investimentos do setor imobiliário em marketing nos últimos três anos refletem o movimento desse mercado, que sofreu uma retração com a pandemia e agora está em rota de aquecimento. Segundo dados da Kantar Ibope Media, em 2021, os gastos do setor em publicidade somaram R$ 985 milhões. No ano seguinte, esse valor caiu 29% e em 2023, a retração foi de apenas 5%, o que é visto como um início da retomada que tende a ser confirmada neste ano.
As vendas de imóveis novos cresceram 32,6% no ano passado. Foram negociados 163.108 imóveis, o maior volume dos últimos 10 anos, quando teve início a série histórica da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O valor das vendas aumentou 34,7%, para R$ 47,9 bilhões.
“Com a atual tendência de queda da taxa de juros, é esperado um aumento nas vendas em 2024, tornando a compra de imóveis para investimento ainda mais atrativa”, diz Luiz França, presidente da Abrainc. Na sua avaliação, com a taxa de juros abaixo de dois dígitos, “a classe média deve voltar com mais força”.
O setor imobiliário foi um dos mais impactados pela pandemia de covid-19, que trouxe mudanças profundas na forma como as pessoas usam e investem em imóveis. Se por um lado há aqueles que foram morar no interior, outros passaram a buscar mais proximidade com a estação do metrô, com a escola dos filhos.
Para Thomaz Assumpção, CEO da Urban Systems, consultoria de inteligência de mercado para o setor imobiliário, o comprador passou a levar muito mais em conta o entorno e se este se adequa à sua vida. Mas, segundo ele, o marketing do setor continua dando mais peso ao produto do que ao contexto no qual ele se insere. “Tem escola, hospital, supermercado perto? Essa lógica urbana é a que importa atualmente”, diz Assumpção.
O executivo cita como exemplo o conceito da “cidade de 15 minutos”, criado pelo urbanista franco-colombiano e professor na Universidade de Sorbonne, Carlos Moreno, no qual as cidades devem ser projetadas ou remodeladas para que, na distância de uma caminhada de 15 minutos, as pessoas possam viver, trabalhar, estudar, fazer compras. O conceito não é novo, mas ressurgiu com força após a pandemia. “A percepção de valor ficou mais importante que o preço”, explica Assumpção.
É nesse cenário que novas formas de atrair a atenção do consumidor, de conversar e até oferecer experiências estão surgindo no terreno do marketing voltado ao setor imobiliário.
Ainda há pessoas distribuindo folhetos nas esquinas ou empunhando bandeiras para anunciar prédios em construção. E a televisão continua sendo um canal importante para o setor. Mas o conteúdo de algumas campanhas vem mudando - em vez de anunciar somente o nome do empreendimento, reforça-se a marca da construtora.
A Patriani, construtora de médio e alto padrão que atua principalmente em um raio de 100 km de São Paulo, é um exemplo. Anuncia diariamente na TV, no rádio, e o slogan “Não é studio, é apartamento”, repetido desde o início do ano, já é atrelado ao nome da empresa. “Nos últimos três anos, temos investido R$ 40 milhões por ano em propaganda e marketing, o que significa 4% do faturamento anual da empresa”, afirma Valter Patriani, fundador e presidente da empresa. “Nosso foco principal é na exposição da marca”, diz.
A Patriani é uma construtora jovem. Foi fundada há 11 anos pelo empresário que veio do setor de turismo. Patriani foi executivo-chefe da rede de agências de turismo CVC, onde começou a trabalhar em 1978. “Sou do mundo do entretenimento e essa é a marca da Patriani. Como consumidor, sempre achei os estandes de venda de imóveis muito sérios, um espaço para uma conversa financeira e não emocional. Eu não vendia viagem desse jeito e decidi que não iria vender assim os meus apartamentos”, conta ele.
Os estandes da Patriani têm espaço gourmet, com churrasqueira, chopeira e fogão a lenha. A construtora entrega um ponto de recarga para carro elétrico por apartamento, com medição individual, e oferece, por meio de um simulador, um “test drive” da vista que o cliente terá a partir da varanda de seu imóvel.
A aprovação do novo Plano Diretor de São Paulo, no ano passado, é apontado como fator positivo para o setor imobiliário, já que permite um adensamento maior nas proximidades dos eixos de transportes da cidade. Abre espaço para que as quitinetes apertadas possam ser substituídas por unidades com mais de um quarto. Em 2023, a modalidade estúdio representou 30% dos lançamentos, o que significou um crescimento de 13% sobre 2022, segundo a plataforma GeoBrain.
Atento a essa movimentação, Patriani lançou, no início do ano, a campanha para anunciar seus imóveis compactos, com um quarto, varanda e lavabo. “O mercado de estúdios já saturou em São Paulo, por isso nossa estratégia de comunicação foi a diferenciação”, diz o presidente da Patriani, lembrando o bordão “Não é studio, é apartamento”.
Fernand Alphen, CEO da agência de publicidade Fbiz, que ao longo de sua carreira trabalhou para grandes clientes do setor imobiliário, diz que a relação entre o setor e o mercado publicitário sempre foi desafiadora pois trata-se de um mercado de varejo no qual até a construção de marca pode ganhar contornos diferentes.
Uma das características desse mercado é a demanda pela construção de marca de cada empreendimento a ser vendido. Ou seja, é uma construção de marca com tempo determinado de vida já que termina quando todas as unidades forem vendidas”, diz ele. As incorporadoras, em geral, preferiam fazer campanhas dando destaque ao imóvel e não à marca da empresa. Alphen nota, porém, que isso está mudando, em especial quando são construtoras mais novas. “São empresas cujos empreendimentos têm um valor de marca intangível, emocional e que, de certa forma, definem a pessoa que irá comprar um de seus imóveis”, diz Alphen.
Otávio Zarvos, sócio e fundador da incorporadora Idea!Zarvos, que há quase 20 anos mudou a arquitetura da Zona Oeste de São Paulo, ao contratar um time de arquitetos renomados para assinar seus prédios residenciais, apostou nessa estratégia como posicionamento de marketing. “Optei por construir a marca através dos meus produtos, no caso, os prédios residenciais, apostou nessa estratégia como posicionamento de marketing. “Optei por construir a marca através dos meus produtos, no caso, os prédios da Idea!Zarvos”, afirma ele.
A empresa já entregou 42 prédios, tem 12 empreendimentos em obra e 13 em desenvolvimento - a maioria nos bairros da Vila Madalena, Pinheiros, Perdizes e Vila Ipojuca.
“Nós usamos a verba de marketing na construção da Galeria Idea!Zarvos, um espaço de 4 mil metros quadrados na região nobre do Jardim Europa que custou R$ 12 milhões”, afirma Zarvos. A ideia da galeria, que exibe todos os apartamentos que estão à venda da construtora, surgiu durante a pandemia quando as visitas aos apartamentos decorados foram substituídas pelos tours virtuais. Quando os consumidores voltaram ao mundo presencial, frequentando lojas, restaurantes, a empresa decidiu que, além de concentrar ali todos os apartamentos que estão à venda atualmente, iria dedicar o espaço da galeria também para eventos de arte, cultura e arquitetura.
A figura do influenciador também está sendo usado no marketing do setor. O QuintoAndar, plataforma de aluguel, compra e venda de imóveis, está investindo atualmente em uma campanha com a influenciadora Malu Borges, que acaba de comprar uma nova casa. Ela criou a “Favoritos da Malu”, uma lista com imóveis escolhidos por ela e que estão prontos para serem negociados no QuintoAndar, informou Gustavo de Lacerda, diretor de estratégia criativa da plataforma.
Valor, 19/jul