Imóveis com preços tão altos que muitas vezes se tornam impagáveis (para compra ou aluguel), mobilidade reduzida e um número crescente de pessoas vivendo sozinhas. A combinação, comum a grandes cidades do mundo todo, vem produzindo um fenômeno que, nos Estados Unidos, vem sendo chamado de microhousing. São apartamentos tão pequenos - alguns chegam a ter somente 11 metros quadrados - que poderiam ser comparados a armários. Ou caberiam numa única vaga de garagem.
Assustador? Pois no Brasil eles já estão chegando e nos EUA já são uma realidade. Cidades como Nova York, Chicago e São Francisco vem revendo suas legislações para permitir a construção de microunidades. Nova York, que até então não permitia a construção de imóveis com menos de 37m², fez um concurso para a escolha do edifício de microapartamentos mais funcional para a cidade. O escolhido será erguido no centro de Manhattan e terá 55 unidades de 24m², todas mobiliadas com móveis multifuncionais e que se transformam conforme a necessidade. Assim, um mesmo espaço pode ser estar, jantar ou quarto, conforme o uso que se dá ao mobiliário. A clientela no caso são executivos jovens ou em passagem pela cidade.
Mas quem lidera o movimento americano é Seattle, que já tinha legislação menos restritiva em relação à construção de microunidades. Lá, na maior parte dos casos, são erguidos prédios por investidores que fazem quartos com banheiros para alugar e constroem as cozinhas em áreas comuns desses edifícios. Cada um tem entre 11m² e 18m².
Já há hoje cerca de 700 dessas unidades prontas e ocupadas e outras 3.100 em construção. Quase sempre em regiões próximas a universidades e áreas comerciais, que são servidas por uma boa infraestrutura de transporte público e serviços. Os ocupantes são, na maioria das vezes, estudantes e jovens profissionais, na faixa dos 30 anos, sem condições de arcar com o alto preço dos aluguéis.
Para se ter ideia, na cidade, o aluguel dos apês de um quarto, sem qualquer tipo de serviço, não custa menos de US$ 1.200 (R$ 2.700). Já nas microunidades, os valores variam de US$ 500 (R$ 1.125) a US$ 1 mil (R$ 2.250) e incluem utilidades, rede wi-fi e, em alguns casos, até vaga de garagem. Um valor mais "pagável", sem dúvida. Mas, para críticos do microhousing, a proliferação desse tipo de unidade tende a adensar, ainda mais, regiões já muito habitadas.
- Estamos considerando novas regulamentações para as microunidades, que devem assegurar um design de qualidade, além de incluir espaço mínimo para áreas comuns e vagas de estacionamento para bicicletas - explica Geoffrey Wentlandt, do Departamento de Planejamento e Desenvolvimento da cidade de Seattle.
Já para os defensores das microunidades, elas permitiriam que mais pessoas vivessem em regiões próximas ao trabalho, pagando aluguéis mais baratos, ou até mesmo comprando um imóvel que, embora menor, cabe no bolso. O arquiteto Fabio Queiroz, doutorando do Núcleo de Estudos de Habitares Interativos (Nomads/USP) que acompanha o fenômeno dos micro mundo afora, lembra, contudo, que isso só vale para cidades com boa infraestrutura de transporte público e em áreas com muitos serviços, restaurantes e comércio próximo às unidades. Assim, a chegada de novos residentes poderia servir até para requalificar e revitalizar a área.
- Viver em espaços tão mínimos só faz sentido quando o habitar se estende para além do apartamento. É como morar na cidade e só dormir em casa. Nesses casos, o ideal é que os edifícios contem com ambientes para compensar a falta de espaço nas unidades e que permitam o convívio entre moradores e até áreas compartilhadas de trabalho, como coworkings. Também poderiam ser de uso misto com lojas e escritórios.
Criador de um dos mais celebrados apartamentinhos de Nova York, o seu próprio que tem 39m² e móveis transformers que dão ao imóvel diferentes configurações, o arquiteto canadense Graham Hill vai além e vê nas microunidades um estilo de vida em que o consumo e o acúmulo de coisas cedem lugar ao bem estar. Para ele, embora a infraestrutura seja importante, o transporte público teria um peso menor.
- Pessoas identificadas com esse estilo de vida tendem a andar a pé ou de bicicleta, principalmente, se morarem perto do trabalho - diz o criador da empresa LifeEdited que desenvolve soluções de design para microimóveis.
NO BRASIL, SÃO PAULO É PIONEIRA
Uma das empresas para a qual o canadense Graham Hill prestou consultoria foi a paulistana Vitacon, incorporadora que ano passado lançou um prédio com 90 unidades entre 19m² e 26m² na Vila Olímpia, em São Paulo, e acaba de colocar no mercado outros dois com microunidades na região. A cidade vem sendo pioneira no Brasil na construção desse tipo de imóvel. E a razão para isso é justamente a legislação - o mínimo possível de um imóvel gira em torno dos 18m².
- A inteligência de espaço é a grande tendência do mercado imobiliário, e por isso comecei a investir nestes empreendimentos, sempre em regiões bem servidas de transporte público e serviços, como Vila Olímpia e Itaim Bibi. A família mudou, os costumes também e para um determinado público existe a demanda por esse imóvel - diz Alexandre Frankell, CEO da Vitacon.
Já no Rio, a construção desse tipo de imóvel só seria possível se houvesse uma revisão no zoneamento. É que, por aqui, a área mínima exigida é de 30m², em bairros como Centro, São Cristóvão e Bangu, além das partes centrais de Andaraí, Tijuca e Grajaú. Na Zona Sul, não se constrói nada com menos de 60m². E, segundo a Secretaria de Urbanismo, não há, ao menos por enquanto, qualquer previsão para rever as leis.
- De vez em quando se fala nisso, mas não vejo qualquer vantagem em mudar a legislação, se não houver uma melhora do espaço público - avalia o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).
Secretária de Urbanismo de Niterói, Verena Andreatta lembra que até a década de 1990 era proibido morar no Centro do Rio e que a reivindicação do uso como moradia das regiões centrais de grandes cidades é bastante atual. Ela está à frente do projeto de revitalização do Centro de Niterói, que pretende transformar a região num polo habitacional tanto como comercial:
- Mas ainda não pensamos nessa questão do tamanho das unidades.
O arquiteto Fabio Queiroz, do Nomads/ USP, avalia que, embora parta de bons princípios, a construção das microunidades também segue interesses do mercado imobiliário:
- Urbanisticamente, os princípios são corretos, mas a implementação dos micro visa a ampliar o mercado. Nos EUA, isso tem a ver com a crise iniciada em 2008. Como as pessoas não podiam mais pagar por aquelas enormes casas nos subúrbios, passou-se a vender a ideia de viver em lugares apertados, próximos ao trabalho e que reduzissem gastos inclusive com carro. Aqui, tem a ver com a necessidade de o preço do imóvel caber no teto financiado pela Caixa.
De fato, os imóveis lançados pela Vitacon, por exemplo, tem metro quadrado em torno de R$ 15 mil, o que faz com que cada unidade saia por cerca de R$ 300 mil - o valor máximo de financiamento da Caixa nas grandes cidades é R$ 750 mil. Mas esse é o preço do apartamento "pelado". Quem quiser um apê com o mobiliário inteligente desenvolvido por Hill e sugerido pela empresa, precisa desembolsar mais R$ 100 mil.