quarta-feira, 2 de março de 2016

Fantasmas de reajustes passados e futuros alimentam inflação de 2016


Metade da inflação em 2016 será fabricada pelos fantasmas dos aumentos de preços passados e futuros.

A profunda recessão, na qual o país está mergulhado no presente, não tem contribuído para amainar a escalada do custo de vida, que deverá subir quase 8% neste ano, preveem economistas.

Na teoria, a contração desestimularia remarcações de preço, pois menos gente estaria disposta a pagar mais caro por um produto ou serviço. Mas, na prática, outro fenômeno econômico entrou em ação: a persistência ou inércia inflacionária.

Cálculo do economista Leandro Padulla, da consultoria MCM, prevê que a inflação será de 7,7% em 2016 -metade (3,8 pontos percentuais) virá da "herança" de aumentos de preços de 2015 (fantasma da inflação passada) mais a expectativa de que eles seguirão subindo (fantasma da inflação futura).

O economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, afirma que este é um dos "mistérios" com que os economistas brasileiros terão de lidar neste ano.

"Já que estamos diante da talvez maior recessão da nossa história, por que a inflação não cai mais?", questiona. A inflação de 2015 foi de 10,7%. 

"NÃO É NORMAL" 

"Em 2015 foi simples: os preços subiram devido à correção dos administrados, como transporte e energia, e também pela alta do dólar. Neste ano, esses choques não deverão se repetir, mas expectativas continuam jogando a inflação para cima de 7,5%. Isso não é normal".

Mesmo com evidentes sinais de piora da crise econômica a partir do segundo semestre do ano passado, as expectativas de aumento de preços só cresceram.

Em estudo, os economistas Alexandre Schwartsman, colunista da Folha e ex-diretor do BC, e Mauricio Schwartsman mostram que as expectativas aferidas a partir das cotações de títulos do governo indexados à inflação sugerem algo pior: inflação de 9% a 9,5% daqui a 12 meses.

Segundo os dois, uma análise histórica dos dados brasileiros revela que a recessão e o desemprego só tendem a puxar os preços para baixo quando as expectativas de inflação ficarem estáveis. O oposto do quadro atual.

Para Padovani, a explicação passa por uma análise comportamental: quanto maiores são as incertezas, maior tende a ser o estímulo para olhar o passado.

"Com a crise política, a alta do dólar e o aumento do risco-país, os agentes se agarram no que conhecem, ou seja, na inflação passada", diz.

Ao remarcarem seus preços olhando para trás, conectam o passado ao futuro, alimentando uma inflação alta pelos próximos meses e anos -para analistas, a inflação não volta para a atual meta (4,5%) nem em 2020, segundo a pesquisa Focus, do BC.



Folha de São Paulo, Mariana Carneiro e Érica Fraga, 02/fev