segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A Olimpíada e o legado social


Saldo é favorável aos cariocas, mas Rio precisará de um novo plano. O Rio ganhou a disputa para a escolha de sede olímpica de 2016 de cidades globais como Chicago, Madri e Tóquio não pela sua forca econômica ou infraestrutura logística já estabelecidas, mas pela capacidade dos Jogos de transformar a cidade. O termo legado olímpico se refere, em geral, à projeção dos ganhos prospectivos a serem usufruídos pela cidade após a realização do megaevento esportivo. O Rio maximizaria o legado olímpico.

Têm sido comuns análises do impacto sobre concretos objetos de desejo, como o movimento turístico, a estrutura de parques esportivos e mesmo o meio ambiente. Às vezes se inclui na conta elementos intangíveis, como o valor da marca da cidade, ou do poder suave do país, de que, em outros tempos, costumávamos nos vangloriar. Mas temos poucas análises sobre o impacto social direto.

No interregno entre o anúncio e a realização do evento, já se percebem inflexões relevantes nas séries históricas da cidade do Rio de Janeiro? Em particular, houve alguma virada olímpica na vida do cidadão carioca? Em outras palavras, como a população local foi impactada durante o período de preparação para os Jogos? Por exemplo, como mudaram a casa, a escola, o trabalho, o transporte e assim por diante?

Em cps.fgv.br/rio2016, construímos um diagnóstico empírico detalhado do dia a dia das condições de vida da população. Avaliamos o desempenho da cidade em áreas diversas, como educação, trabalho, habitação, serviços de utilidade pública, transporte e desenvolvimento social, a partir de pesquisas domiciliares públicas de uso inédito no âmbito do município do Rio de Janeiro.

Quantificamos se houve mudança de tendência de cada dimensão após o anúncio da Olimpíada, e se esta alteração é positiva ou negativa. Como uma espécie de competição da sociedade local com ela mesma. As mudanças na vida do carioca depois do anúncio dos Jogos tiveram como placar social final 36 avanços e dois retrocessos, estes ligados ao tempo de transporte.

Desses 38 indicadores gerados, 24 são comparáveis antes e após o anúncio da sede olímpica. O que nos permite identificar os padrões de mudança do Rio em relação a um grupo de controle formado pelo resto do Grande Rio. Neste caso, contrastando o filme carioca com o filme dos demais municípios da metrópole. É uma competição dinâmica de avanços entre áreas geográficas. Aqui, não basta melhorar, mas tem de melhorar mais do que os outros. Nota-se que, depois do anúncio, o placar foi 18 a 1 em favor dos cariocas, com cinco empates estatísticos. Já antes do anúncio dos Jogos, isto é, entre 1992 e 2008, o placar social foi 7 a 10, com sete empates. Portanto, havia uma tendência de queda negativa relativa dos indicadores comparáveis da cidade, revertida com o anúncio da Olimpíada.

Um dos principais indicadores estudados foi o crescimento de renda. A pesquisa revelou que, embora a economia carioca tenha demorado a decolar após o anúncio da cidade como sede olímpica em 2009, uma vez embalado, o crescimento não perdeu força. Entre 2008 e 2016, a renda per capita no município cresceu 30,3%, enquanto no período de 1992 a 2008, a elevação foi de apenas 6,1%.

Se comparado com o Brasil, onde a renda cai desde 2015, o desempenho do Rio é ainda mais expressivo. É, entre as 27 capitais brasileiras e as nove periferias metropolitanas, onde a renda individual do trabalho mais cresceu desde 2013. O problema, segundo as projeções demográficas, é que a proporção da população com idade apta a trabalhar começa a cair a partir de 2016. A cidade precisa de um novo projeto após a Olimpíada.

Marcelo Neri é diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV)



O Globo, Opinião, Marcelo Neri, 01/ago